Acórdão nº 2214/19.T8PBL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-05-2022

Data de Julgamento10 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão2214/19.T8PBL.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra



Autor: AA

Réus: Banco 1..., S.A.
C...

*

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente acção contra as Rés, pedindo que:
a) se declarem nulas as cláusulas do contrato de seguro que respeitem à cobertura do seguro por invalidez absoluta e definitiva e, consequentemente, ser a 2ª Ré condenada a reconhecer a invalidez absoluta e definitiva do Autor;
b) ser a 2ª Ré condenada a pagar à 1ª Ré a quantia que se encontrar em dívida, previsto na apólice correspondente ao capital seguro, bem como os respetivos juros;
Ou, em alternativa
c) ser a 1ª Ré condenada a suportar o capital ainda em dívida referente ao contrato de mútuo ora em causa, bem como os respetivos juros, por omissão dos deveres de informação e comunicação;
Em todo o caso,
d) serem as Rés condenadas, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia correspondente a todas as prestações já vencidas e pagas pelo mesmo, desde agosto de 2018 até à presente data, que se cifra em € 3.366,08 (três mil trezentos e sessenta e seis euros e oito cêntimos), bem como as vincendas que o Autor pagar a partir da presente data e até integral liquidação ao beneficiário do seguro, ora 1ª Ré, do respectivo capital, acrescida de juros de mora desde agosto de 2018 até integral pagamento;
e) serem as Rés condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, bem como os respectivos juros legais desde a citação até integral pagamento.
Como consta do relatório da sentença proferida que passamos a transcrever:
Alega o Autor AA, para tal efeito, que, em Abril de 2015, celebrou um contrato de financiamento com o Réu Banco 1..., S.A. tendente à aquisição de um veículo automóvel com ajuste de capital mutuado na grandeza de € 16.354,18 a liquidar em 84 prestações mensais no valor unitário de € 193,37. Tendo ulteriormente, sob contacto telefónico do Réu Banco 1..., S.A. [na veste de K...], subscrito com a Ré C... um seguro de protecção ao indicado crédito e que, à luz do ajustado, cobriria os riscos decorrentes, designadamente, de invalidez absoluta e definitiva e de incapacidade temporária para o trabalho. Sem que, nessa ocasião, tenham sido prestadas quaisquer explicações adicionais sobre as condições específicas inerentes às respectivas coberturas. Mais explicita que, em Maio de 2015, entrou de baixa em virtude de dores intensas sentidas enquanto se encontrava a cumprir as suas funções laborais no armazém da Câmara Municipal .... O que ocorreu num quadro caracterizado por lombalgia, hérnia discal, artrite psoriática e dores generalizadas. Tendo-lhe sido igualmente diagnosticado, em Março de 2017, uma tuberculose pulmonar. Num contexto de incapacidade para o trabalho que levou a Caixa Geral de Aposentações a considerá-lo absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções. Salienta, nesta senda, que a Ré C... apenas assumiu o pagamento das mensalidades referentes ao contrato de crédito durante o período em que se encontrou de baixa. Pois que, quando participada a incapacidade permanente com vista à cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva, veio a Ré C... concluir que a situação clínica do Autor AA se achava preexistente à data da subscrição do seguro ao ponto de configurar exclusão contratual impeditiva do pagamento de qualquer indemnização. E também porque não resultou comprovado que a situação de invalidez participada pelo Autor AA o inviabilizasse de exercer outra tipologia de actividade profissional remunerada. Contrapõe, no entanto, o Autor AA que a sua situação clínica, à data da contratação do seguro, não envolvia as indicadas maleitas ao ponto de estas se enquadrarem no risco seguro. Argumentando, paralelamente, que as exclusões invocadas pela Ré C... não lhe foram comunicadas ou explicadas até porque o clausulado só lhe foi entregue, após insistências, em Novembro de 2019. Com o que se considera o Autor AA no direito de exigir a observância do contrato de seguro, reclamando, complementarmente, uma compensação de € 3.500,00 derivados dos danos morais sofridos em função da violação pelos Réus Banco 1..., S.A. e C... dos seus deveres contratuais que o obrigaram a suportar prestações mensais absolutamente essenciais à sua sobrevivência atentos os parcos rendimentos por si auferidos.

Regularmente citados, os Réus Banco 1..., S.A. e C... contestaram. O Réu Banco 1..., S.A. contrapondo que se acha absolutamente alheio às pretensões do Autor AA pois que as mesmas derivam de postura exclusivamente assumida pela co-Ré C... ao recusar o accionamento da apólice de seguro. Estabelecendo, adicionalmente, que, enquanto credor, tem o direito a ser reembolsado do montante mutuado seja pelo Autor AA ou pela Ré C.... A Ré C..., por seu turno, defendeu a ocorrência de exclusões contratuais centradas na anterioridade da patologia clínica ostentada pelo Autor AA e na circunstância de essa mesma patologia não o impossibilitar, em absoluto, de exercer qualquer actividade profissional remunerada. Mais defende que as causas de exclusão previstas no contrato de seguro foram integralmente comunicadas e explicadas ao Autor AA, tendo este, como tal, perfeito conhecimento do correspondente teor.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

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O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO POR ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA
II. Na realidade, de todos os meios probatórios disponíveis conclui-se que o Tribunal a quo julgou incorretamente concretos pontos de facto, a saber, o ponto 1, 2 e 3 dos factos não provados.
III. Ora, a prova documental produzida pelo Recorrente e a criada em sede de audiência de julgamento, impunha, sem qualquer margem para dúvidas, que o Tribunal a quo julgasse como provados os aludidos factos, que deu como não provados, conforme Vªs Exªs apreciarão.
IV. No que respeita ao facto não provado mencionado no ponto 1 dos factos não provados:
V. O Tribunal a quo, muito resumidamente, não considerou provado, e bem, que tenha sido prestada informação, explicação ou elucidação pelas Recorridas ao Recorrente do teor da cláusula constante de fls. 57 e 58 (ponto 6 dos factos não provados).
VI. Nesta medida, preconizou, no entanto, o Tribunal a quo que “a inobservância dos deveres de informação não pode conduzir à exclusão do texto contratual da cláusula centrada na definição da cobertura referente à Invalidez Absoluta e Definitiva”, podendo o Recorrente, in casu, “exigir a responsabilização do Réu Banco 1..., S.A. pelos danos daí advenientes”, ora 1ª Ré/Recorrida.
VII. Ademais, o Tribunal a quo perfilhou do entendimento de que os pressupostos de que a cláusula aqui em apreço faz depender a verificação da Invalidez Absoluta e Definitiva “se acham claramente atentatórios do princípio de boa fé”, porquanto exige “arbitrária e inusitadamente, que se divise a necessidade de ajuda de terceira pessoa para a vida normal e corrente mesmo quando o visado consiga, por si só, realizar os atos elementares do seu quotidiano”.
VIII. Posto isto, o Tribunal a quo explanou que a consequência daí resultante passaria necessariamente por “expurgar da sobredita cláusula o segmento que exige a dependência de pessoa terceira (…) mas mantendo a validade do demais texto contratual”.
IX. E nesta sequência, expôs que, no caso em concreto, a Invalidez Absoluta e Definitiva do Recorrente dependeria “da constatação de uma invalidez superior a 80% motivada por causa alheia à vontade do Segurado e que implique a total impossibilidade, por parte deste, de exercer qualquer atividade profissional remunerada”,
X. que, adiante-se, considerou como não observada, quer porque a incapacidade permanente e absoluta do Recorrente se aplica apenas para o exercício das suas funções, e não para toda e qualquer profissão, quer porque se desconhece o correspondente grau de incapacidade.
XI. Ainda assim, o Tribunal a quo considerou que a solução seria idêntica mesmo que se entendesse que a cláusula em causa deveria considerar-se excluída do respectivo contrato, pois que, apelando às regras da interpretação feita por um declaratário normal, sempre seria de exigir uma incapacidade para o exercício de toda e qualquer profissão, o que, no presente caso, não se verifica.
XII. E é exatamente este o entendimento contra o qual o Recorrente veementemente se insurge.
XIII. Vejamos,
XIV. Independentemente (para já) de a cláusula referente à Invalidez Absoluta e Definitiva do contrato de seguro outorgado pelo Recorrente dever ser ou não excluída do respetivo contrato, debrucemo-nos sobre a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e sobre a prova documental oferecida pelo Recorrente nos seus articulados.
XV. A Testemunha do Recorrente, BB, apesar de ser sua mulher, prestou o seu depoimento com toda a sobriedade, clareza e inquestionável objetividade, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente nos artigos 23º e 24º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVI. Acresce que, é fundamental verificar o que as testemunhas arroladas pelo Recorrente, CC e DD, referiram, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente nos artigos 25º e 26º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVII. Debruçando-nos, agora, sobre o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida C..., EE, que exerce a profissão de médico, é elementar constar o que o mesmo referiu e cujas passagens da gravação se indicaram expressamente no artigo 27º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
XVIII. Finalmente, auscultando as declarações do Recorrente, as quais foram proferidas com indiscutível objetividade e clareza, as mesmas especial relevo no que concerne a esta temática, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente no
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