Acórdão nº 2211/21.6T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-02-2024
Data de Julgamento | 06 Fevereiro 2024 |
Case Outcome | CONCEDER PARCIALMENTE A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2211/21.6T8PDL.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acórdão
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de inventário para partilha do património comum do dissolvido casal composto por AA, requerente do inventário, e BB, cabeça de casal, na sequência de reclamação por parte da requerente que:
- impugnou a inexistência de bens a partilhar, i) a falta de relacionamento de bens móveis existentes na casa de morada de família, no apartamento anexo e na garagem, e ainda de ii) passivo relativo a crédito pessoal contraído na constância do matrimónio, junto do BPI, no montante de € 26 118,77; e
- reclamou a existência de créditos de compensação, i) a quantia de € 9071,33 recebida pelo ex-cônjuge mulher por óbito dos seus pais, utilizada na construção de benfeitorias no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., bem próprio do cabeça de casal; ii) benfeitorias edificadas no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., bem próprio do cabeça de casal, relativas à construção de um apartamento T1, arrecadação (no valor de € 18 400,00), alteração e melhoramento da entrada do prédio; ampliação da casa; e instalação de um portão em ferro, acompanhado de um motor elétrico; instalação de cozinha; instalação de um closet, composto por três armários, sem porta, com gavetas, lacados em branco e um armário de centro; instalação de estores no alpendre; construção e instalação de forno de lenha e churrasqueira (da casa principal), com lava loiças; instalação de uma salamandra; instalação de porta do quarto, chão e rodapé do quarto de casal; construção de um alpendre, tudo com recurso a dinheiro comum do casal; iii) despesas com a contratação de topógrafo e processo de legalização das obras edificadas no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ....
2. Após produção de prova, foi proferida sentença, datada de 11/04/2023, na qual se decidiu:
a) Relacionar os bens móveis descritos de 16.1) a 16.24), e ainda no ponto 17.1), e nos pontos 18.2) a 18.5) e de 18.7) a 18.27);
b) Relacionar o veículo automóvel Mitsubishi, de matrícula ..-MZ-..;
c) Relacionar o passivo da responsabilidade do casal, a favor do BPI, relativo a crédito pessoal contraído na constância do matrimónio, no montante de 26.118,77€;
d) Reconhecer um crédito de compensação a favor do património comum, e a cargo da interessada AA, no valor de 5.952,36€;
e) Reconhecer um crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal e a favor da interessada AA, correspondente a metade do valor pago pelo casal, com recurso a bens comuns, aos pais do cabeça de casal do empréstimo por eles feito (descontadas as liberalidades) para construção do apartamento T1 (bem próprio do cabeça de casal), no valor de 4.500,00€;
f) Reconhecer crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal, e a favor da interessada AA, pelas benfeitorias descritas no ponto 5) dos factos provados, no valor de 33.271,65€;
g) Não reconhecer os demais créditos reclamados pela interessada AA;
h) Não reconhecer, por extemporaneidade da sua relacionação, como parte integrante do património comum, uma mala de ferramenta da Wurth; uma lâmpada de trabalho; um conjunto de ferramentas da Wurth; uma trituradora manual da Tupperware; duas câmaras de segurança e um envelope com 900,00€ em dinheiro do casal;
i) Não reconhecer por extemporaneidade da sua reclamação, os créditos de compensação relativos a pagamentos de IMI e quotas do condomínio; de prestações de empréstimo contraído junto do BCP para aquisição de fração autónoma propriedade da Requerente, sita na Rua ...; de indemnização atribuída ao Requerido decorrente de acidente causado pela Bimby; por pagamento com dinheiro comum (38.534,41€) das prestações de amortização das prestações de crédito contraído pela Requerente junto do Banco BPI, para pagamento das viaturas da Requerente; por pagamento com recurso a dinheiro comum, no valor de 2.889,76€, das revisões e manutenções do Mitsubishi; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 2.430,00€, do Imposto de Circulação da viatura Mitsubishi; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 4.448,88€, do Plano de Poupança Reforma da Requerente; por perda de restituição do IRS do ano de 2020, por a Requerente ter declarado ter os menores à sua guarda, no valor de 933,49, correspondente à diferença entre o reembolso que recebeu e que deveria ter recebido; por pagamento do remanescente do preço do veículo Mitsubishi com dinheiro comum, no valor de 1.232,00€; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 806,00€, a título de honorários à Dra. CC e taxas de justiça de processo judicial; e por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 906,00€, a título de honorários ao Dr. DD, no processo de acidente de trabalho da Requerente;
J) Absolver o cabeça de casal do pedido de condenação como litigante de má fé.
3. Inconformado com esta decisão, o cabeça-de-casal interpôs recurso de apelação.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa veio, por acórdão datado de 12/10/2023, decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, e revogando as alíneas f) e i) do dispositivo do despacho recorrido, substituindo os seus textos pelos seguintes:
«f) Reconhecer crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal, e a favor da interessada AA, pelas benfeitorias descritas no ponto 5) dos factos provados, no valor de 23.421,64 €;
i) Reconhecer a tempestividade da reclamação de créditos feita pelo recorrente, julgando a reclamação improcedente, por não lhe assistir direito de compensação, quanto à indemnização arbitrada por acidente causado pela Bimby; ao pagamento das prestações de amortização no valor de 38.534,41 € de crédito contraído pela requerente junto do Banco BPI para pagamento de viatura; ao pagamento no valor de 2.889,79 € das revisões e manutenções da viatura Mitsubishi; e, ao pagamento do remanescente do preço do veículo Mitsubishi no valor de 1.232,00 €».
5. Novamente inconformado, cabeça-de-casal e interessado BB interpôs recurso de revista, no qual pede que os autos baixem à 1.ª instância para prolação de decisão sobre os factos objeto da reclamação indeferida por intempestividade com as seguintes conclusões:
1 – O que releva na compensação a cargo do património do cabeça de casal a favor da interessada AA é o valor efetivo das despesas por esta suportadas nos melhoramentos efetuados no imóvel e não o eventual aumento de valor do património que beneficiou dessas despesas.
2 – No caso, o que resulta provado e aceite pelas partes foi o dispêndio pelo casal de 30.839,42 €, descontados da quantia de 10.156,73 € recebida a título de indemnização pelo seguro da habitação (6.981,35 €) e de uma compensação recebida da Secretaria Regional da Solidariedade Social – Direção Regional da Habitação (3.175,38 €) perfazendo o quantitativo efetivamente despendido pelo casal de 20.682,69 €, cabendo um crédito a favor da interessada AA de metade, ou seja, 10.341,35 €.
3 – Sendo reconhecida a tempestividade da reclamação de créditos apresentada pelo cabeça de casal têm os autos que baixar à 1.ª instância para aí ser proferida decisão de mérito quanto à matéria da reclamação,
4 – Designadamente quanto à indemnização recebida pelo recorrente a título de danos não patrimoniais que é bem próprio deste, e excluído da relação de bens por força da alínea d) do n.º 1 do art. 1733.º do Código Civil.
5 – Assim não o tendo entendido, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 342.º e 1733.º n.º1, alínea d) ambos do Código Civil e n.º 1 do art. 609.º do CPC.
6. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
7. Cumpre apreciar e decidir.
II. Delimitação do objeto do recurso
Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- do crédito de compensação a cargo do cabeça casal a favor da interessada AA relativos às obras de melhoramento no imóvel bem próprio do cabeça-de-casal;
- da tempestividade da reclamação de créditos feita pelo Recorrente e decisão de indeferimento;
- da natureza de bem próprio ou comum da indemnização por danos não patrimoniais recebida pelo Recorrente.
III. Fundamentação
1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1.1. BB e AA casaram um com o outro, sem precedência de convenção antenupcial, a 7-08-2010.
1.2. O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 20-06-2021, transitada em julgado, com efeitos retroativos a 25-02-2020.
1.3. BB antes do casamento era proprietário do imóvel, sito na Rua ..., ..., ....
1.4. Por sua vez, AA, antes do casamento era proprietária da fração autónoma destinada à habitação, sita na Rua ..., ..., ..., a qual esteve arrendada durante determinado período e até setembro de 2020, e foi intervencionada com obras após a separação do casal, vindo a ser vendida posteriormente a estas obras por 168.000,00€.
1.5. No imóvel sito na Rua ..., ..., ..., foram realizadas durante a vigência do casamento dos interessados as seguintes obras:
1.5.1) Construção de arrecadação de arrumos, viveiro de pássaros e canil;
1.5.2) Pavimentação da entrada com betão e construção de muros de sustentação;
1.5.3) Colocação de portão eletrificado;
1.5.4) Instalação de um roupeiro no quarto da EE;
1.5.5) Transformação da garagem da casa em quarto de dormir (sem roupeiro), com instalação de nova janela;
1.5.6) Ampliação do quarto de casal com construção de closet;
1.5.7) Revestimento do chão do quarto de casal com soalho vinílico;
1.5.8) Remodelação da cozinha da casa, com fecho do alpendre...
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