Acórdão nº 2201/21.9YRLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-07-2022

Data de Julgamento07 Julho 2022
Case OutcomeCONCEDIDA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2201/21.9YRLSB-A.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA (residente no BRASIL, em ..., Estado de São Paulo) e BB (igualmente residente no BRASIL, ..., Estado de São Paulo) instauraram acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja revista e confirmada a Escritura de Conversão de Separação em Divórcio Consensual outorgada em 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Requerentes, no 1o ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1.124o-A do Código de Processo Civil brasileiro, introduzido pela Lei n° 11.441, de 4 de Janeiro de 2007 da República Federativa do Brasil, pela qual os Requerentes dissolveram o vínculo conjugal entre eles e passaram a ter o estado civil de divorciados.


Observado o disposto no art. 982°, n° 1, do CPC de 2013, apenas o Ministério Público apresentou alegações defendendo a procedência da acção, por verificados os requisitos enunciados no art. 980º do CPC.


A Relação ... indeferiu a petição inicial, que julgou inepta por falta de causa de pedir e declarou a nulidade de todo o processo (arts. 186º e 590º do CPC).

Para tanto considerou:

“(…)

No caso dos autos, o divórcio por mútuo consentimento que se pretende seja reconhecido por esta Relação, através de processo de revisão e confirmação regulado nos artigos 978° e segs. do actual CPC, não foi decretado por nenhum tribunal estrangeiro, nem sequer por qualquer autoridade administrativa ou religiosa a quem, porventura, a ordem jurídica brasileira tivesse conferido poderes de autoridade para decretar a dissolução, por divórcio, dos casamentos.

Efectivamente, neste caso, a dissolução do casamento celebrado entre os Requerentes promana das declarações negociais de vontade emitidas pelos próprios cônjuges no contexto duma escritura pública celebrada num cartório notarial, segundo o ritualismo estabelecido pela Lei n° 11.441, de 4/1/200741, em que o notário se limita a certificar que os outorgantes declararam que, pela presente escritura, nos termos do artigo 1580°, parágrafo 2°, do Código Civil e [do artigo] 1.124°-A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441, de 4 de Janeiro de 2007, fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles [outorgantes], que passam a ostentar o estado civil de divorciados" (cfr. o documento junto à petição inicial como documento n° ..., a fls. 18 e 18-v°).

Neste quadro, irrelevaque, segundo o direito Brasileiro, os Notários ou tabeliãessejam, a par dos registradores, considerados agentes públicos, ou seja, particulares que recebem, por delegação do Estado, a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. De todo o modo, não é o Notário ou tabelião brasileiro (que lavra a escritura pública de divórcio consensual) quem declara a dissolução do casamento; são os cônjuges outorgantes que se auto-divorciam, dissolvendo, eles próprios, o vínculo conjugal entre eles existente.

O Notário-tabelião brasileiro mais não faz do que certificar as declarações negociaisde vontade emitidas pelos outorgantes, através das quais eles dissolvem o seu casamento e decidem que passam a ter o estado civil de divorciados. Trata-se dum divórcio privado, operado pelos próprios cônjuges outorgantes da escritura pública de divórcio, na qual o papel do Notário/Tabelião é, tão só, o de dar fé pública àquelas declarações negociais de vontade.

Assim sendo, inexiste, no caso em apreço, uma decisão, judicial, administrativaou religiosa, passível de ser submetida ao processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978° e segs. do CPC de 2013.

A ausência de gualquer decisão, seja de natureza judicial, seja doutra qualquer natureza (administrativa ou religiosa),passível de formar caso julgado e, portanto, susceptível de ser revista e confirmada por esta Relação, no quadro do processo especial cuja tramitação está prevista nos citt. arts. 978° e segs. do CPC de 2013, implica a inexistência de causa de pedir.

Na verdade, «a acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação destinada a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa»4243. Por isso, se não existe qualquer decisão estrangeira, seja ela judicial, administrativa ou religiosa, em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa, falta, pura e simplesmente, a causa de pedir.

Ora - como se sabe -, a falta de causa de pedirconstitui causa de ineptidão dapetição inicial, nos termos do art. 186°, n° 2, ai. a), do CPC de 2013, acarretando a nulidade de todo o processo (n° 1 do mesmo art. 186°), a qual conduz à absolvição do réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278°, n° 1, ai. b). 576°, n° 2, e 577°, ai. b), todos do citado CPC de 2013.”


Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de revista, cujas alegações concluem do seguinte modo:

1ª. O tribunal aquo julgou inepta a petição inicial, por falta de causa de pedir, no que concerne ao pedido de revisão e confirmação de sentença estrangeira da Escritura de Divórcio Consensual outorgada a 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Requerentes, no 1º ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil e, consequentemente, indeferiu a petição inicial, declarando nulo todo o processo e extinguiu a instância.

2ª. Do douto Acórdão, que ora se coloca em crise, verifica-se que uma violação na interpretação e aplicação de lei substantiva e contraria outros acórdãos do STJ e do próprio TR... que no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito têm entendimentos diferentes.

3ª. Consta do referido acórdão, da qual agora se recorre o seguinte:

(…)

4ª. O douto Acórdão recorrido, na sua fundamentação relativa ao mérito da causa,começa por reconhecer que:“Quantoàsdecisõesproferidasemprocessosdejurisdiçãovoluntária,porexemploadecisãoderegulaçãodopoderpaternalouquedecretaodivórciopormútuoconsentimento,emboraaatividadedesenvolvidanestecasopelotribunalnãocorrespondaaoexercíciodafunçãojurisdicionaleporrazõesdepolíticalegislativaelanãotenhasidoconfiadaaumnotário,conservadorououtraentidadeadministrativa,temprevalecido,najurisprudência,oentendimento,preconizadoporALBERTODOSREIS,segundooqualestasdecisõesestãoigualmentesujeitasaoprocessoderevisão.”

5ª. “SegundoLuísdeLimaPinheiro,àfacedoDireitoPortuguês,quedistinguir.Assim,«seadecisãoestrangeira,apesardeproferidaemprocessodejurisdiçãovoluntária,formacasojulgadomaterialpostoqueatenuado,comosucedeentrenósnodireitodoEstadodeorigem,deveentender-sequeoreconhecimentodosseusefeitosenquantoactojurisdicionaldependederevisãoeconfirmação».Todavia,«jáparecequeodispostonosartigos1094ºesegsdoCPC[de1961]nãoserádiretamenteaplicávelaoreconhecimentodadecisãoquenãoformecasojulgadomaterial».«Noentanto,noscasospoucofrequentesemquesejanecessárioexecutaroacto,parecedefensávelumaaplicaçãoanalógicadesteregime,porconseguinte,anecessidadederevisãoeconfirmação».

“Muitoembora,«emprincípio,estejamsujeitasarevisãoasdecisõesproferidasporumórgãojurisdicional»,«esteregimedereconhecimento deveseraplicadoanalogicamenteàsdecisõesdeautoridadesadministrativasestrangeirasque,emPortugal,sãodacompetênciadostribunais.”

“EnquantoodivórcioemPortugalpodiaserdecretadopelotribunal,entendeu-sequeosdivórcios por mútuo consentimento proferidosporconservadoresdoregistocivilestrangeiroestavamsujeitosaesteregime»”.

“Apartirdomomentoemque,entrenós,odivórciopormútuoconsentimentopassouapoderserrequeridonaConservatóriadoRegistoCivil…,põe-seaquestãodesaberseoreconhecimentodosdivórciospormútuoconsentimentodecretadosporconservadoresdoregistocivilestrangeirocontinuaaestardependentedoregimedereconhecimentoerevisãoconsagradonosarts.1094ºesegs.doCPC.

“Entendendo-se,talcomoLUÍSDELIMAPINHEIRO,“quearespostaaestaquestãodeveserafirmativa«quandoadecisãodaautoridadeadministrativaestrangeirativerosmesmosefeitosqueumadecisãojudicial»-comojustamenteocorrenoDireitoportuguêsactualmentevigente(cfr.oartigo1778ºA,n.º2,doCódigoCivil,aditadopeloDecreto-Lein.º163/95,de13-7).Istoporque,«em última instância o que importa não é a natureza do órgão queprofere a decisão mas os efeitos que ela produz segundo o Direito do Estadode origem».”

“Assim, «por exemplo, o disposto nos artigos 1094º e segs. [do] CPC [de 1961]deve ser aplicado analogicamente aos atos praticados pelas autoridadesadministrativas dinamarquesas em matéria de obrigações de alimentos».”

“Najurisprudência,tambémsetementendidoque, «apesar de a nossa lei jáprever que o divórcio por mútuo consentimento, (…)possaserrequeridonaConservatóriadoRegistoCivil,paraqueadecisãodeautoridadeestrangeiracompetenteque tenha decretado o divórcio por mútuo consentimento se torneeficaz no nosso ordenamento interno continua a exigir-se que ela seja revista econfirmada».”

“De igual modo «tambémestãosujeitasarevisãoasdecisõesdetribunaiseautoridadesreligiosasemque[algumas]ordensjurídicasestrangeirasdelegampoderesdeautoridade»-oqueseverifica,designadamente,emmatériadedivórcioedeseparação.NaverdadesegundoLimaPinheiroosactos constitutivos de autoridades administrativas oureligiosasqueformemcasojulgadosãosuscetíveisderevisão,desdequesejameficazess...

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