Acórdão nº 218/20.0GCSTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 18-05-2022
Data de Julgamento | 18 Maio 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 218/20.0GCSTS.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 218/20.0GCSTS.P1
CONFERÊNCIA DE 18-05-2022
Nos presentes autos de Instrução n.º 218/20.0GCSTS, do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos - Juiz 2, foi proferida, em 25-01-2022, decisão instrutória, a qual declarou nula a acusação pública, na parte em que imputou ao arguido AA a prática de dois crimes de injúrias agravadas, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, e não pronunciou o mesmo arguido pelo imputado crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, determinando o oportuno arquivamento dos autos (ref.ª 432435133, de 25-01-2022).
a) Legitimidade do Ministério Público para acusar pelos crimes de injúrias agravadas (conclusões I, II-A), III-A) e IV).
Resulta dos autos que o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA pela prática, além do mais, de dois crimes de injúrias agravadas, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, tendo como alegados ofendidos os Guardas da GNR BB e CC (fls. 126 a 129).
O arguido requereu a abertura da instrução, no final da qual foi proferida a decisão instrutória agora sob recurso, onde se considerou, no que aqui releva, que não existe queixa ou participação dos ditos ofendidos quanto a tais crimes, decidindo-se declarar nula a acusação nessa parte e determinar-se o oportuno arquivamento dos autos (ref.ª 432435133, de 25-01-2022).
Cumpre apreciar.
Não há dúvidas de que o crime de injúria agravada é um crime semi-público, pois que o procedimento criminal quanto ao mesmo depende de queixa ou participação (cfr. arts. 181.º, n.º 1, 184.º e 188.º, n.º 1, alínea a), do C. Penal).
A legitimidade para apresentar queixa pertence ao “ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” (n.º 1 do art. 113.º do mesmo Código).
O ofendido, para poder apresentar queixa, dispõe do prazo de seis meses “a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores”, sob pena de tal direito se extinguir (art. 115.º, n.º 1, do C. Penal).
Relativamente a este tipo de crimes a lei estabelece, pois, uma condição objetiva para que o Ministério Público possa promover o processo penal, a qual consiste na apresentação de queixa ou participação pelo ofendido, em face do disposto nos artigos 48.º e 49.º do CPP.[1]
Contudo, a formulação de queixa para que o Ministério Público possa promover o processo tanto pode ocorrer perante essa autoridade judiciária como perante um órgão de policia criminal (n.º 2 do art. 49.º do CPP), sendo que a mesma (queixa) não está sujeita a qualquer regime especial ou fórmula sacramental, para tal bastando a manifestação de vontade do ofendido de onde resulte que o mesmo quer proceder criminalmente contra o autor ou autores dos factos ilícitos, pois que para o Ministério Público promover o processo a lei apenas exige que o ofendido lhe dê “conhecimento do facto” (n.º 1 do mesmo art. 49.º).
Trata-se, pois, de uma exceção ao princípio da oficialidade.
Mas, como é mencionado na decisão recorrida e também admitido pelo recorrente, não se impondo qualquer formalidade especial para a denúncia (cfr. n.º 1 do art. 246.º do CPP), a manifestação de vontade de queixa ou de participação quanto aos factos integradores do ilícito de natureza semipública (ou particular) tem ser inequívoca, ou seja, tem de resultar claro que o ofendido pretende que o Ministério proceda criminalmente contra o(s) seu(s) autor(es).
Como refere Jorge de Figueiredo Dias, a “queixa é o requerimento (…)...
CONFERÊNCIA DE 18-05-2022
I
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:Nos presentes autos de Instrução n.º 218/20.0GCSTS, do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos - Juiz 2, foi proferida, em 25-01-2022, decisão instrutória, a qual declarou nula a acusação pública, na parte em que imputou ao arguido AA a prática de dois crimes de injúrias agravadas, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, e não pronunciou o mesmo arguido pelo imputado crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, determinando o oportuno arquivamento dos autos (ref.ª 432435133, de 25-01-2022).
*
Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, tendo apresentado a respetiva motivação e formulado as seguintes conclusões: (…)*
Admitido tal recurso, respondeu ao mesmo o arguido AA, tendo apresentado a respectiva argumentação, na qual, em síntese, rebateu os argumentos apresentados pelo recorrente, concluindo que deverá ser negado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo manifestamente improcedente (ref.ª 313895868, de 06-04-2022).*
Remetidos os autos a esta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, transcrevendo as conclusões do recurso e dizendo que relativamente ao crime de natureza semipública se afigura pertinente a análise da participação apresentada pelos elementos do Órgão de Polícia Criminal, bem como dos depoimentos prestados pelos mesmos no inquérito, além de, relativamente às questões da não pronúncia pelo crime de desobediência, transcrever extenso excerto de um acórdão desta Relação, concluiu que o recurso se encontra sustentado de facto e de direito, dizendo merecer apreciação deste Tribunal e apor o competente visto (ref.ª 15676445, de 26-04-2022).*
A Tal parecer respondeu o arguido AA, sustentando, em síntese, que o aí referido carece de fundamentação legal e factual, além de que o acórdão transcrito não é subsumível aos factos sub judice, pugnando pela manutenção do despacho de não pronúncia e pela improcedência do recurso (ref.ª 338803,de 06-05-2022).*
Efetuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos, para decisão em conferência.II
A motivação apresentada, sintetizada nas respectivas conclusões, delimita o objeto do recurso (arts. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995). Assim, não se descortinando quaisquer vícios de conhecimento oficioso, as questões a apreciar são as seguintes:a) Legitimidade do Ministério Público para acusar pelos crimes de injúrias agravadas (conclusões I, II-A), III-A) e IV).
Resulta dos autos que o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA pela prática, além do mais, de dois crimes de injúrias agravadas, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, tendo como alegados ofendidos os Guardas da GNR BB e CC (fls. 126 a 129).
O arguido requereu a abertura da instrução, no final da qual foi proferida a decisão instrutória agora sob recurso, onde se considerou, no que aqui releva, que não existe queixa ou participação dos ditos ofendidos quanto a tais crimes, decidindo-se declarar nula a acusação nessa parte e determinar-se o oportuno arquivamento dos autos (ref.ª 432435133, de 25-01-2022).
Cumpre apreciar.
Não há dúvidas de que o crime de injúria agravada é um crime semi-público, pois que o procedimento criminal quanto ao mesmo depende de queixa ou participação (cfr. arts. 181.º, n.º 1, 184.º e 188.º, n.º 1, alínea a), do C. Penal).
A legitimidade para apresentar queixa pertence ao “ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” (n.º 1 do art. 113.º do mesmo Código).
O ofendido, para poder apresentar queixa, dispõe do prazo de seis meses “a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores”, sob pena de tal direito se extinguir (art. 115.º, n.º 1, do C. Penal).
Relativamente a este tipo de crimes a lei estabelece, pois, uma condição objetiva para que o Ministério Público possa promover o processo penal, a qual consiste na apresentação de queixa ou participação pelo ofendido, em face do disposto nos artigos 48.º e 49.º do CPP.[1]
Contudo, a formulação de queixa para que o Ministério Público possa promover o processo tanto pode ocorrer perante essa autoridade judiciária como perante um órgão de policia criminal (n.º 2 do art. 49.º do CPP), sendo que a mesma (queixa) não está sujeita a qualquer regime especial ou fórmula sacramental, para tal bastando a manifestação de vontade do ofendido de onde resulte que o mesmo quer proceder criminalmente contra o autor ou autores dos factos ilícitos, pois que para o Ministério Público promover o processo a lei apenas exige que o ofendido lhe dê “conhecimento do facto” (n.º 1 do mesmo art. 49.º).
Trata-se, pois, de uma exceção ao princípio da oficialidade.
Mas, como é mencionado na decisão recorrida e também admitido pelo recorrente, não se impondo qualquer formalidade especial para a denúncia (cfr. n.º 1 do art. 246.º do CPP), a manifestação de vontade de queixa ou de participação quanto aos factos integradores do ilícito de natureza semipública (ou particular) tem ser inequívoca, ou seja, tem de resultar claro que o ofendido pretende que o Ministério proceda criminalmente contra o(s) seu(s) autor(es).
Como refere Jorge de Figueiredo Dias, a “queixa é o requerimento (…)...
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