Acórdão nº 2160/22.0T8SNT-H.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-04-2023

Data de Julgamento11 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão2160/22.0T8SNT-H.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
B… e seu marido, D…, apresentaram-se à insolvência, tendo, por sentença proferida em 08/02/2022 e transitada em julgado, sido declarados insolventes.
Indicaram na petição inicial que residem na Rua Impasse …, morada onde foi fixada residência aos mesmos na referida sentença.
Tal imóvel foi apreendido para a massa insolvente.
Em 02/12/2022 foi proferido despacho determinando a notificação dos insolventes para, “no prazo máximo de 60 dias, improrrogável, entregarem ao administrador de insolvência o imóvel correspondente ao Prédio Urbano - Fracção autónoma “AT” - Habitação no … andar D, sito em Impasse …, na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, sob o n.º .. – AT, correspondente à Verba n.º 1 do auto de apreensão”.
Inconformados com tal decisão, os devedores interpuseram recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª: A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril determinou a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, tendo entrado em vigor no dia 6 de Abril de 2021 (Artigo 7.º), sendo que, ao mesmo tempo em que revoga os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção “actual”, vem designadamente e também aditar à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, o artigo 6.º-E, cujo n.º 7, alínea a) determina a suspensão, ope legis, de todos “os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
2.ª: Efectivamente, cotejando a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril com a Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, vemos que, apesar de revogar a primeira o Artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março - com a redacção introduzida pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro -, vem porém e no essencial manter [agora no art.º Artigo 6.º-E, nº 7, alínea b)] a SUSPENSÃO já anteriormente decretada pelo nº 11 do Artº 6-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março - com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro -, de todos “os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
3.ª: Tendo presente o conteúdo dos dois normativos acabados de transcrever [o 6-E, nº 7, alínea b), e o revogado n.º 11 do Artº 6-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março], temos assim que o “nó górdio” da questão da presente Apelação tem a ver com o facto do Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” ter entendido, erradamente, que a alínea b), do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, se encontra revogado pelo Decreto-Lei 66-A/2022,de 30 de Setembro, que determinou a cessação de vigência de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, e que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2022 e o qual “ Considera revogados diversos decretos-leis aprovados no âmbito da pandemia da doença COVID -19, determinando expressamente que os mesmos não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pelo presente decreto -lei ”.
4.ª: Porém, o art.º 6.º-E, nº 7, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, não foi visado ou atingido pelo Decreto-Lei 66-A/2022, de 30 de Setembro.
5.ª: Sendo certo que refere o n.º 7, do art.º 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que “Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo”, a verdade é que o período de vigência do regime excecional e transitório visado é o que indica o n.º 1. do mesmo art.º 6.º-E, a saber, aquele em que permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
6.ª: Ora, nada permite concluir que a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, deixou já de existir.
7.ª: Na realidade, tudo obriga a considerar que continuamos ainda hoje a viver em estado de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica, ainda que, é verdade, já não em período de estado de emergência - a qual se iniciou em Portugal ao abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, tendo sido objecto de diversas renovações, v.g. operadas pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de Abril, pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de Abril e pelo Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de Abril, mas já cessado - , de calamidade - estado que foi decretado pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, aprovada ao abrigo do artigo 19.º da Lei de Bases da Protecção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, prorrogada por diversas vezes também, mas já cessado - , ou sequer de alerta - estado v.g. decretado e regulamentado através de Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 30 de Agosto e para vigorar até às 23:59 h do dia 30 de Setembro de 2022.
8.ª: Em suma e no que verdadeiramente interessa, nada permite concluir, como o fez o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” que a alínea b), do nº 7, do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, não se encontra já em vigor.
9.ª: Ademais, e ao contrário do que afirma o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, não consubstancia uma lei temporária, que é limitada a um determinado período de vigência, ou porque o tempo seja nela prefixado ou se circunscreva a duração de certo acontecimento previamente identificado, mas sim a uma lei de emergência, porque prima facie destinada a vigorar enquanto se mantiverem as circunstâncias extraordinárias ou excepcionais e de interesse público que determinou a sua aprovação, circunstâncias de resto de duração indefinida, mais ou menos longa, as quais não deixaram já e em absoluto de existir, de todo.
10.ª: O art.º 6.º-E, n.º 7, alínea b), determina que no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório se encontram suspensos “Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
11.ª: O imóvel dos autos constitui a casa de morada de família dos ora Recorrentes, não dispondo estes de qualquer outra habitação, tal como já resulta provado no autos.
12.ª: O art.º 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que é ope legis, não foi revogado pelo Decreto-Lei 66-A/2022, de 30 de Setembro, mantendo-se em vigor, o que deverá suceder enquanto permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
13.ª: O Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente a alínea b), do n.º 7, do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, e ainda o Decreto-Lei 66-A/2022, de 30 de Setembro.
Terminou peticionando que seja revogada a decisão recorrida na parte que decidiu a entrega do imóvel no prazo de 60 dias, ordenando-se, em consequência, a suspensão da entrega efectiva do imóvel dos autos por o mesmo constituir a casa de morada de família dos Recorrentes, até que o art.º 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, seja efectivamente revogado.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Mmº Juíz a quo proferiu despacho admitindo o recurso, o qual é admissível e foi recebido na forma e efeitos devidos.
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Foi proferida decisão singular pela relatora, tendo decidido pela procedência da apelação e, consequentemente, revogado a decisão recorrida, que se substituiu por outra, de suspensão da entrega da fracção apreendida nos autos enquanto vigorar o disposto no artigo 6º-E, nº7, al. b), da Lei nº 1-A/2020, de 19/3, aditado pela Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril.
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Não conformado com a decisão da relatora, veio o credor hipotecário Banco C…, SA, requerer a realização de conferência, invocando, em síntese, que a caducidade da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, resulta evidenciada da cessação das situações de vigência do estado de emergência, do estado de calamidade e, por fim, do estado de alerta. Diz que inexiste fundamento para que se considere estar em vigor uma norma com origem no estado de emergência, ainda que não tenha sido formalmente revogada pelo órgão a quem compete, i.e. Assembleia da República, quando toda a demais legislação proveniente do órgão executivo foi já revogada.
Sustentou que, a defender-se o entendimento que resulta da decisão singular proferida pela relatora, estão a ser violados os princípios de proporcionalidade e de acesso ao direito e do direito à propriedade privada constitucionalmente previstos nos artigos 18/2, 19/1, 20/1, 4 e 5 e 62.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que sempre resultará a inconstitucionalidade da Lei 1-A/2020.
Concluiu que a reclamação deve ser submetida à conferência e consequentemente ser proferido Acórdão que julgue improcedente o recurso e confirme a decisão de primeira instância.
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Os recorrentes apresentaram resposta, sustentando que o Acórdão a ser proferido deve declarar totalmente improcedente a reclamação deduzida pelo recorrido, acompanhando o entendimento sufragado na decisão singular e que a alegada inconstitucionalidade da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, não tem qualquer sustentação legal.
Requereram a junção de um documento – relatório do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge relativo à Evolução dos números de casos de Covid em Portugal à data de 15/02/2023.
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Posteriormente, através de requerimento de 06/03/2023, vieram apresentar um outro
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