Acórdão nº 216/10.1TAVNO.E1.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 24-06-2015

Data de Julgamento24 Junho 2015
Número Acordão216/10.1TAVNO.E1.C1
Ano2015
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum com intervenção do tribunal singular 216/10.1TAVNO da Comarca de Leiria, Instância Local de Ourém, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento com documentação da prova oral, foi proferida sentença em 10 de Abril de 2014 com o seguinte dispositivo:

Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, decide o Tribunal:

a) Absolver o arguido, A... , da prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal.

b) Absolver o arguido, A... , da prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal.

c) Condenar o arguido, B..., pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 900,00 (novecentos euros).

d) Condenar o arguido, B... , pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros).

e) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares determinadas em c. e d., condenar o arguido, B... , na pena única de 270 (duzentos e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1 620,00 (mil, seiscentos e vinte euros).

f) Condenar o arguido, C... , pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 900,00 (novecentos euros).

g) Condenar o arguido, C... , pela prática, como co-autor material, de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros).

h) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares determinadas em f. e g., condenar o arguido, C... , na pena única de 270 (duzentos e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1 620,00 (mil, seiscentos e vinte euros).

i) Condenar os arguidos B... e C... nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, (cf. artigos 513.º do Código do Processo Penal e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa ao mesmo), e nas demais custas do processo, nos termos do artigo 514.º do Código do Processo Penal.

Inconformado, recorreu o arguido B... , extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões:



Nos presentes autos, a Mº Juiz “a quo”, considerou o Arguido ora Recorrente, e o co-arguido C... , como autores, cada um deles, de um crime de abuso de confiança p. p. artº 205 nº 1 e, como autores materiais, cada um deles também, de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205 nº1 e 4 alínea a) por referência ao artº 202 a) todos do C. Penal, na pena de 270 dias de multa à taxa de 6 € dia.



Para tanto, considerou a Mº Juiz “a quo”, que os Arguidos, enquanto Administradores e Vogal da Administração da Sociedade M... SA, receberam da S. Social determinadas importâncias ao abrigo de um acordo celebrado entre ambas as entidades, e que permitiu que 6 dos seus trabalhadores ficassem submetidos ao regime de Lay-Off.



Tal regime iniciou-se em 01/06/2009 e terminou em 31/12/2009.



Que a Segurança Social remeteu “os seguintes pagamentos a titulo de compensação retributiva de Lay-Off:

- em 8/11/2009 – 3.886,20 €

- em 06/12/2009 – 6.662,70 €



Considerou ainda, que a entrega destas quantias se destinava ao pagamento da compensação devida aos trabalhadores nos meses de Novembro e Dezembro.



E que os Arguidos afetaram tais quantias a fins diferentes daquele a que se destinavam.



Na sua douta decisão, a Mº Juiz “a quo” fez apelo ao disposto nos artigos 298 e ss do C. Trabalho, considerando que, no regime de Lay-Off, os trabalhadores têm direito a receber uma compensação correspondente a 2/3 do salário líquido que auferiam, e contrariamente ao que decorre do citado Código,



Que esta compensação é paga em 70% pela Segurança Social e 30% pela Entidade Empregadora.



Considerou ainda que tais importâncias eram entregues pela Segurança Social à empresa para pagamento da quota parte de 70% da compensação devida aos trabalhadores pela Segurança Social, e


10º

Que, não tendo a sociedade pago na sua totalidade aos trabalhadores as compensações devidas nos meses de Novembro e Dezembro de 2009, cometeram, a Sociedade e os Arguidos seus legais representantes, os crimes de abuso de confiança pelos quais vinham acusados.


11º

Contudo, e contrariamente ao que veio a explanar em sede de fundamentação da sua douta decisão, a Mº Juiz veio a dar como provado nos factos 8 e 9, que a compensação devida pela empresa aos trabalhadores em Lay-Off (2/3 salário ilíquido) era remetida mensalmente pela Segurança Social à sociedade.

12º


Ora, dando como provado que a Segurança Social remetia mensalmente à Sociedade a compensação salarial devida por esta aos seus trabalhadores (2/3),


13º

Não podia, em sede de fundamentação da sua decisão, vir a considerar que a compensação devida pela Segurança Social era de 70% do montante devido pela empresa aos trabalhadores,


14º

Nesta medida, a decisão é nula por via de contradição insanável entre os factos provados e a sua fundamentação.


15º

Contudo, e apesar de constar da acusação e da contestação, e de constar também dos documentos juntos aos autos, a Mº Juiz, olvidou que a Segurança Social apenas fez entrega à Sociedade daquelas quantias por 4 vezes, e não mensalmente conforme deu como provado.


16º

A Segurança Social apenas remeteu à empresa as seguintes quantias, nas seguintes datas:

- a 1ª em 23/09/2009, no montante de 11.656,00 €

- a 2ª em 15/10/2009, no montante de 3.886,20 €

- a 3ª em 08/11/2009, no montante de 3.866,20 €

- a 4ª em 06/12/2009, no montante de 6.662,70 €


17º


Resultando da análise deste facto incontroverso e contrariamente ao decidido que a Segurança Social não remetia mensalmente à Sociedade os 2/3 da compensação devida aos trabalhadores,


18º

Nem sequer os 70% destes 2/3 que de acordo com o invocado artº 305 nº1 a) e 5 do Código do Trabalho, são por si devidos à Entidade Empregadora ao abrigo do regime do Lay-Off.


19º

Contudo, na modesta opinião do Recorrente, e decorrente do regime jurídico que regula o Instituto do Lay-Off, os Arguidos não cometeram os crimes de que vêm acusados.

20º

No regime de Lay-Off, a obrigação de pagar aos trabalhadores a compensação devida (2/3 do salário ilíquido) é uma obrigação exclusiva e própria da Entidade Empregadora, tal como a Lei o define.

21º

A Segurança Social, neste domínio, não assume com os trabalhadores qualquer obrigação, mormente a de lhes pagar 70% do valor desta compensação.

22º

Esta obrigação, é própria, originária e exclusiva da Entidade Empregadora.

23º

Apenas, a Segurança Social que estabelece com a Entidade Empregadora um acordo, ao abrigo do qual certos trabalhadores são colocados em regime de Lay-Off, assume perante a Entidade Empregadora, a obrigação de a compensar em 70% do valor devido por ela aos seus trabalhadores,

24º

Nesta contextualidade, as entregas feitas pela Segurança Social à Entidade Empregadora, são-no como correlativo do cumprimento de uma obrigação própria por si assumida, com a Entidade Empregadora, que é assim a única beneficiária e destinatária de tais entregas.

25º

Daí que, as entregas, não sejam mensais, nem coincidam com as datas do pagamento dos salários devidos aos trabalhadores.

26º

Aliás, como o refere a Mº Juiz na sua douta decisão, e de acordo com o disposto no artº 303 nº 2 e 3 do C. Trabalho, no caso de violação do disposto neste normativo, a Entidade Empregadora fica obrigada a devolver à Segurança Social as importâncias recebidas, e

27º

Se o não fizer, incorre na prática de uma contra-ordenação grave.

28º

Ora, no caso dos autos, e quanto mais não seja por via de uma interpretação analógica, o incumprimento das obrigações assumidas pela Entidade Empregadora perante os seus trabalhadores, gerará a obrigação de devolver à Segurança Social os apoios recebidos, e

29º

Caso não o faça, incorrerá na prática de uma contra-ordenação grave,

30º

Em caso algum, se comina para o incumprimento, a prática de qualquer crime.

31º

E, no nosso direito criminal, vigora o princípio da legalidade, nenhuma conduta pode constituir crime, se assim não for considerado por Lei anterior.

32º

Assim, contrariamente ao que veio a considerar a Mº Juiz a quo”, a sociedade recebeu e apropriou-se das importâncias que lhe foram remetidas pela Segurança Social, de forma legitima e,

33º

Por titulo translativo da propriedade, isto é, não recebeu tais importâncias a título precário como mera detentora e com a obrigação de as afectar a um fim especifico,

34º

Antes, recebeu tais importâncias como correlativo de um direito próprio que contratualizou com a Segurança Social e,

35º

Por parte desta no cumprimento de uma obrigação própria.

36º

No regime do Lay-Off a Segurança Social, não assume qualquer obrigação perante os trabalhadores que sejam colocados nesse regime, e

37º

A Segurança Social também não cometeu à Entidade Empregadora a obrigação e a tarefa de satisfazer aos trabalhadores qualquer
...

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