Acórdão nº 2157/23.3PLSNT-A.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 27-06-2024

Data de Julgamento27 Junho 2024
Número Acordão2157/23.3PLSNT-A.L1-9
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 9º secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
No âmbito do processo de inquérito nº 2157/23.3PLSNT, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido, realizado a 02.02.2024, foi aplicada ao arguido ora recorrente AA, devidamente identificados nos autos, para além do TIR, a medida de coacção de prisão preventiva, por se entender existirem fortes indícios da prática por este, em coautoria com outro arguido, de dois crimes de roubo agravado, p.p. pelo artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal (doravante CP) e bem assim por se verificar em concreto o perigo de continuação da actividade criminosa (artigo 204º, al. c) do Código de Processo Penal, doravante CPP).
Inconformado com a decisão, o identificado arguido AA interpôs recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“O arguido AA é um jovem adulto com 18 (dezoito) anos de idade.
Dos autos não consta qualquer condenação ou antecedentes criminais.
Não se vislumbra em que medida a sujeição deste jovem à obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica possa, por um lado, causar forte perigo de insegurança para a tranquilidade e ordem pública e, por outro lado, que tal medida não seja adequada nem eficaz para prevenir o perigo de fuga.
Se o arguido ficar em casa, electronicamente vigiado, está afastado o perigo de fuga.
A permanência na habitação tem ainda o efeito positivo de poupar este jovem arguido ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período preventivo, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador versus a dessocialização inevitavelmente devido ao efeito criminógeno – que, pode ser, será, desfavorável ao fim da ressocialização da pena.
Pelo que, no caso concreto, a prisão preventiva é desnecessária, desadequada e desproporcional.
A requerida obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica, nos termos e para os efeitos do artigo 201º do CPP, satisfaz perfeitamente as exigências cautelares que o caso requer.
Pelo que é obrigatório mandar elaborar esta informação sempre que o arguido solicitar que a mesma seja realizada, sendo forçoso dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 7º da Lei n.º 33/2010.
A realização deste elemento pelos serviços de reinserção social enquadra-se na economia processual.
Encontra-se estabelecida uma gramática processual, que corresponde a um conjunto de regras sobre o andamento dos processos judiciais, não se devendo aqui confundir aquele vocábulo no sentido de normas sobre o uso da linguagem. Está em causa a tramitação processual legalmente consagrada ou, segundo léxico diferente, economia processual vigente. Na economia adjectiva, o primeiro vocábulo da expressão não deve aqui ser entendido na acepção de moderar gastos, reduzir actividades ou quantia amealhada graças ao corte nas despesas.
Assume o significado normativo que regula o funcionamento de uma dinâmica, neste caso a dos autos judiciais que correm seus termos nos tribunais. Por vezes é utilizada palavra diversa, na expressão gestão processual. Numa acepção que se afigura imprópria, nalgumas ocasiões, a expressão economia processual surge associada à aludida redução de actividades, à celeridade ou á simplificação.
Neste quadro, a Assembleia da República aprovou democraticamente um regime que prevê uma certa tramitação, que tem de ser escrupulosamente cumprida pelos tribunais.
De acordo com aquele regime, cronologicamente seguem-se os actos por esta ordem: a. Requerimento formulado pelo arguido (n.º 1 do artigo 7º); b. Prévia informação elaborada pelos serviços de reinserção social (n.º 2 do artigo 7º); c. Audição do Ministério Público (n.º 3 do artigo 7º); d. Audição do arguido, que se pronunciará após ser notificado do teor daquela informação (n.º 3 do artigo 7º); e. Decisão por “despacho do juiz” (n.º 1 do artigo 7º).
O juiz é um titular de órgão de soberania. Estatui com independência, imparcialmente e no exercício de um poder que apenas a ele lhe compete. Fá-lo sujeitando-se à lei, sem enjeitar os contributos interdisciplinares que permitem apurar qual a situação dos arguidos sem se alhear da realidade que ainda não conhece e que lhe será transmitida pelos serviços de reinserção social, à qual incumbe uma missão a cumprir no domínio judiciário, respeitando a tendência actual de o juiz conhecer o mundo que vai para além dos processos e dos códigos, não se abstraindo da vivência concreta experienciada no terreno e cujos elementos são trazidos por especialistas de diferentes áreas do saber, o que tem encontrado consagração na lei substantiva e adjectiva.
Se não estiverem arredados os alegados perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa encontram-se, pelo menos, significativamente mitigados.
A obrigação de permanência na habitação, consagrada no artigo 201º do CPP, é medida privativa da liberdade que satisfaz as exigências de necessidade cautelar (n.º 1 do artigo 191º do CPP) de forma adequada e respeitando o princípio da proporcionalidade, sendo desnecessária a sujeição a medida mais gravosa (artigo 193º do CPP).
Como local para a execução da medida, o arguido indica até três moradas alternativas.
Termos em que requer que o presente recurso ser declarado procedente, revogando-se o douto despacho que aplicou a medida de coacção prisão preventiva pela medida de Obrigação de Permanência na Habitação no pressuposto de que seja possível a vigilância electrónica, o que se determina, medida necessária e suficiente ao caso artigos 191º, 193º e 201º do CPP, e que V. Ex.ºas se dignem solicitar prévia informação aos serviços de reinserção social, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 7º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, tendo em vista a aplicação da medida de coacção prevista no n.º 1 desse preceito.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso ser declarado procedente, revogando-se o douto despacho que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação, o que se determina, medida necessária e suficiente ao caso artigos 191º, 193º 201º do CPP, pois só assim se fará serena, sã e objectiva Justiça.” (fim de transcrição)
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Foi o recurso admitido por despacho de 24.05.2024 (ref.ª Citius n.º 151217253), fixando-se a sua subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, mais se determinando o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 414º do CPP.
O Ministério Público apresentou Resposta, pugnando pela manutenção do despacho colocado em crise, porquanto, atendendo aos meios de prova coligidos nos autos resultam fortes indícios do cometimento pelos arguidos de factos integradores de dois crimes de roubo agravado, sendo concretos e prementes os perigos de perturbação da ordem e tranquilidade pública e o perigo de continuação da actividade criminosa, em razão da natureza e das circunstâncias do crime da personalidade do arguido. Sublinha ainda que não é possível afirmar que o ambiente familiar do recorrente exercerá sobre o mesmo um efeito suficientemente contentor no sentido de o afastar da prática criminosa. Ademais o recorrente não trabalha, sendo que a actividade ilícita fortemente indiciada nos autos lhe permitirá a obtenção de quantias monetárias e objetos de valor de modo rápido e fácil. Por tudo, a prisão preventiva é a única medida que se mostra capaz de assegurar as necessidades de natureza cautelar que no caso se fazem sentir, revelando-se proporcional, necessária e adequada ao caso concreto. A medida de coacção pugnada mostra-se inadequada para a satisfação das necessidades cautelares que se verificam, já que teria de ser executada em meio familiar que não se apresenta minimamente contentor em face do concreto comportamento do recorrente.
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado Parecer, aderindo à argumentação explanada em 1ª instância pelo Ministério Público, merecendo o despacho recorrido confirmação.
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Cumprido o preceituado no n.º 2 do artigo 417º do CPP, veio o arguido reafirmar o que já havia apresentado em sede de Motivações e Conclusões de recurso.
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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Nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Teor da decisão recorrida
É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que importa para as questões a decidir (transcrição):
“Os arguidos BB e AA foram detidos a coberto de mandados de detenção fora de flagrante delito, emitidos pela autoridade judiciária com respeito pelas formalidades legais. A sua apresentação em juízo observou os prazos legais.
Observadas as formalidades legais julga-se válida a detenção e tempestiva a apresentação dos arguidos em juízo (artigo 254, n.º 1, al. a) e 257º, n.º 1 do CPP).
Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos dos factos narrados no despacho de apresentação cujo teor, por razões de economia e celeridade processual aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
A convicção do tribunal fundamenta-se no depoimento dos ofendidos e no relato que fazem quanto à dinâmica dos elementos de prova relacionados pelo Ministério Público, mormente o aditamento n.º 6, com o relato da abordagem do arguido BB pouco tempo decorrido da prática dos factos na posse do telemóvel Samsung de um dos ofendidos, imagens do estabelecimento onde venderam um dos telemóveis e a prova por reconhecimento.
Os arguidos confessaram os factos, confissão que pouco relevo tem perante a prova inequívoca da sua participação nos mesmos.
Mais se indicia:
O arguido AA reside com a sua mãe em ..., mas desloca-se regularmente ao ... e ... onde residem
...

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