Acórdão nº 2156/17.4T8STR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-12-2020

Data de Julgamento17 Dezembro 2020
Case OutcomeNEGAR A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2156/17.4T8STR.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Processo nº2156/17.4T8STR.E1.S1

Acórdão




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA. instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Sociedade Lusitana ……, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização no montante de €127 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa em vigor, até integral e efetivo pagamento.

O Autor alega, em síntese, que.

- foi nomeado vogal do Conselho de Administração para o triénio…, na assembleia geral de Ré de 7 de fevereiro de 2017;

- foi destituído, sem justa causa, na assembleia geral de 17 de maio de 2017;

- a remuneração base fixa para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de €3 640,00, quantia que deixou de receber a partir de junho de 2017, sendo-lhe devida as quantias corresponde a todas as remunerações até ao termo do mandato.

2. Citada, a Ré veio contestar, concluindo pela improcedência da ação, alegando que a destituição do Autor ocorreu com justa causa e que o Autor não sofreu os prejuízos que alega.

3. Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.

4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.

5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……….

6. O Tribunal da Relação …… veio a “julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida”.

7. Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª Veio o Tribunal da Relação …….. por meio do Acórdão a fls… dos autos julgar procedente, por provada, a destituição sem justa causa do Recorrente do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, nos termos alegados pelo primeiro, vindo, todavia, numa decisão inédita e surpresa, a julgar a ação improcedente com fundamento na ausência de alegação e prova dos danos sofridos pelo Recorrente, sob a forma de lucros cessantes, na perspetiva da (ausência de) atividade remunerada exercida, conforme se passa a expor: “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.

2.ª Termos em que, o objeto do presente recurso, ao abrigo do artigo 674.º n.º 1 a) e c) do Código de Processo Civil, restringe-se à prova dos danos alegados pelo aqui Recorrente, ou, de outra forma, à suficiência da sua alegação e prova, único requisito de que depende a procedência da ação, conforme sustentado pelo Tribunal ad quem, ou Tribunal da Relação ……, no Acórdão ora em crise.

3.ª Entende o Recorrente, sempre com todo o respeito e consideração, de que padece o mesmo Acórdão de manifesta nulidade, por excesso de pronúncia, ao conhecer de matéria da qual não podia ter tomado conhecimento, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 d), aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil, bem como de erro na aplicação do Direito, com fundamento na errada interpretação da norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais e na violação do principio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da colaboração entre os sujeitos processuais, consagrados, entre outros, no artigo 413.º do Código de Processo Civil.

4.ª Sem prejuízo do manifesto erro na aplicação do Direito de que padece o Acórdão em crise, o qual redunda na ilegalidade da decisão contida no mesmo, no que concerne à improcedência dos danos alegados pelo Recorrente, conforme se explanará melhor infra, entende este último que, previamente ao vício vindo de referir, padece o Acórdão em crise de manifesta nulidade, ao conhecer, na presente fase processual, da pretensa insuficiência da matéria de facto alegada à prova dos danos por si sofridos;

5.ª Concretizando, no que concerne à nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1 do mesmo diploma, sempre se diga que, a decisão surpresa contida no Acórdão ora em crise, inédita nos presentes autos, é nula na parte em que conclui pela ausência de alegação e prova dos danos incorridos pelo Recorrente, em nexo de causalidade com a destituição do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, tendo em conta a pretensa insuficiência da matéria de facto alegada aos autos, nesse mesmo sentido, em sede de Petição Inicial, quando ao invés, e segundo o Acórdão em crise, impendia sobre o mesmo a alegação e prova dos lucros cessantes incorridos sob a perspetiva, agora conhecida, de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.

6.ª A (alegada) insuficiência da matéria de facto carreada aos autos, pelo Recorrente, no que à prova dos danos concerne, não foi objeto de qualquer convite ao aperfeiçoamento dirigido a este último, na fase de saneamento do processo, conforme impõe o artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil.

7.ª Do mesmo modo que, nenhuma apreciação relativa ao mérito dos danos alegados pelo Recorrente foi feita em sede de sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo certo que, a matéria alegada nesse mesmo sentido, pelo Recorrente, sob os artigos 98.º a 100.º da Petição Inicial foi dada por integralmente provada, sob os artigos 29.º e 30.º do elenco dos Factos Provados.

8.ª A omissão do referido dever, contido no artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil, é causa da nulidade da decisão que decida pela improcedência da ação, com fundamento na imprecisão da alegação da matéria de facto, quando não precedida de qualquer convite ao aperfeiçoamento – como é o caso dos autos - o que redunda na impossibilidade de conhecimento, pelo Tribunal da Relação ……., no Acórdão ora em crise, da invocada insuficiência da matéria de facto, no que concerne à sua alegação e prova, erigida a fundamento da improcedência da ação, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1, do mesmo diploma.

9.ª Do mesmo modo que, a decisão surpresa vinda de referir, ora inquinada de nulidade, é violadora dos princípios da justa composição do litígio e da colaboração entre os sujeitos processuais, previstos, respetivamente, nos artigos 6.º n.º 1, 7.º n.º 1 e 411.º, todos do Código de Processo Civil.

10.ª Mais se diga que, a decisão ora em análise, cuja matéria não podia o Tribunal da Relação conhecer, encontra-se, ainda, inquinada por erro na aplicação ou interpretação do Direito, por referência à norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, que consagra um regime especial no que concerne à alegação e prova dos danos decorrentes da destituição sem justa causa do cargo de Administrador de Sociedade Anónima, como é o caso dos autos, não sendo aplicável, conforme pretendido pelo Tribunal da Relação ……, as regras gerais da responsabilidade civil, entre as quais se contam o Artigo 566.º n.º 2 do Código Civil, que consagra a Teoria da Diferença, a qual, contrariamente à disposição específica contida no Código das Sociedades Comerciais, impõe a alegação e prova da situação anterior e posterior ao facto ilícito.

11.ª Termos em que, a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação ……, no Acórdão em crise, segundo a qual a indemnização a arbitrar ao Administrador destituído, sem justa causa, nos termos do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, exige a alegação e prova da ausência de prática de atividade profissional remunerada, no período pós-destituição, a cargo do aqui Recorrente ou Administrador destituído, viola as regras basilares da interpretação jurídicas, contidas no artigo 9.º do Código Civil, não encontrando sustentação material bastante na Letra da Lei.

12.ª Deste modo, nada na letra da Lei contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, permite sufragar o entendimento vindo de referir, sustentado no Acórdão em crise, através do qual se onera o aqui Recorrente com o ónus da prova dos factos impeditivos do direito à indemnização peticionada, como sejam a ausência de exercício de atividade remunerada, o qual, bem está de ver, deverá ser imputado à Sociedade Recorrida, conforme impõe o artigo 343.º n.º 2 do Código Civil, violando, igualmente por esta via, o Acórdão em crise, a disposição legal última, vinda de referir.

13.ª Ainda neste concreto ponto de análise, mais se diga que, na senda da jurisprudência relevante na matéria, temos que, a disposição especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais consagra uma presunção natural em benefício do Administrador destituído no sentido da existência de dano decorrente da perda de remuneração, consequência da destituição sem justa causa do cargo de Administrador, interpretação essa que deverá ser aplicada ao caso dos autos, concluindo-se pelo preenchimento do ónus de alegação e prova, a cargo do aqui Recorrente, e pelo erro na interpretação do direito, incorrido no Acórdão em crise, por referência à norma contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais.

14.ª Mal andando o Tribunal da Relação …… ao decidir como decidiu, à revelia dos artigos 9.º e 342.º n.º 1 do Código Civil e artigo 403.º n.º 5 da Código das Sociedades Comerciais.

15.ª Por último, e sem prescindir, ainda que se sufrague o entendimento constante do Acórdão em crise, no sentido de que o artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais exige a alegação e prova da ausência de atividade remunerada exercida pelo Recorrente, no período posterior à destituição, o que se alega por mero dever de cautela e patrocínio e sem conceder, sempre se diga que os autos contêm matéria de facto bastante, nesse mesmo sentido, a qual foi oportunamente alegada e decidida, conforme se alcança do elenco dos Factos Não Provados,...

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