Acórdão nº 215/16.0T8SEI.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 23-06-2020

Data de Julgamento23 Junho 2020
Número Acordão215/16.0T8SEI.C1
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



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I – Relatório

A herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…), representada por A (…), viúva daquele, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F (…), representada por A (…), R (…), O (…) e A (…) também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da contraparte a:

a) Reconhecer que o prédio que identifica [em 2) da petição inicial (p. i.)] faz parte, sendo propriedade, da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito daquele J (…);

b) Reconhecer que a parede existente no seu prédio, melhor identificada em 10) e 11) da p. i., apenas foi edificada para causar danos no prédio da A., não tendo qualquer utilidade;

c) Reconhecer que tal parede provocou e provoca danos no prédio da A., mais concretamente os danos identificados em 20) da p. i., cuja reparação ascende ao valor de € 6.000,00, acrescido de IVA, a que acrescem ainda os danos exteriores, cujo valor de reparação não é ainda possível determinar;

d) Reconhecer que esta situação provoca desconforto, preocupação, angústia, nervosismo e ansiedade na A., causando dano moral que não pode ser computado em valor inferior a € 2.500,00;

e) Reconhecer que a parede, tal como se encontra, oferece perigo para a segurança de pessoas e bens, quer da A., quer de terceiros, e continuará a originar infiltrações e humidades no prédio da A.;

f) Pagar à A. a quantia global de € 8.500,00, acrescida de IVA sobre o valor de € 6.000,00 [sendo € 6.000,00 acrescido de IVA o valor necessário para a reparação dos danos materiais interiores elencados em 20), causados pela parede, e € 2.500,00 a título de danos morais sofridos pela demandante];

g) Pagar o valor necessário à reparação do exterior da parede nascente da casa da A., valor esse a determinar em execução de sentença.

h) Demolir a parede identificada em 10) e 11) da petição.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- o prédio aludido, fazendo parte da mencionada herança, confina do seu lado nascente com um prédio urbano pertencente à herança por óbito de F (…), sendo que por este e esposa foi edificada na estrema uma parede em tijolo e cimento, que dista cerca de 2 a 5 cm da parede da casa da habitação da A., com intenção de importunar os seus vizinhos;

- tal parede provoca infiltração de águas pluviais na parede da casa da A., em consequência do que se verifica a existência de manchas de humidade e infiltrações na parede nascente interior desta casa de habitação, ascendendo o custo de reparação dos danos interiores a € 6.000,00, acrescidos de IVA, a que acresce ainda o arranjo exterior da parede;

- a parede edificada, além de impedir uma solução definitiva para as infiltrações e humidades, tem fraca sustentabilidade, correndo o risco de ruir, o que provoca preocupação, angústia, nervosismo e ansiedade, devendo tais danos morais ser indemnizados no montante de € 2.500,00.

Na contestação, a contraparte excecionou a ilegitimidade de F (…), indicado no formulário, mais invocando:

- terem o falecido S (…) e esposa alteado o muro delimitativo da sua propriedade do lado poente em virtude de J (…) e mulher terem rasgado na parede confinante uma janela com meio metro de largura e noventa centímetros de altura, cujo parapeito se encontra a 1,20 metros de altura, o que permitia o devassamento com vistas do prédio confinante;

- assim, o referido muro foi construído para evitar a devassa do prédio e servir de suporte a um alpendre/telheiro construído há cerca de 20 anos;

- inexiste nexo de causalidade entre as invocadas infiltrações pluviais e o muro contruído, litigando a A. de má-fé, ao alegar matéria de facto em desconformidade com a verdade, que bem conhece, devendo ser condenada em multa e em indemnização não inferior a € 2.500,00.

A requerimento da A., foi admitida a intervenção principal provocada de J (…), co-herdeiro de J (…).

Saneado o processo, julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, mediante o seguinte dispositivo:

«(…) condeno as rés A (…), R (…), O (…) e A (…), na qualidade de representantes da herança ilíquida e indivisa por óbito de F (…), a:

a) Reconhecerem que o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés do chão, 1º andar e sótão, com logradouro, sito ao “ x....”, ou Rua y...., nº 15, em z...., limite da União de Freguesias de k.... e z...., inscrito atualmente sob o artigo 983 Urbano daquela União de Freguesias e anteriormente inscrito sob o artigo urbano 719 da extinta freguesia de z...., descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial de q.... sob a descrição 1199/20101130 da freguesia de z...., faz parte e é propriedade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…)

b) A demolirem a parede descrita no ponto 8) da factualidade provada, até ao limite do muro divisório aí existente, com 1.20m de altura.

c) A pagarem à autora a quantia de 3.250,00€, a título de indemnização necessária para custear a reparação dos danos materiais interiores da casa de habitação referida em a).

d) A pagarem à autora a quantia de 1.000,00€, a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela mesma.

- Absolvo as rés do demais peticionado.

- Não condeno a autora como litigante de má-fé em multa e na indemnização peticionada pelas rés.».

De tal sentença veio a parte demandada interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

(…)

A parte recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela condenação das “recorrentes como litigantes de má fé, em multa e indemnização no montante de 5.000,00 € a favor da recorrida”.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([1]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe conhecer das seguintes questões ([3]):

a) Nulidade da sentença, por contradição, ambiguidade e obscuridade [art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.];

b) Abuso do direito (art.º 334.º do CCiv.);

c) Colisão de direitos (por ilegítimo sacrifício do direito da parte demandada, faltando a devida compatibilização/harmonização), tendo em conta os invocados princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art.º 335.º do CCiv.);

d) Violação do princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º, n.º 1, da CRPort.), bem como das normas dos art.ºs 2.º, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, e ainda do art.º 20.º, n.º 1, todos da Constituição, e do art.º 2.º do NCPCiv.;

e) Direito indemnizatório (a dever ser considerado inexistente);

f) Litigância de má-fé (quanto a ambas as partes).


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III – Fundamentação

A) Da nulidade da sentença

Invoca, desde logo, a parte recorrente o(s) vício(s) de contradição, ambiguidade e obscuridade, gerador(es) da nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv..

Ora, o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c), com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada, e não da sua conjugação com outras posições decisórias exaradas no processo, designadamente anteriores despachos.

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([4]).

Ora, nos moldes em que invocada em sede de conclusões de recurso, a dita contradição respeitará a uma oposição entre fundamentação de...

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