Acórdão nº 2142/13.3BELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-12-2021

Data de Julgamento16 Dezembro 2021
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2142/13.3BELSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

I - AA, magistrado do Min. Público, em situação de jubilado, intentou no Trib. Administrativo de ... uma ação administrativa comum, sob a forma ordinária,

contra o

ESTADO PORTUGUÊS,

pedindo que:

a) Se declare que foram violados os princípios do contraditório e do processo equitativo consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], pelo facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar, antes da deliberação punitiva, sobre o conteúdo do relatório final elaborado no processo disciplinar (posteriormente houve desistência deste “pedido”);

b) Se declare que a infração disciplinar pela qual o A. foi punido já se encontrava prescrita na data do acórdão do Trib. Constitucional de 12-7-11;

c) Se julguem inconstitucionais e ineficazes e se recuse a aplicação das normas dos arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, do Estatuto do Min. Público (EMP), entendidos no sentido de a aplicação da pena de inatividade ou de suspensão ter como consequência a perda do vencimento e suplementos durante o cumprimento da mesma (posteriormente houve desistência deste “pedido”);

d) Se condene o R. a pagar a quantia global de € 76.153,00, a título de danos patrimoniais, correspondente aos valores que deixou de receber como vencimentos, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, no período de cumprimento da pena que lhe foi aplicada, e o montante de € 13.500,00, a título de danos não patrimoniais;

e) Se condene ainda o R. a pagar juros moratórios sobre a quantia atinente aos danos patrimoniais, a contar das datas do vencimento de cada uma das verbas discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição, e sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais, a contar da data da citação.

Fundamentou a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por atuações/decisões dos Serviços do Ministério Público, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, no âmbito de um processo disciplinar que contra si foi instaurado e dos processos e recursos que interpôs contra deliberações do Conselho Superior do Ministério Público a tal respeito.

Alegou para o efeito que:

Exerceu funções como magistrado do Min. Público, tendo sido arguido no processo disciplinar nº 76/02 LRMP-16, em que lhe foi aplicada a medida de suspensão preventiva de exercício de funções pelo período de 180 dias, do qual o A. reclamou, tendo sido deliberado, por acórdão do Plenário do CSMP de 5-5-03, manter a medida cautelar.

Depois foi-lhe aplicada, sem que o A. tivesse oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo do relatório final (em que era proposta a aplicação da pena de demissão), por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, a pena de um ano de inatividade com impossibilidade de promoção nos dois anos seguintes ao cumprimento da mesma e perda do tempo correspondente quanto à remuneração, antiguidade e aposentação, deliberação confirmada pelo Plenário;

Na sequência, o A. instaurou no STA os seguintes processos:

- nº 885/03 - suspensão de eficácia do acórdão do Plenário do CSMP de 5-5-03, na parte atinente à medida de suspensão preventiva, a qual veio a ser indeferida por acórdão do STA de 16-7-03 [doc. G junto com a contestação], tendo este sido objeto de reclamação com arguição de nulidades pelo A., que foram desatendidas por acórdão de 30-9-03 (o A. interpôs ainda recurso destes dois acórdãos do STA para o Pleno da Secção, mas o relator não admitiu o recurso, por despacho de 4-11-03, tendo o A. apresentado reclamação, que foi indeferida por acórdão de 2-12-03, vindo ainda o A. a interpor recurso deste acórdão para o Trib. Constitucional);

- nº 1221/03 - recurso contencioso de anulação do referido ac. do Plenário do CSMP;

- nº 1273/04 - suspensão de eficácia da deliberação punitiva, a qual veio a ser deferida por acórdão do STA de 13-1-05 [doc. N junto com a contestação], e posteriormente revogada por acórdão do STA de 19-11-09 [cf. doc. O junto com a contestação]; deste acórdão do STA que revogou a suspensão da eficácia ainda foi interposto recurso para o Trib. Constitucional que aí foi rejeitado - doc. P junto com a contestação];

O CSMP deliberou que fosse executada a medida de suspensão preventiva, mas o A. reclamou dessa deliberação [doc. 5 junto com a PI], tendo estado suspenso de funções nos dias 15, 16, 17 e 18-12-03, por tal lhe ter sido ordenado telefonicamente pelo Sr. Procurador-Geral Distrital, tendo retomado o exercício de funções, na sequência de novo telefonema, vindo o STA, por acórdão de 14-5-05, a dar provimento ao pedido do A., decidindo que se mantinha a suspensão de eficácia do acórdão do CSMP que lhe aplicara a suspensão preventiva de funções, declarando ineficazes os atos de execução da mesma;

Os serviços do Min. Público da Procuradoria-Geral Distrital remeteram, por via postal simples, para uma morada onde o A. já não residia habitualmente, o ofício que lhe comunicava a suspensão do vencimento por aplicação da pena de inatividade com início a 1-1-10 [doc. 16 junto com a PI], vindo o carteiro, por lapso, a depositar o sobrescrito contendo o ofício no recetáculo de outra fração do prédio, só tendo o A. tomado conhecimento desse ofício em 7-3-10;

O A. instaurou ainda no STA ação administrativa especial (proc. nº 219/05) para impugnação da eficácia da decisão punitiva, reagindo contra o facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar no processo disciplinar antes do acórdão punitivo (pediu a anulação dos atos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 4-5-04, e no acórdão do Plenário desse mesmo Conselho, datado de 22-11-04, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar em que era arguido), mas a ação foi julgada improcedente, por acórdão da Subseção da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 22-2-06 [doc. Q junto com a contestação], do qual foi pelo A. interposto recurso para o Pleno que, por acórdão de 6-3-07 [doc. R junto com a Contestação], negou provimento ao mesmo;

O A. interpôs então recurso para o Trib. Constitucional (recurso nº 627/2007), que veio a decidir, no acórdão de 12-7-11 [cf. doc. U junto com a contestação], tal como antes o STA o fizera, que o art. 203º do EMP, que manda notificar o relatório com a notificação da decisão final, não violava o art. 32º, nº 1, da CRP;

Nem o CSMP, nem os tribunais apreciaram essa questão no confronto com os princípios do contraditório e do processo equitativo consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], como deviam ter feito, do que resultaria a desaplicação da referida norma estatutária, com a anulação do ato punitivo;

A 20-9-10, encontrando-se pendente no Trib. Constitucional o referido recurso nº 627/2007, o A. apresentou aí requerimento [doc. 17 junto com a PI] suscitando a questão da prescrição do procedimento disciplinar e, embora fosse de conhecimento oficioso, solicitou que os autos fossem remetidos, de imediato, ao STA para ser apreciada;

Como tal requerimento não foi apreciado pelo Trib. Constitucional, veio o A. a insistir, mediante requerimento de 21-4-11 [doc. 18 junto com a PI], em que refere que naquele outro (de 20-9-10) “suscitou, de novo, a questão da prescrição do procedimento disciplinar”; a Srª Cons. Relatora (no Trib. Constitucional) proferiu então, em 3-5-11, despacho [doc. 19 junto com a PI] referindo que “o pedido será apreciado oportunamente, dado que os autos se encontram no Trib. Constitucional, onde foram produzidas alegações …”, o que levou o A. a acreditar que o recurso não seria decidido sem que fosse apreciada, pelo tribunal competente (o STA), a questão da prescrição;

Como o acórdão do Trib. Constitucional, de 12-7-11, não se pronunciou sobre a prescrição, veio o A. arguir a nulidade do mesmo, por omissão de pronúncia, arguição que foi desatendida por acórdão de 12-10-11;

A 30-1-12, o A. veio requerer ao STA que fosse apreciada a questão da prescrição do procedimento disciplinar, tendo o Pleno da Secção do STA, por acórdão de 16-11-12, declarado que não podia conhecer da mesma, face ao trânsito em julgado do acórdão do TC;

Ao omitir a prática de atos adequados ao conhecimento pelo tribunal competente da questão da prescrição, o Trib. Constitucional cometeu um ato de denegação de justiça e violou os princípios do processo equitativo e da proteção da confiança consagrados nos arts. e 20º, da CRP, 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do PIDCP e 47º, nº 2, da CDFUE;

Se a prescrição do processo disciplinar tivesse sido declarada e o ato punitivo anulado seria reconstituída a situação existente do cumprimento da pena, sendo pagas ao A. as quantias que deixou de auferir, no período compreendido entre 24-4-10 a 24-4-11 (em que foi cumprida a pena aplicada), a título de vencimento, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição;

A privação desses proventos verificou-se porque, ao contrário das disposições estatutárias aplicáveis a outros agentes do Estado, os arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, ambos do EMP, impõem a perda do vencimento e de suplementos por parte do condenado com a pena de inatividade ou de suspensão, sendo tais artigos inconstitucionais;

O A. também teve danos não patrimoniais ocasionados pelos factos descritos.

Concluiu que o R. ficou constituído no dever de o indemnizar por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência da conduta ilícita e culposa dos seus agentes, nos termos dos arts. 70º, nº 1, e 496º, nº 1, do CC, 1º, nºs 1 a 3, 3º, 7º, nºs 1 e 3, 9º, nº 1, 10º, nºs 1 a 3, 12º, 13º, nº 1, e...

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