Acórdão nº 214/17.4T8SEI-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 24-10-2017
Data de Julgamento | 24 Outubro 2017 |
Número Acordão | 214/17.4T8SEI-B.C1 |
Ano | 2017 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
A... , solteira, maior, residente na (...) Coimbra, veio, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, requerer a declaração de insolvência de B... e mulher C..., casados segundo o regime de comunhão de bens adquiridos, residentes na (...) Seia.
Alega, para o devido efeito e em síntese, o seguinte:
- É credora dos Requeridos no valor de €5.000,00, sendo este apenas o valor do capital (a que acrescerá juros de mora até integral pagamento), resultando tal crédito de um mútuo verbal celebrado entre as partes em Julho de 2015, tendo a Requerente lhes emprestado o valor de €5.000,00 na referida data e não tendo os Requeridos procedido à sua devolução no prazo acordado e recusam-se a faze-lo, apesar de interpelados para o efeito;
- Para além da referida dívida, os Requeridos tem outras, nomeadamente junto de outros amigos da Requerente e de instituições bancárias;
- Aos Requeridos não é conhecida qualquer actividade profissional ou fonte de rendimentos, pelo que não conseguem gerar meios suficientes para solver, a curto ou médio prazo, o seu passivo;
- Os Requeridos encontram-se em situação económica difícil e sem previsão de melhorias, sendo certo que aqueles cessaram todos os pagamentos decorrentes das obrigações que assumiram, o que configura uma total incapacidade económica e patrimonial para cumprir as suas obrigações;
- Os Requeridos não têm património livre e desonerado, nem possuem rendimento ou meios próprios que permitam o pagamento do crédito da Requerente;
- Existem outros credores que se viram impossibilitados de receber os seus créditos;
- Os Requeridos foram já demandados em várias acções de execução, assim como em várias acções judiciais por motivo de incumprimento das obrigações pecuniárias (nomeadamente os três processos que elenca no artigo 57.º), tendo até em 26/05/2015 já chegado a ser requerida a sua insolvência;
- O passivo, pelo menos de momento, é superior ao activo, não gerando os Requeridos qualquer tipo de riqueza;
- Pelo exposto resulta, igualmente, e de forma inequívoca, que está verificada a situação fáctica da al. b) do n.º1 do artigo 20º do CIRE, pois há incumprimento de obrigações que, pela circunstância de serem de um valor elevado e de significativo atraso da mesma, revelam a impossibilidade dos Requeridos satisfazerem o pontual cumprimento da generalidade das suas obrigações e, bem assim, de uma atitude altamente censurável;
- Os Requeridos acham-se, pois, em situação de insolvência, tal como a mesma se encontra configurada no artigo 3º, n.º1 do CIRE.
Deste modo, concluiu que os Requeridos se encontram numa situação de insolvência, pedindo que seja declarado o seu estado de insolvência.
*
Junta, para tanto, documentos.
*
Regularmente citados, os Requeridos vieram deduzir oposição, no entanto, conforme decisão que consta de fl.s 42 a 51 v.º, a mesma não foi recebida, por os mesmos, na mesma, se terem recusado a fornecer/indicar a lista dos seus cinco maiores credores.
Em face do que se consideraram como confessados os factos alegados pela requerente e, sem necessidade de se proceder a julgamento, se proferiu a sentença de fl.s 52 a 63, na qual se procedeu ao saneamento dos autos e se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se declarou a insolvência dos requeridos, com as consequências daí decorrentes e expressamente referidas de fl.s 61 a 63, que aqui se dão por reproduzidos.
Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os requeridos, B... e mulher C... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 25), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
1ª - É inepta a Petição Inicial apresentada pela recorrida, pois não fundamenta devidamente o pedido de Insolvência dos recorrentes.
2ª- A recorrida não alega, nem prova, a qualidade de credora para poder ter legitimidade para a instauração do processo de Insolvência contra os recorrentes.
3ª – Ao não indicar, por alegado desconhecimento, quais os rendimentos ou património dos recorrentes, a recorrida não justifica a situação de insolvência dos recorrentes, como a Lei lhe impõe.
4ª – Não tem legitimidade para requerer a Insolvência um putativo credor de uma obrigação nula por violação do previsto no artº 1.143 do CC
5ª- É nulo O MUTUO de valor superior a 2.500€ se não constar de documento particular, representando verdadeira formalidade substancial, necessária à própria existência da declaração negocial.
6ª -A cominação prevista pelo nº2 do artº 30 do CIRE só tem assim sentido relativamente à situação de Insolvência, mas não relativamente ao facto que fundamenta o pedido, não sendo irrelevante o “ou” da norma.
7ª- A cominação prevista no Artº 30 nº 2 do CIRE ao mandar desentranhar a Oposição dos requeridos quando recusem a entrega da Lista dos Cinco maiores, por considerarem não estar em situação de Insolvência, ou por impugnarem a legitimidade do requerente da Insolvência, viola a exigência constitucional do processo equitativo constante do artº 20 nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
8ª -É inconstitucional, por violação da norma do Artº 20 nº 4 da CRP, a imposição de uma obrigação que viola o Direito de Defesa, a imposição de uma cominação que não tem em conta a Oposição apresentada.
9ª – Representa Abuso de Direito o Recurso ao Instituto de Insolvência por um alegado credor particular de uma divida nula por vicio de forma e não reconhecida pelo pretenso devedor.
Entendem assim os recorrentes terem sido violadas pelo menos as normas previstas nos artigos 186 do CPC, 20 nº 1 e 30 nº 2 e 3 do CIRE, Artº 1143 do CC e Artº 20 nº 4 da CRP.
Termos em que
Sempre com o Douto Suprimento de V. Exas. Se pugna pela procedência do Presente Recurso, substituindo-se a Douta Sentença recorrida por outra que, isolada, subsidiária ou conjuntamente:
a) Julgue Inepta a PI
b) Considere a recorrida parte ilegítima
c) Aceite a Oposição dos recorrentes sem a obrigação de apresentar a lista dos cinco maiores credores.
d) Declare a inconstitucionalidade do art 30 nº 2 do CIRE no sentido de não considerar a oposição quando o requerido se recuse a apresentar listas de credores.
e) Aplique o Instituto do Abuso de Direito no caso dos Autos
Assim crêem os recorrentes que será reposta a JUSTIÇA DO CASO CONCRETO.
Contra-alegando, a requerente, pugna pela manutenção da sentença recorrida, com o fundamento em ser credora dos requeridos; terem sido eles a recusar-se a indicar a lista dos maiores credores, não obstante lhes ter sido dada oportunidade de suprir tal falha e mesmo assim, não o fizeram; se encontrarem verificados os factos-índice previstos no artigo 20.º, n.º 1, al.s a), b), e g) i), não tendo os requeridos ilidido a presunção daí decorrente e que a invocada nulidade do mútuo, em nada afecta a existência da obrigação de restituir a quantia mutuada.
Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Se a requerente não tem legitimidade para requerer os presentes autos de insolvência, por basear o seu crédito num mútuo nulo, por vício de forma, sob pena de a sua conduta consubstanciar abuso do direito;
B. Ineptidão do requerimento inicial de insolvência, com o fundamento em não se encontrar fundamentado o pedido de insolvência dos requeridos;
C. Se a sentença recorrida viola o disposto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, ao desconsiderar a oposição deduzida, por os requeridos se terem recusado a juntar a lista dos cinco maiores credores, o que acarreta a inconstitucionalidade do disposto no artigo 30.º, n.º 2, do CIRE e;
D. Se não se verificam os requisitos para que seja decretada a insolvência dos requeridos, por, designadamente, não se encontrarem preenchidos os factos índice previstos no artigo 20.º, n.º 1, al.s a), b) e g) i), do CIRE.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
3.1.1 B... e C... são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos e residem na (...) , em Seia.
3.1.2 A Requerente e o Requerido marido, eram amigos de longa data, e nesse contexto de amizade, o Requerido em Julho de 2015, em conversa com a Requerente, ter-lhe-á confidenciado que andava com graves problemas de saúde e que precisava de ser operado, mas que, tendo residido no Brasil, estava com dificuldades em transferir para cá dinheiro; 3.1.3 Neste contexto, no referenciado mês, pediu à Requerente que lhe emprestasse 5.000,00€ (cinco mil euros) para poder custear essa operação, que segundo ele, era imprescindível para a sua saúde;
3.1.4 E porque se tratava de uma questão de saúde, a Requerente aceitou e, por acordo verbal celebrado entre a Requerente e os Requeridos em 29-07-2015, os mesmos acordaram que a aquela emprestasse a estes, a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros).
3.1.5 Atenta à relação de confiança que existia entre todos e ao facto de os requeridos se terem deslocado a sua casa à noite, a Requerente não sentiu necessidade de reduzir tal acordo a escrito, porque até nessa altura se tornaria difícil;
3.1.6 Assim e por pedido dos Requeridos, a Requerente entregou-lhes em 29/07/2015, a quantia de 5.000,00€, mediante o cheque n.º 0 (... ), sacado ao I... ;
3.1.7 Quando a Requerente se encontrava a preencher o dito cheque, o Requerido disse-lhe que não era necessário colocar o seu nome no mesmo, pois que, o mesmo se destinaria a custear a dita operação;
3.1.8 A Requerente ficou surpresa com tal atitude por parte do Requerido, mas, e porque confiava...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO