Acórdão nº 214/14.6T2AND.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-10-2020

Data de Julgamento12 Outubro 2020
Número Acordão214/14.6T2AND.P1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 214/14.6T2AND.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo Central Cível de Aveiro-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, solteiro, residente em Rua …, bloco ., 3º Dtº., Oliveira de Frades, instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C…, residente em Rua …, n.º .., …, Águeda, formulando os seguintes pedidos:
A) Condenação da ré a reconhecer o autor como dono e legítimo proprietário em comum e em partes iguais com a ré, e que, nessa qualidade, é dono e legítimo possuidor, na mesma proporção, do prédio identificado no artigo 4º de todas as benfeitorias e demais construções nele levadas a efeito, bem como dos móveis com que o dito imóvel urbano foi apetrechado, adquiridos pelo casal na constância da vida em comum;
B) Condenação da ré a abster-se de todo e qualquer acto que impeça o autor a normal administração, uso e fruição daqueles bens, naquela qualidade de possuidor e proprietário dos mesmos, em regime de compropriedade e na mesma proporção da ré;
C) Subsidiariamente, condenação da ré a restituir ao autor as quantias por este adiantadas para pagamento do imóvel urbano, das construções edificadas, benfeitorias, obras de conservação, reparação e manutenção e para pagamento dos móveis com que apetrecharam a casa de habitação, importâncias essas com que a ré se locupletou, assim como os juros legais, vencidos e vincendos, até efectivo reembolso do autor, nos termos do artigo 473º do C. Civil, quantia essa cujo apuramento se relega para liquidação em execução de sentença por de momento ser impossível determiná-la.
Sumariamente alega que correu seus termos, entre as mesmas partes, um processo judicial em que o autor impugnou uma escritura de justificação judicial outorgada pela ré, em que esta se declarou como exclusiva proprietária do imóvel identificado no artigo 4º da PI.
A acção foi contestada e a ré deduziu pedido reconvencional.
A acção foi julgada improcedente mas por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi revogada a decisão e declarada a nulidade da escritura de justificação notarial e julgado improcedente o pedido reconvencional.
No referido processo foram dados vários factos como provados, em concreto que autora e ré viveram em união de facto no imóvel em causa durante, pelo menos, 15 anos e em conjunto decidiram construir esse imóvel, tendo o autor contribuído, com dinheiro que ganhava, para a construção e pagamento de obras, tendo também realizado algum trabalho pessoal.
O autor elenca as obras que refere terem sido efectuadas pelo casal, na constância da relação de união de facto, referindo que foram feitas com as economias e rendimentos do casal. O mesmo raciocínio aplica à aquisição dos materiais e recheio do imóvel e outras construções efectuadas no logradouro, assim como vinhas e árvores.
Por terem sido efectuadas pelo casal, considera ser comproprietário, na proporção de metade das benfeitorias que foram efectuadas.
Subsidiariamente considera ter direito a metade do valor a título de enriquecimento sem causa.
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Devidamente citada a ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção e no concerne ao pedido subsidiário, invocou a sua prescrição.
Por impugnação nega qualquer direito por parte do autor, referindo ser a única e exclusiva proprietária do imóvel, e impugna também os factos em que aquele alicerça a sua pretensão. Concluiu pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
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O autor respondeu às excepções.
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Realizou-se a audiência prévia e a ré exerceu o direito ao contraditório.
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Foi proferido o despacho de saneamento constante de fls. 238 a 242, constando do mesmo que não seriam atendidos no âmbito do objecto do litigio e dos temas de prova, sob pena de violação do alcance do caso julgado, os factos em que a ré defende que as obras realizadas no terreno a si pertencente, foram quase exclusivamente a suas expensas para se concluir não assistir ao autor qualquer direito de compropriedade ou crédito por benfeitorias implantadas no dito imóvel.
Definido o âmbito da discussão da causa, foi fixado o objecto do processo e foram elencados os temas de prova.
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Após incidentesvários teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
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A final, foi proferida decisão que:
A) Considerou o autor como comproprietário, com um direito qualitativamente e quantitativamente igual ao da ré (e da ora habilitada) sobre a edificação, construções, bens móveis, videiras e árvores de fruto, identificados nos artigos 8º a 58º dos factos provados, e condenar a ré a reconhecê-lo e;
B) Condenou a ré a abster-se de impedir o autor de exercer os direitos de uso e fruição sobre os bens identificados na alínea anterior.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor recurso quer da sentença final quer da decisão interlocutória proferida em 05/10/2016 concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
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Não forma apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- Decidir em conformidade face a alteração, ou não, do quadro factual, ou não se alterando este saber se a sua subsunção jurídica se mostra, ou não correctamente efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1º O Autor intentou contra a Ré, no Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, da Comarca do Baixo Vouga, onde correu seus termos pelo Juiz 2, sob o Proc. nº. 676/05.2TBAGD, uma Acção Ordinária, onde se pedia a final que, na procedência da acção:
- Fosse julgada validamente impugnada a escritura de justificação notarial lavrada a fls. 89 a 90 verso do Livro de Notas 282/H do Cartório Notarial de Águeda, outorgada no dia 26 de Janeiro de 2005, declarando-se a mesma nula e de nenhuns efeitos.
2º Autor e Ré, naquela acção, alegaram os factos que tiveram por convenientes, quer como causa de pedir e fundamento da Acção, quer como defesa, causa de pedir e fundamento da Reconvenção (esta deduzida pela Ré), onde pedia que fosse declarada válida a escritura e a Ré reconhecida como única e exclusiva proprietária do imóvel justificado.
3º Tendo, após recurso da decisão de Primeira Instância, que fora desfavorável ao Autor, sido proferida a seguinte decisão pelo Tribunal da Relação de Coimbra:
“Nestes termos se decide:
Julgar procedente a presente apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, substituindo a mesma por outra em que:
A) – Se declara a nulidade da escritura de justificação notarial lavrada a fls. 89 e 90 verso do Livro de Notas nº. 282-H, do Cartório Notarial de Águeda e ali outorgada em 26 de Janeiro de 2005 e;
B) – Improcedente, por não provado o pedido reconvencional deduzido e, consequentemente, dele se absolve o Autor”.
4º Na decisão referida no artigo anterior, foram considerados como provados, para além de outros, os seguintes factos:
“1 – Por escritura pública de justificação notarial de 06/01/2005, lavrada a fls. 89 a fls. 90 verso do Livro de Notas para escrituras diversas nº. 282-H do Cartório Notarial de Águeda, a Ré declarou ser dona e possuidora, com exclusão de outrem, do prédio urbano, constituído por “casa de habitação, de cave e rés-do-chão, com a superfície coberta de cento e quarenta e oito metros quadrados, e quintal com trezentos e setenta metros quadrados, sito na freguesia …, a confrontar do norte com D…, do sul com E… e outros, do nascente com a estrada e do poente com F…, inscrito na matriz em nome dela, sob o artº. 1958º, omisso do registo predial.
2. Declarou ainda a Ré que esse prédio “foi por ela construído num terreno, com as mesmas confrontações e área, que veio à sua posse, já no estado de viúva, por doação que lhe foi feita por G…, solteira, maior, residente que foi no aludido lugar e freguesia …, H… e mulher, I…, residentes que foram em …, freguesia …, concelho de Leiria, e L… e marido, K…, residentes que foram no Brasil, respectivamente, mãe, tios e padrinhos dela, justificadamente, no ano de 1976, por negócio sem a forma legal.
3. Mais declarou a Ré que a partir dessa data vem exercendo “naquele prédio todos os poderes inerentes ao direito de propriedade fruindo como dona as utilidades possíveis, construindo a casa, habitando-a, pagando as contribuições devidas, nela efectuando as obras necessárias à sua conservação, convicta de actuar aquele direito, e tudo isto sem interrupção, à vista de todos e com exclusão do próximo, sem discussão nem oposição de ninguém”, invocando a aquisição do seu direito de propriedade, originariamente, por usucapião (…)
5- O projecto de construção da casa de habitação referida em A) apresentado na Câmara Municipal … e a licença de construção foram emitidos em nome da Ré, bem como a declaração para inscrição do prédio na matriz predial (Modelo 129).
6- O Autor e a Ré viveram em economia de mesa e habitação, desde, pelo menos, 1987 a 1999, na casa de habitação referida em A) (…).
7- O Autor e a Ré viveram juntos, em comunhão de mesa e habitação, durante, pelo menos, 15 anos e até pelo menos ao ano de 2000.
8- E em conjunto decidiram proceder à construção do prédio identificado em A) da matéria de facto.
9- Para essa construção o Autor contribuiu com dinheiro que
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