Acórdão nº 2135/04.1TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-11-2010

Data de Julgamento30 Novembro 2010
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2135/04.1TBPVZ.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

AA, residente na Rua ..., Póvoa de Varzim, propôs a presente acção declarativa comum ordinária, contra BB, residente na Praça ..., Póvoa de Varzim, pedindo que, na sua procedência, seja decretada a anulação da escritura pública celebrada, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, no 1o Cartório Notarial, em 8 de Junho de 2000, na parte em que se faz a partilha dos bens de CC, ordenando-se que tais bens sejam divididos entre os seus três filhos, sendo 7/18 avos para DD, 7/18 para o réu e 4/18 avos para a autora [a], seja ordenada a anulação do registo, na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e efectuado outro, nos termos e proporções acima mencionados [b] sejam remetidos aos Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim, para tomarem conhecimento desta inicial e da aludida escritura, as respectivas cópias destas [c] e sejam notificados o 1o Cartório da Secretaria Notarial e a Conservatória do Registo Predial, ambos da Póvoa de Varzim [d], invocando, para o efeito, como causa de pedir, que DD e o réu BB são filhos de CC e de sua mulher, EE, os quais eram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão geral de bens.
Por outro lado, a autora AA é filha de CC e de FF
EE faleceu, em 24 de Maio de 1999, e CC, em 7 de Agosto de 2003.
A autora soube, em 27 de Outubro de 2003, que foi lavrada a escritura pública corporizada no documento junto aos autos, sem que, intencionalmente, tenha sido informado o Notário de que existia uma irmã, ou seja, a aqui autora, procedendo-se à partilha dos bens comuns do casal e não apenas dos bens da herança.
Com efeito, na mencionada escritura e, após a habilitação de herdeiros, CC e o réu BB, seu filho, este intervindo por si e na qualidade de procurador de seu irmão, DD, e mulher deste, GG, declararam ir proceder à partilha dos bens do casal e da herança de EE, passando a fazê-lo, mediante a adjudicação ao réu de uma sepultura com o n°41, na secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, com o valor atribuído de 10 000$00, e de uma sepultura com o n°40, na 1a secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 5000$00, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 25 252$00, sendo a restante metade indivisa deste prédio urbano adjudicada a DD, e ao viúvo, CC, da torna de 26 834$66, que o mesmo declarou ter já recebido dos filhos BB e DD, mas sem que na referida escritura tivesse sido feita qualquer referência à autora.
Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, o prédio urbano outrora sob o n°11.107, do Livro B29, da freguesia de Aver-O-Mar, encontra-se descrito sob o n°01868/011031, aí constando que o mesmo corresponde ao artigo matricial 336º e que, por força de averbamento efectuado em 24 de Maio de 2005, o respectivo valor patrimonial é de €1. 448,76.
A aquisição do imóvel em causa encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial, a favor do réu BB e de DD e mulher, GG, constando como sua causa aquisitiva a sucessão deferida em partilha, por morte de EE, que foi casada com CC, segundo o regime da comunhão geral, representando a partilha uma venda do património imobiliário de seu pai, CC, aos filhos, BB e DD.
Na contestação, o réu defende-se, na parte que ainda interessa considerar, por impugnação, contradizendo, no essencial, toda a factualidade invocada pela autora.
Na réplica, a autora conclui como na petição inicial e o réu, na tréplica, como na contestação.
DD, por si e em representação de sua mulher, GG, depois de ter revogado o mandato conferido à Exª Advogada constituída pela autora, desistiu do pedido que, conjuntamente com esta, inicialmente, formulara contra o réu, bem assim como de todos os articulados subsequentes e do pedido de cancelamento do registo da acção.
Foram admitidos, a requerimento da autora, como intervenientes principais provocados, associados do réu, os aludidos DD e sua mulher, GG.
Posteriormente, “A... – Gestão Imobiliária, SA”, na qualidade de cessionária da posição dos intervenientes DD e mulher, GG, foi jugada habilitada para os ulteriores termos da acção principal e, em substituição dos mesmos, prosseguir na sua tramitação processual.
A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e procedente e, em consequência, declarou a anulabilidade da escritura pública em causa, na parte em que se faz a partilha da meação e do quinhão hereditário dos bens pertencentes a CC, ordenando-se que os mesmos bens sejam divididos, igualitariamente, pelos três filhos, DD, BB e a autora, e ainda o cancelamento do registo feito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e, em conformidade, absolveu o réu e interveniente DD do demais pedido.
Desta sentença, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, declarando a nulidade do negócio.
Do acórdão da Relação do Porto, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, proferindo-se decisão que, declarando, totalmente, válida a escritura, decrete a improcedência da presente acção, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
O RÉU:
1ª – O douto acórdão recorrido deve ser revogado, visto que a partilha em causa nos presentes autos observou toda a legislação que lhe é aplicável, nenhuma censura lhe podendo validamente ser feita. Na verdade,
2ª - Através da referida escritura procedeu-se à partilha dos bens que constituíam o acervo patrimonial da herança da falecida EE, tendo-se previamente procedido à habilitação dos herdeiros da falecida, e, de seguida, observando a legislação aplicável, os herdeiros desta, e só estes, pois só estes tinham legitimidade para intervir na escritura, procederam à partilha dos bens, da herança daquela falecida, fazendo as respectivas adjudicações. Deste modo,
3ª - E contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, nenhuma violação ocorreu de qualquer norma legal, não podendo, portanto, a escritura em causa, ser objecto de qualquer censura, nomeadamente da nulidade decidida no acórdão recorrido. Com efeito,
4ª - A escritura em causa, o experiente e ilustre (e, infelizmente saudoso) notário que a elaborou, observou, como era seu timbre, toda a legislação aplicável, e
5ª - Procedeu como sempre o fez em centenas de partilhas notariais em que interveio: atribuindo aos bens imóveis a partilhar os respectivos valores matriciais e respeitando a vontade de todos os outorgantes, a quem sempre explicava, como nesta explicou, tal como se refere na parte final da escritura, o seu conteúdo, que todos os outorgantes, maiores e capazes, acharam conforme a sua vontade. Em suma:
6ª - Todos os contraentes, viúvo da falecida e filhos desta, quiseram que o prédio urbano pertencente à herança da falecida EE fosse adjudicado aos dois filhos desta, e, com toda a legitimidade, os herdeiros da falecida, e só eles, porque só eles poderiam intervir na escritura, assim o fizeram, na observância e respeito por toda a legislação aplicável. Por conseguinte,
7ª - E por não ter havido violação de qualquer preceito legal, não pode a escritura em causa ser declarada nula, pois a ser declarada nula esta escritura, com fundamento de que a partilha foi efectuada, como praticamente todas o são, com base no valor matricial dos imóveis a partilhar, então aplicando este perigosíssimo critério, muito poucas das milhares de escrituras de partilhas se salvarão, o que acarretaria uma totalmente inaceitável insegurança no seio de todo o notariado e do universo de pessoas que, necessariamente, a ele se socorre, dada a segurança e solidez que todos associam aos actos notariais, em que, mais uma vez se repete, a lei é observada e respeitada.
A HABILITADA A... – GESTÃO IMOBILIÁRIA, SA
1ª - Assertivamente, na sua parte decisória, começa o Acórdão revidendo, por reconhecer expressamente, o erro da aplicação do direito, à matéria de facto dada como assente;
2a - Apesar do assertivo reconhecimento, de que não se tratou de uma partilha em vida, com as inerentes doações, condição sine qua non daquela, o Acórdão revidendo, já influenciado pelo seu pensamento e decisão final, continua a referir-se a uma "partilha em vida";
3ª - O contrato, que está em causa e que resulta da matéria de facto assente é, uma "Partilha por morte", da cônjuge mulher, daquele CC, à qual, são habilitados, e nela intervêm como interessados, o cônjuge viúvo e os herdeiros legitimários da de cujus, aquele cônjuge e os filhos desta;
4a - A qual respeita o disposto nos artigos 2010º, a), n°1, 2133º, n°1, 2139º, 2157º e 2159º todos do C.C.;
5a - Partilha essa por óbito da de cujus, cônjuge mulher daquele CC, EE, da qual a A./Recorrida, não é filha, e por isso não é, nem herdeira legítima, muito menos legitimaria, e portanto não é interessada;
6a - Porém, a reminiscência de "partilha em vida", na conclusão da não aceitação da solução jurídica da sentença apelada da 1a instância, conduziu os Srs Juízes Desembargadores, por caminhos ínvios, na busca de uma solução de direito, que ao fim e ao cabo, desse o mesmo resultado, ou seja, a anulação da partilha;
7ª - Não se descortina, no emaranhado, quer da causa de pedir, quer dos pedidos constantes da p.i., qualquer fundamento, que pudesse ter em vista, o almejado objectivo que o Acórdão revidendo, num lampejo inóspito, vislumbrou ou vislumbra;
8a - A A. Recorrida nunca perspectivou tal solução
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