Acórdão nº 2125/23.5T8VCT-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02-05-2024

Data de Julgamento02 Maio 2024
Número Acordão2125/23.5T8VCT-D.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

EMP01..., Lda., com sede na ..., ... ..., instaurou, em ../../2023, ação especial de insolvência, requerendo que fosse declarada insolvente.
Por sentença proferida em 26/06/2023, transitada em julgado, declarou-se a requerente EMP01..., Lda. insolvente.
Em 23/08/2023, a administradora da insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que emitiu parecer no sentido de que: se procedesse à liquidação do ativo, dado que “a empresa não se encontra em atividade, nem existe viabilidade de um plano de recuperação”, e se qualificasse a insolvência como culposa.
Por despacho de 14/09/2023, determinou-se que: o processo de insolvência prosseguisse com a liquidação do ativo, com a imediata apreensão dos bens; a abertura de incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno; a notificação da administradora da insolvência para juntar aos autos parecer quanto à qualificação da insolvência.
Em 04/11/2023, a administradora da insolvência juntou aos autos parecer requerendo que se qualificasse a insolvência como culposa, por se mostrarem “preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa do n.º 2 do art. 186º do CIRE, nomeadamente, as das alíneas a), b), g), h) e i), e as presunções ilidíveis de culpa grave da al. b), do n.º 3” do mesmo art. 186º, e fossem afetados pela qualificação os atuais sócios e gerentes da sociedade devedora: AA e BB.
O Ministério Público emitiu parecer em que aderiu aos fundamentos fácticos e jurídicos que se encontram explanados no parecer emanado pela administradora da insolvência, requerendo também ele que a insolvência da sociedade devedora fosse qualificada como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 2, als. a), b), g) e h) e 3, al. b) do CIRE, e fossem afetados pela qualificação os sócios gerentes desta: AA e BB.
Notificada a sociedade devedora e citados os identificados AA e BB para, querendo, deduzirem oposição, não o fizeram.
Em 08/01/204, a 1ª Instância proferiu despacho, dispensando a realização de tentativa de conciliação e de audiência prévia e fixando o valor do presente incidente de qualificação em 30.000,01 euros; proferiu despacho saneador tabular; fixou o objeto do litígio e os temas da prova; conheceu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes; e designou data para a realização da audiência final.
Realizada a audiência final, a qual se prolongou ao longo de uma única sessão, em ../../2024, proferiu-se sentença, em que se qualificou a insolvência da sociedade devedora como culposa e como pessoa afetada pela qualificação BB, constando dessa sentença a seguinte parte dispositiva:

“Em conformidade com o exposto, decide o Tribunal:
i. qualificar a insolvência de EMP01..., Ld.ª como culposa;
ii. declarar BB, a pessoa afetada pela qualificação da insolvência como culposa;
iii. decretar a inibição de BB, por um período de 2 anos, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
iv. determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo mencionado BB e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
v. condenar BB a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.
Custas pelo Requerido BB [art. 304.º do CIRE]”.

Inconformado com o decidido, BB interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:

1ª- O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provada a matéria inserta nos pontos 3.20 e 3.25, pois que, descortinada a matéria de facto considerada provada, que fundamentou e alicerçou a decisão proferida, constata-se que existe prova de que a insolvente depositou as suas contas na Conservatória do Registo Comercial até ao ano de 2020, e que, inexiste quaisquer prova de que a gerência a partir de ../../2021 tenha sido exercida exclusivamente pelo recorrente, de que este tenha alienado parte do ativo a terceiros prejudicando os demais credores e que não tenha tido o cuidado de se apresentar a insolvência em tempo oportuno, agravando, com isso a situação de insolvência da requerida.
2ª- Do relatório apresentado pela Ex.ma Sr.ª Administradora da Insolvência, nos termos do artigo 155º do CIRE, resulta quanto ao ponto 3.20 posto em crise o seguinte: “ Da certidão de matricula obtida é possível confirmar que a devedora depositou as suas contas na Conservatória do Registo Comercial até ao ano de 2020:” (cfr, página 6, item (ALÍNEA B) DO Nª 1 DO ARTº 155 DO CIRE), e quanto ao ponto 3.25 nada consta, em nada se faz referência quanto a assunção da gerência a partir de ../../2021, quanto a não apresentação da requerida a insolvência em tempo útil e/ou do agravamento da sua precária situação económica.
3ª- Na verdade, consta: “Deste modo, resulta inequívoco que a situação em que a devedora se encontra, resulta, também, dos constrangimentos decorrentes do estado de emergência que obrigou a medidas extremas no combate á doença de COVID-19.” Cfr. página 6, penúltimo paragrafo da OPINIÃO SOBRE AS CAUSAS DA SITUAÇÃO EM QUE A DEVEDORA SE ENCONTRA.
4ª- Do parecer da qualificação elaborada pela Ilustre Administradora da Insolvência, no ponto 2.5 consta: “Aqui chegados, constatou-se que a sociedade se encontrava em situação de insolvência que os sócios e gerentes teimaram em ignorar e sem contabilidade devidamente organizada.” (sublinhado e negrito nosso), no ponto 3.6: “Acresce que, no mês de ../../2021, sócio gerente AA foi acometido de doença súbita do foro cardíaco, tendo sido, hospitalizado e submetido a cirurgia e, consequentemente, viu-se obrigado a ficar de baixa médica prolongada sem quaisquer perspetivas de retomar o trabalho.”, e no ponto 3.7 que o recorrente, após essa ocorrência, ficou a fiscalizar e orientar todas as obras em curso, que até essa data eram orientadas por ambos, conforme divisão concertada, contudo, isso não significa nem se extrai da petição inicial de insolvência que o gerente AA face aquela sua doença se tivesse arredado totalmente das suas funções de gerente da insolvente, mas, tão só da parte relativa ao trabalho e esforço físico que vinha desenvolvendo nas obras que vinha orientando e fiscalizando.
5ª- O sócio e gerente AA, em todo que dizia respeito à gestão e administração da insolvente era interventivo, dava opiniões, sugestões, dirigia e elaborava orçamentos, tomava decisões, sendo, de mencionar a sua intervenção no acordo de pagamento alcançado com a credora “EMP02..., Lda.” em ../../2022, a dação a CC do veículo automóvel de matricula ..-..-ZM (requerimento de transmissão de registo de propriedade - doc. nº ...) efetuada em, ../../2023, e a ata da reunião extraordinária ocorrida em 16 de junho 2023, junta aos autos da a insolvência (cfr. doc. nº ...4).
6ª- Toda e qualquer decisão referente a empresa insolvente era analisada e tomada em conjunto pelos seus sócios gerentes, até porque toda a documentação da sociedade (orçamentos, contratos, autos de vistoria, de mediação, faturação, etc…) se encontrava na residência do sócio gerente AA, por a insolvente, ainda, não ter sede física, diga-se, edifício, que seria construído sob o terreno comodatado, sito na Rua ... na freguesia ..., concelho ..., onde tinha a sua sede.
7ª- Acresce, que todos os créditos reconhecidos e reclamados da insolvente, designadamente, os créditos à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao do Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de ..., a da credora EMP02..., Lda., e até o crédito sob condição a DD tiveram a sua origem em data anterior em que sócio e gerente AA foi acometido da mencionada doença e ficou impossibilitado de efetuar esforço físico.
8ª- O crédito devido ao Instituto da Segurança Social, I.P, Centro Distrital de ... diz respeito a contribuições respeitantes ao ano de 2020 e a juros de mora e custas processuais (cfr. relação de créditos reconhecidos e reclamados apenso A).
- O crédito devido a Autoridade Tributária e Aduaneira diz respeito a IVA do ano de 2020 (período 2020/09T), do ano de 2021, coimas e encargos (cfr. processos nºs ...39 e ...09) e IRC do ano de 2021.
10ª- O “alegado” crédito sob condição de DD resulta da resolução do contrato de empreitada operada em outubro do ano de 2021 pelas partes contratantes, como se encontra alegado em sede contestação/reconvenção da insolvente no processo nº 4123/22....,a correr termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., assim como, o crédito da credora EMP02... que surge a partir dessa data pela atitude daquele em não deixar a insolvente proceder ao levantamento das cofragens alugadas em tempo útil, tendo como consequência penalizações e incumprimentos do contrato com a credora, que redundaram em valores indevidos e se encontram reclamados no identificado processo.
11ª- Das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pelo recorrente, no dia ../../2024, com início às 10:04 e fim às 10:33 horas, nos segmentos indicados, constata-se que o recorrente, quando adquiriu a quota ao anterior sócio, a sociedade já tinha dívidas à Segurança Social e à AT, ainda que de pouca monta; que após, o acometimento da doença pelo sócio e gerente AA, período de convalescença, e antes de ser requerida a insolvência da empresa, com vista a persecução da sua atividade, requereu planos de pagamento com a Segurança Social e as Finanças, por serem os únicos e principais credores, pois o crédito sob condição a DD ainda não existia, tendo sido aceite pela primeira, cujo pagamento está a ser cumprido, não obtendo resposta do Serviço de Finanças; que os documentos contabilísticos da empresa estavam na...

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