Acórdão nº 2123/15.2T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07-09-2016

Data de Julgamento07 Setembro 2016
Número Acordão2123/15.2T8TMR.E1
Ano2016
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo nº 2123/15.2T8TMR.E1 (Apelação)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (A./recorrida), patrocinada pelo Ministério Público, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum contra CC, Ld.ª (R./recorrente), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 26.251,18, a título de diferenças salariais, subsídio de alimentação e diferença do valor da compensação recebida por cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
Para o efeito, em síntese, alegou o seguinte:
- Trabalhou por conta, sob as ordens e direção da R., desde 2 de maio de 2008 até 31 de dezembro de 2014, auferindo mensalmente a retribuição de € 500,00 e desempenhando sempre as funções inerentes à categoria profissional de Técnico Qualificado de 1º nível, nas instalações da R., sitas em Mira de Aire,
- Nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) aplicável deveria ter auferido a retribuição mensal ilíquida de € 706,00, acrescida de € 2,40 de subsídio de alimentação por dia de trabalho desde a sua admissão e até ao dia 30 de junho de 2010, a partir desta data e até final do contrato devia ter auferido a retribuição mensal de € 732,50, acrescida do subsídio de alimentação de € 2,40 por dia de trabalho, razão pela qual reclama as diferenças salariais, entre aquilo que lhe foi pago e o que lhe era devido.

A R. apresentou contestação pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição de todos os pedidos, alegando, em resumo:
- O contrato celebrado com a A. não pode ser qualificado como um contrato de trabalho, uma vez que as partes o que pretenderam foi celebrar um contrato de prestação de serviços;
- Caso assim não se entenda, a R. defende que o tribunal terá de considerar que a A. não foi contratada para trabalhar a tempo completo, pois nunca cumpriu as 40 horas semanais, razão pela qual, caso não se entenda qualificar a relação contratual como de prestação de serviços, sempre se terá de configurar o contrato de trabalho como um contrato de tempo completo com jornada reduzida, não sendo por isso devida à autora qualquer quantia a título de diferenças salariais;

Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a ação procedente, por provada, e consequentemente condenou a R. a pagar à A. o montante global de € 25.757,28, sendo € 20.753,11 a título de diferenças salariais, € 3.729,60 a título de subsídio de alimentação e €1.274,57 a título de diferença de compensação pela cessação do contrato, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento.

Inconformada com esta decisão judicial, a R. interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O facto, dado como provado sob o nº 11, deve ser alterado para a seguinte redação “Os serviços prestados pela A. antes de 2/5/2008 foram liquidados sempre em regime de avença até 30 de Abril de 2008, com quitação de recibos emitidos pelo marido da A., por interesse de ambos.”
2. O facto, dado como provado sob o nº 15, deve ser alterado para a seguinte redação:
“Em 2/5/2008 é subscrito um “contrato de trabalho” entre A. e Ré, a fim de evitar que a A. se coletasse passando, desde então, a Ré a processar o pagamento dos serviços da A. a par dos salários dos seus trabalhadores.”
3. O facto, dado como provado sob o nº 18, deve ser alterado para a seguinte redação:
“Uma vez por ano, a A. acompanhava a Ré à feira internacional de Colónia, onde a empresa Ré montava a sua exposição, sendo também do seu interesse a deslocação à feira.”
4. Desde o seu início, em 2007, até 31/12/2014, a relação profissional da A. com a Ré sempre foi a mesma: apresentação de modelos (confecionados por si em tricot), na qualidade de estilista, por conta própria, no seu atelier.
5. Trabalhando segundo os seus próprios horários e com autonomia no desenvolvimento do seu trabalho, que executava no seu atelier (13 dos Factos Provados) e socorrendo-se de serviços e de peças de tricot que mandava fazer a terceiras pessoas, a quem pagava (como resulta da prova).
6. Duas ou três manhãs por semana (até 2/5/2008) deslocava-se às instalações da Ré para apresentar os seus novos modelos e para discutir e aconselhar estratégias de coleção, exposição, imagem e levar o fio que a Ré lhe confiava para confeção de modelos (14 dos Factos Provados).
7. Sempre assim aconteceu desde o início, mas também depois de maio de 2008, pois a A. continuou a manter autonomia na execução e desenvolvimento do seu trabalho (16 dos Factos Provados), deslocando-se às instalações da Ré, duas ou três vezes por semana, para apresentar os novos modelos, para discutir ou aconselhar estratégias no desenvolvimento desses seus trabalhos (modelos) – nº 17 dos Factos Provados.
8. Dúvidas, pois, não existem de que a relação profissional estabelecida com a A. sempre foi a mesma desde 2007 a 2014, com as mesmas características e conteúdo: uma estilista que confecionava os seus próprios modelos (embora servindo-se dos fios que a Ré fabrica, para combinar as cores a seu bel-prazer nos seus modelos) e que, como estilista que era, aconselhava, face aos modelos (que autonomamente, no seu atelier, confecionava ou desenvolvia), estratégias de coleção, exposição e moda nas conversas que mantinha nas instalações da Ré duas ou três vezes por semana (quer antes, quer após maio de 2008).
9. E, por isso, sempre essa relação profissional se consubstanciou desde 2007a 2014 num verdadeiro contrato de prestação de serviços.
10. E não é por ter sido subscrito um denominado “contrato de trabalho” que foi alterada essa relação profissional entre a A. e Ré – que não se alterou, como resulta dos Factos Provados e da demais prova – de prestação autónoma, independentemente, de serviços (criação de modelos e aconselhamento).
11. Sendo certo que a razão de ser da subscrição do denominado “contrato de trabalho” (mantendo-se a autonomia e independência dos serviços da A., o tempo despendido e até o valor da avença, pois, com os descontos, o que a A. continuava a receber era sensivelmente o mesmo valor) foi o de evitar que a A. se coletasse (o que devia ter acontecido) e que os recibos da avença andassem a ser passados/emitidos pelo (ou em nome do) marido.
12. E sendo esta a realidade, certo é que o denominado contrato de trabalho é uma ficção – como disse a testemunha …: um contrato a favor - ou simulação relativa.
13. De qualquer modo – e sem prescindir – à data da subscrição do denominado “contrato de trabalho” vigorava a lei 99/2003, a qual dispunha, no seu artº. 184, nº 3 que:
Se faltar no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável.”
14. E, nos termos do artº. 180 daquela lei 99/2003:
“Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável”.
15. Ora, duas ou três manhãs por semana, ou duas ou três vezes por semana, quase sempre de manhã – como está provado -, corresponde (mesmo que a A. estivesse na empresa das 9 H. às 12.30 H.) a um período de trabalho semanal inferior a 75% do praticado a tempo completo.
16. Pelo que, mesmo que se considerasse, desde Maio de 2008, que a relação profissional entre A. e Ré fosse a resultante da celebração de um verdadeiro contrato de trabalho, sempre teria de ser considerado um contrato de trabalho a tempo parcial, com um período, no máximo, de três manhãs, por semana, ou seja, cerca de 25% de 40 H. semanais.
17. O atual Código do Trabalho (artº. 153 da Lei 7/2009, nº 2) estipula que, na falta de indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo “presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo”.
18. Mas, à data (2/5/2008) do denominado “contrato de trabalho” subscrito por A. e Ré, estava em vigor a Lei 99/2003.
19. Que, no seu artº. 184, nº 3, estabelecia a presunção de que, na falta de indicação do período normal de trabalho semanal, fora celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitido para o contrato de trabalho a tempo parcial pela lei (o que seria de 75% face ao artº. 180 do mesmo diploma legal).
20. Contudo, esta presunção (75%) foi iniludivelmente ilidida pela prova produzida, uma vez que, como consta dos factos provados, nem sequer (tratando-se de duas ou 3 vezes por semana, quase sempre de manhã, para
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT