Acórdão nº 212/14.0TBACN.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-11-2015
Data de Julgamento | 24 Novembro 2015 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 212/14.0TBACN.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):
AA, S.A. requereu oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Alcanena e ao abrigo do disposto no art. 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), procedimento tendente à sua revitalização.
Seguindo o processo seus termos e concluídas as negociações, veio a ser apresentado plano de recuperação que, devidamente votado, foi aprovado por 88,46% da totalidade dos votos emitidos.
A credora BB, S.A., titular de um crédito comum sob condição de €360.813,30, emitiu voto em sentido contrário à aprovação, tendo depois requerido a não homologação do plano, com fundamento na violação de regras procedimentais e na violação do princípio da igualdade no confronto de certos outros credores.
Tal pretensão foi indeferida, sendo de seguida proferida sentença que homologou o plano de recuperação.
Inconformada com o assim decidido, apelou a mesma credora para o Tribunal da Relação de Évora, que, porém, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.
De novo inconformada, interpôs a credora revista excecional e com pedido de julgamento ampliado pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 672º e no art. 686º do CPCivil. Porém, a admissibilidade da revista excecional foi tida por inconsequente pela formação de juízes a que alude o nº 3 do art. 672º, com fundamento em que rege para o caso especificamente o art. 14º nº 1 do CIRE, de sorte que a admissibilidade do recurso teria que ser aferida unicamente à luz desta norma.
No exame preliminar, o relator teve a revista como admissível, por se encontrar o acórdão recorrido em oposição com o acórdão proferido pela Relação de Coimbra que, promanado da mesma legislação e versando sobre a mesma questão fundamental de direito, fora apresentado pela Recorrente, tudo nos termos da segunda parte do nº 1 do art. 14 do CIRE.
O Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o pedido tendente ao julgamento ampliado da revista.
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Da respetiva alegação extrai a Recorrente BB, S.A. as seguintes conclusões:
1ª- Ocorrendo no presente processo uma situação de dupla conformidade nos termos e para os efeitos do art° 721°, n° 3 do CPC, é no entanto (na linha da jurisprudência uniforme deste STJ) admitido recurso do acórdão da Relação de Évora mediante revista excepcional com base em qualquer dos fundamentos das als. a) a c) do n° 1 do art. 672° do CPC, se, como também sucede no presente caso, a oposição de acórdãos tivesse ab origine admitido a revista normal (art. 14.° do CIRE e art. 721.°, n.º 3, do CPC).
2ª- Encontram-se verificados os fundamentos para a admissibilidade da presente revista excepcional:
a) o da al. a) do n° 1 do artº 762° do CPC pelas razões alegadas de fls. 3 a 18 das precedentes alegações;
b) o da al. c) daquele n° 1 do artº 762° pelas razões alegadas de fls. 18 a 24 das precedentes alegações.
3ª- O Acórdão da Relação de Évora aqui em apreço, ao julgar improcedente a apelação com o fundamento de que a recorrente não cumpriu o ónus do artº 216º, confundiu a situação que foi colocada ao seu julgamento e as duas referidas normas e, por isso, fez errada interpretação e aplicação das mesmas, julgando o recurso improcedente com fundamento em que a recorrente não tinha cumprido os ónus/condições impostas pelo art° 216°, mas, ao fazê-lo, e justamente porque é legítimo e prática comum que a comunidade jurídica em geral e os tribunais de 1ª instância, e não só, vejam nos acórdãos das nossas Relações, como tribunais de recurso e que até decidem definitivamente em processo de insolvência, interpretações e aplicações da lei a seguir como orientação em casos semelhantes, e retirem legitimamente a ilação de que o credor que, como a ora recorrente, quiser invocar a violação do disposto nos artigos 194° e 215° do CIRE terá também, cumulativamente, de provar ter cumprido os ónus impostos pelo art° 216°, o que constitui um erro de interpretação e aplicação da lei, que importa desfazer, o que poderá ser feito pela via do presente recurso.
4ª- Como decorre do alegado de fls. 19 a 24 das precedentes alegações, o Acórdão da Relação de Évora adoptou o entendimento de que a mera alegação, não comprovada, pela requerida de que carece de financiamento dos bancos para a sua actividade preenche o requisito de razão objectiva para efeitos do n° 1 do art° 194° do CIRE e da justificação da desigualdade de tratamento dos credores, o que não está de acordo com a correcta interpretação da lei e vai frontalmente contra o decidido para uma situação exactamente igual pela Relação de Coimbra no acórdão transitado em julgado junto com as presentes alegações, preenchendo assim o requisito legal da al. c) do n° 1 do art° 672° do CPC e impondo a intervenção correctiva e esclarecedora deste STJ pela via, também, da presente revista.
5ª- Os artigos 215° e 216° do CIRE preveem situações distintas e independentes de não homologação do plano: aquele primeiro artigo prevê um poder-dever do Juiz, segundo o qual este deve recusar a homologação do plano caso verifique situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza; aquele segundo prevê e regula uma opção do credor, impondo ao juiz que recuse a homologação do plano quando tal lhe tenha sido solicitado por algum credor e este cumpra e mostre que cumpriu os ónus que aí lhe são impostos.
6ª- Sendo a linha de raciocínio exposta e defendida pela recorrente, na sua apelação, ao longo das suas alegações e das respectivas conclusões, do princípio ao fim, sempre na perspectiva da violação do princípio da igualdade entre credores e da demonstração das razões pelas quais ocorria essa violação bem como do prejuízo que essa violação lhe causava e, subsequentemente, do dever do tribunal, aplicando o disposto nos artºs 194° e 215° do CIRE, recusar a homologação de tal plano, mas tendo a Relação de Évora, no seu acórdão ora recorrido, julgado a apelação improcedente com fundamento em que a recorrente não cumpriu o ónus que lhe impunha o art° 216° do CIRE, então, este acórdão não só decidiu de questão que não lhe foi colocada como criou a dúvida e permitiu mesmo que dele seja extraída a ilação de que quem pedir a anulação do plano com base na violação dos artigos 194° e 215° do CIRE terá também, cumulativamente, de provar ter cumprido os ónus e as condições impostos pelo art° 216° do mesmo diploma, o que está errado.
7ª- Partindo da dicotomia entre as concepções subjectiva e objectiva do direito, e do significado etimológico do termo objectivo, que significa o que existe por si independentemente do pensamento do sujeito, o que equivale à realidade objectiva igual para todos e não apenas para um, o que tem existência real exterior ao sujeito, e que no fundo é o oposto ao subjectivo, enquanto a opinião própria do sujeito individual e relativo apenas a ele, enquanto seu juízo de valor pessoal e que não corresponde a nenhuma realidade concreta, então, razões objectivas para efeitos do art° 194° do CIRE têm de ser aquelas que correspondem a uma realidade factual, objectiva, concreta e exterior à mera opinião, sensibilidade ou desejo da devedora e ou do seu AP, que existem por si independentemente desse desejo, pensamento ou vontade pessoal e subjectiva; pelo que, razões objectivas para efeitos do art° 194° não são a mera afirmação no plano de que a requerida necessita de, no futuro, as entidades bancárias continuarem a apoiar a sociedade, para com esse suposto e desejado apoio justificar os brutais e imorais privilégios que o plano lhes concede em relação aos demais credores igualmente comuns, porque não está demonstrado no processo nem a necessidade desse apoio nem a disponibilidade dos bancos em causa para o concederem, não passando da de mera expectativa opinativa e escrita, sem comprovação objectiva.
8ª- Não existindo nenhum elemento objectivo, concreto e exterior à mera e suposta alegação da devedora, vindo da parte dos bancos credores, fosse, por exemplo, (i) uma carta de intenções de financiamento, (ii) uma proposta de financiamento ou (iii) um contrato de financiamento ou de abertura e concessão de crédito: que evidencie ou permita concluir que os mesmos, após a aprovação do plano, irão continuar a financiar a actividade da requerida, não pode a mera opinião ou expectativa da empresa, passada a escrito no plano, preencher o requisito de razão objectiva para efeitos do citado art° 194°, muito menos quando a requerida emite essa sua opinião, naturalmente, por intermédio dos seus administradores e estes são (no dizer do próprio plano, atrás citado) pessoal e solidariamente responsáveis pelo pagamento de todos os créditos dos bancos, o que comprova não só o conflito de interesses que torna nula aquela opinião mas também legitima a suspeição de que o plano prevê o pagamento créditos dos bancos acrescidos da totalidade dos juros vencidos e vincendos e de um spread de 3 a 5 pontos percentuais para os libertar a eles daquela sua responsabilidade pessoais e impor o correspondente sacrifício aos credores que nada têm a ver com a gestão daqueles senhores administradores que os levou a conceder as garantias cujo cumprimento por esta via pretendem endossar aos fornecedores e credores não bancários da sociedade, e, como contrapartida desse benefício dos próprios administradores, assim libertos do ónus de terem de honrar as suas garantias pessoais aos bancos, transformando, à custa da ora recorrente e de outros credores, os créditos desses próprios bancos (e dos fornecedores de imobilizado) numa aplicação financeira de longo prazo e de elevado rendimento garantido: o juro integral vencido e vincendo mais um spread de até 5 pontos percentuais - como se isto alguma vez se tivesse visto em processo de recuperação...
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