Acórdão nº 2117/17.3T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-06-2021

Data de Julgamento15 Junho 2021
Número Acordão2117/17.3T8GMR-A.G1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

O Banco ..., SA, na qualidade de actual titular dos créditos originariamente pertencentes ao Banco ..., SA, intentou, em 10-04-2017, no Tribunal de Guimarães, acção executiva, com base numa livrança vencida em 10-02-2017, na importância de 106.152,80€, mas não paga apesar das solicitações, contra M. O. e A. C. (que nela figuram como subscritores) e J. L. e mulher L. C., enquanto avalistas.

Peticionou o pagamento coercivo, além daquele capital, de juros vencidos e despesas (no total de 106.213,29€) e os juros vincendos.

Ordenada e realizada a citação, os referidos co-executados J. L. e L. C. deduziram, em 26-07-2017, embargos.

Pediram:

“a.
Deverá ser decretada a suspensão da acção executiva que subjaz;
E, bem assim,

b.
Deverá ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade invocada e, consequentemente, serem os Embargantes absolvidos da instância;
Sem prescindir e, caso V.ª Exc.ª assim não entenda,

c.
Deverão os presentes embargos ser declarados procedentes por provados e, em consequência, ser a execução que subjaz declarada extinta. Com as demais consequências legais.”.

Alegaram, depois de se manifestarem “estranhos” ao título invocado e à “autorização” de preenchimento que o precedeu, quanto a tal pacto, que:

-este é arbitrário, por prever o preenchimento “quando considerasse oportuno” e não segundo critérios prévios definidos;
-remontando o alegado incumprimento a 2008, a inércia do Banco exequente até 2017 permitiu-lhe obter ganhos consideravelmente superiores, o que é ética e juridicamente reprovável;
-desconhecem a existência, validade e veracidade do documento respectivo (pacto/autorização) e negam nele ter aposto por sua mão as respectivas assinaturas, as quais não correspondem aos seus documentos pessoais, havendo diferenças notórias (quanto à caligrafia do embargante, omissão das preposições na assinatura da esposa, notando que na escritura de mútuo não há qualquer referência ao aval ou a avalistas, nada se refere quanto à venda do imóvel, nunca foram interpelados, aliás no período em causa estavam ausentes na Suíça, sendo que o número de bilhete de identidade referido na “autorização” não corresponde ao do embargante).

Quanto à livrança/título executivo, que:

-as assinaturas no verso e as expressões “dou o meu aval ao subscritor” não foram feitas pelos embargantes e, por isso, o título executivo não é válido e a dívida “não se reveste de certeza, liquidez e exigibilidade”;
-só “recentemente” foram interpelados para pagar;
-apenas souberam, através da gestora de conta no seu Banco, da existência de um registo de dívida no Banco de Portugal e só a partir daí (Agosto de 2016) diligenciaram pelo seu esclarecimento, tendo este informado que o incumprimento se reportava a Dezembro de 2008;
-porém, a eles (como supostos avalistas) nada lhes foi comunicado, pelo que ignoravam qualquer responsabilidade;
-aliás, tiveram durante vários anos contas abertas no Banco e nada lhes foi transmitido nem sofreram qualquer constrangimento;
-o imóvel hipotecado pelos mutuários/subscritores da livrança foi vendido pelo exequente sem ter dado qualquer informação aos avalistas e sem lhes solicitar qualquer pagamento, razões “estranhas” que “convirá esclarecer nesta sede”;

Relativamente ao valor por que foi preenchido o título e feito o pedido:

-“questiona-se e, como tal deixa-se expressamente impugnado” o valor inscrito “atenta a discrepância entre o crédito concedido” (77.313,67€) e o valor ora peticionado (106.213,29€);
-este é “injustificado” por parecer “desconsiderar os valores amortizados com as prestações pagas e com a já ocorrida venda do imóvel” e é até superior ao que lhe foi indicado pelo Banco de Portugal;
-ao protelar o preenchimento da livrança e ao não interpelar os avalistas, o exequente agiu de má-fé e “com o intuito de reverter a seu favor um valor substancialmente superior ao supostamente devido”.

Uma vez que em nada intervieram e as assinaturas não são verdadeiras, ocorre ilegitimidade passiva dos embargantes, pelo que pedem a absolvição da instância executiva.

Ocorre preenchimento abusivo invocável pelos embargantes “avalistas” da livrança contra o exequente/beneficiário uma vez que se está no âmbito das relações imediatas e porque, não tendo aqueles intervindo no mútuo, não foram interpelados nem lhes foi comunicado o incumprimento quando este terá ocorrido em 2008, altura em que deveria ter sido preenchida a livrança e não em 10-02-2017.

Há também abuso de direito porque o exequente nada fez ao longo de 9 anos, assim deixando agravar os juros.

Bem assim, indeterminabilidade e consequente nulidade do pacto de preenchimento (artº 280º, CC) por o momento deste estar previsto para quando o Banco considerasse oportuno.

Com o articulado, foram juntos 15 documentos e procuração e requerida prova por declarações de parte e testemunhal.

Os embargos foram liminarmente admitidos.

O Banco exequente contestou, dizendo que não correspondem à verdade ou são por si desconhecidos os factos alegados nos itens da petição que indica, acrescentando que “nos termos” do contrato de mútuo celebrado em 25-10-2001 com os co-executados, estes e os embargantes lhe “entregaram” a livrança em garantia do cumprimento das obrigações daquele decorrentes e para lhe facilitar e acelerar a cobrança. Acrescentou que a “autorização” subscrita contêm elementos que permitem, desde o início, concretamente, a “determinabilidade” das responsabilidades inerentes ao aval e a livrança foi preenchida de acordo com elas. Os embargantes conheciam-nas. Esclareceu que o contrato se encontra em incumprimento desde 25-12-2008, tendo deixado de ser pagas as prestações de juros remuneratórios e não tendo sido feito o reembolso do capital mutuado, pelo que foi “denunciado” conforme cartas de 18-01-2017. Por isso, foi preenchida a livrança, pelo valor de 106.152,80€, de harmonia com a autorização, tendo dado conhecimento aos embargantes “dos termos em que o fez”, sendo 67.573,95€ de capital em dívida, “acrescido dos juros, calculados à taxa contratual estipulada pelas partes, imposto de selo e valor de selagem da livrança, no valor de 38.578,85€, desde 25 de Dezembro de 2008 – data em que o contrato entrou em incumprimento –, até à data de vencimento da livrança – 10 de Fevereiro de 2017”. Os embargantes não pagaram a livrança no seu vencimento, “apesar das insistências”.

A livrança “foi preenchida, na sequência do incumprimento contratual”, tendo o exequente comunicado aos avalistas “que procederia a tal preenchimento, nos termos da autorização”, não havendo preenchimento abusivo (cujo ónus de prova, não logrado, impende sobre os embargantes) nem indeterminabilidade.

O alegado a título de “excepções pessoais” quanto à relação subjacente à emissão da livrança é inoponível ao exequente (face à natureza mediata das relações e aos princípios da autonomia e da abstracção que regem os títulos cambiários e ao disposto no artº 17º, da LULL) e não preclude a validade e eficácia do direito cartular, atentas as características do título cambiário.

Reitera que os dizeres manuscritos e assinaturas no verso da livrança e na autorização pertencem aos embargantes, sendo notória a semelhança destas em todos os documentos.

Alega, ainda, que os embargantes bem sabem que intervieram como avalistas e que agem de má-fé.

Concluindo, enfim, que os embargos devem ser julgados improcedentes, juntou documentos e requereu produção de prova testemunhal e pericial.

Não houve resposta.

Por despacho de 27-11-2017, foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa, saneado tabelarmente o processo, relegado para final o conhecimento das excepções (incluindo a alegada como dilatória de ilegitimidade passiva), fixado o objecto do litígio (“existência” e “medida” da responsabilidade dos embargantes), enunciados temas de prova (a “genuinidade das assinaturas”, o “preenchimento abusivo”, a “ausência de interpelação” e a “conduta abusiva” do exequente) e apreciados os requerimentos probatórios.

Obtidos documentos pessoais dos embargantes para comparação pericial, realizou-se o exame requerido, primeiro aos elementos relevantes da livrança e depois aos da intitulada “autorização”, cujos relatórios foram juntos e dos quais não houve qualquer reclamação.

Designou-se e realizou-se, em 14-09-2020, a audiência de julgamento. No seu decurso, depois de prescindidas, pelos embargantes, as declarações de parte do co-executado A. C. e, pelo embargado, da sua testemunha S. S., foi junto por aqueles documento de registo predial comprovativo de que este vendeu o imóvel dado de hipoteca pelos mutuários em 4-6-2012 e, na resposta, foi esclarecido que este fora “adjudicado ao Banco” em 2011. Tomaram-se declarações à co-executada M. O. e a ambos os embargantes.

Por fim, foi proferida, com data de 20-10-2020, a sentença, na qual se decidiu julgar totalmente improcedente a oposição e foi determinado o prosseguimento da execução.

Os executados/embargantes não se conformaram e apelaram a esta Relação, tendo concluído deste modo as suas alegações de recurso:

“A. A Sentença em sindicância é nula por omissão de pronúncia.
B. Resulta como provado, da sentença a quo, o seguinte facto: “17) O imóvel foi vendido pela exequente, em 2012.06.04, conforme o teor da certidão predial que antecede e cujo teor se dá como integralmente reproduzido.”
C. Não obstante, o Tribunal a quo nada diz quanto à amortização do produto da venda/adjudicação do imóvel dado como hipoteca ao contrato de mútuo celebrado.
D. Resulta, ainda, como facto provado, da sentença recorrida, o seguinte: “18) “A venda mencionada em 17) foi efectuada sem a exequente prestar qualquer informação aos avalistas, nem lhes ter solicitado qualquer pagamento”.
E. A matéria foi invocada em sede de embargos e impugnado o valor pelo qual...

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