Acórdão nº 2112/20.5T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2112/20.5T8CSC.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA e BB intentaram uma acção declarativa contra CC e DD, pedindo que fosse considerado licitamente por si resolvido o contrato-promessa celebrado com estes a 14/05/2020, por factos imputáveis a estes e que os réus fossem condenados na restituição em dobro do sinal (144.000€ x 2) e no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, no montante de 79.102,40€, tudo acrescido de juros vincendos a contar desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que ajustaram com os réus um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia, tendo entregue àqueles, na qualidade de promitentes vendedores, 144.000€ a título de sinal. Porém, após a subscrição daquele ajuste vieram a ser surpreendidos pela descoberta, naquela moradia, de manchas de humidade e bolor que estavam ocultas/dissimuladas por móveis e que estavam disseminadas por todo o imóvel.

Por não confiarem nas explicações que foram adiantadas pelos réus – informaram que se tratavam de situações pontuais, justificadas pelo precedente Inverno e que a moradia estava bem conservada –, efectuaram uma inspecção técnica àquele bem, finda a qual se concluiu pela existência de defeitos estruturais, pela impossibilidade de ali desenvolver uma habitabilidade sã e pela existência de obras que não haviam sido licenciadas, sendo que a regularização de todas essas situações requereria a realização de obras no valor de 118.900€.

Nessa sequência, dirigiram aos réus uma interpelação admonitória, tendo estes, em resposta, confessado ter conhecimento do verdadeiro estado do imóvel, acabando, no entanto, por agendar a realização da escritura pública de compra e venda, ao que os autores replicaram com a resolução do contrato; porém, não obstante a eficácia da resolução contratual, os réus consideraram o contrato resolvido e fizeram seu o montante entregue a título de sinal. Referiram ter despendido 29.104,50€ com consultadorias e materiais que adquiriram para a remodelação da moradia, tendo-se sentido ansiosos, enganados e revoltados com todo o processo, avaliando em 50.000€ o valor de indemnização por danos não patrimoniais.

2. Os réus contestaram alegando que, mesmo no contexto pandémico que então se vivia e apesar de ainda residirem na moradia, disponibilizaram a moradia para que os autores a visitassem sempre que entendessem, que responderam a todos os esclarecimentos por aqueles solicitados e que lhes entregaram as telas finais, pelo que aqueles estavam em condições de aferir a questão do licenciamento camarário. Mais aduziram que, no contrato-promessa de compra e venda, os autores aceitaram que a moradia seria vendida no estado em que estava e a veracidade destes factos e que as manchas e humidade tiveram origem no entupimento do colector externo de águas pluviais, que, à data da realização da dita inspecção, a moradia se mantinha no estado em que fora prometida vender e que o prazo concedido jamais seria suficiente para a realização das obras ali elencadas. Referiram ainda que o valor obtido pela venda dessa moradia seria reinvestido na aquisição de um outro imóvel, o que implicava que a escritura de compra e venda daquela fosse realizada em momento anterior à formalização destoutro negócio. A falta de comparência à escritura agendada pelos réus determinou que os autores tivessem incorrido em incumprimento contratual definitivo.

E reconvieram, alegando que, em virtude do incumprimento protagonizado pelos autores, têm direito a fazer seu o montante recebido a título de sinal e que, por exigência dos promitentes vendedores da habitação que planeavam comprar e para obterem a prorrogação do prazo para a realização da respectiva escritura pública, tiveram que renegociar o preço para a sua aquisição, o qual acabou por se fixar em mais 40.000€ do que havia sido inicialmente acordado (o que implicou o pagamento de quantias adicionais a título de IMT e de imposto de selo), para o que tiveram que obter um empréstimo intercalar por via do qual se encontram adstritos a uma adicional amortização mensal no valor de 3.800€. Mais advogam que a moradia prometida vender aos autores foi vendida por valor inferior àquele que fora acordado com estes e que, para o efeito contrataram uma nova mediação imobiliária, no que despenderam 31.980€. Pugnaram pela absolvição dos pedidos contra si formulados, pelo reconhecimento do direito a fazerem sua a quantia entregue pelos autores e pela condenação destes no pagamento de indemnização no valor de 214.700€, acrescido dos juros vencidos e vincendos.

3. Os autores replicaram, impugnando os factos que sustentam a reconvenção e alegando que a indemnização peticionada não era acumulável com a retenção do sinal entregue e que os danos invocados não são imputáveis à sua conduta, tanto mais que o contrato-promessa de compra e venda já fora resolvido pelos autores. Concluíram pela improcedência da reconvenção.

4. Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra eles formulados pelos autores, e a julgar a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo-se que os réus têm direito a fazer seus os 144.000€ entregues pelos autores a título de sinal e princípio de pagamento e absolvendo os autores do demais pedido pelos réus. As custas foram fixadas em 40% pelos autores e 60% pelos réus.

5. Os autores recorrem desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que absolva os autores do pedido reconvencional e condene os réus ao pagamento do sinal em dobro, ou, subsidiariamente, condene os réus à restituição do sinal e ao pagamento de danos sofridos pelos autores -, impugnando alguns pontos da decisão da matéria de facto e a improcedência da acção e procedência da reconvenção.

6. Os réus contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso e pediram a rectificação das custas.

7. O Tribunal da Relação conheceu do recurso, tendo considerado que o seu objecto era o seguinte:

se deve ser alterada a decisão da matéria de facto e se os autores têm direito ao sinal e à indemnização pedidos e se os réus não têm o direito de ficarem com o sinal entregue pelos autores.”

8. Após análise, com alteração da matéria de facto, o Tribunal decidiu:

“Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente quanto aos pedidos formulados pelos autores, confirmando-se a improcedência da acção, e julga-se o recurso procedente quanto à reconvenção, revogando-se a sentença na parte em que a julgou parcialmente procedente e substituindo-a por esta decisão que agora julga a reconvenção totalmente improcedente e absolve os autores dos pedidos contra eles deduzidos pelos réus.

As custas da causa, na vertente de custas de parte (já que não há outras), são a suportar pelos autores em 50,72% e pelos réus em 49,29%.

As do recurso são a suportar pelos autores 2/3 e pelos réus em 1/3.”

9. Não se conformando com a decisão os RR. apresentaram recurso de revista, onde constam as seguintes conclusões (transcrição):

A. O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido no processo n.º 2112/20.5T8CSC.L1, que correu termos na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou parcialmente a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, confirmando a improcedência da ação, mas julgando o recurso dos Autores procedente quanto à reconvenção, e, em consequência, absolveu os autores dos pedidos contra eles deduzidos pelos réus.

B. Os Recorrentes não se conformam com o Acórdão na parte em que julgou a reconvenção improcedente e vêm interpor recurso de revista do mesmo por entenderem que o Tribunal da Relação fez uma aplicação errada (e ilegal) da lei, quer processual, quer substantiva, nomeadamente das regras de direito probatório, violando as normas constantes dos arts. 662.º, n.º 1 do CPC e 341.º e seguintes do CC, fazendo uma interpretação errada (e ilegal) dos regimes da resolução ilícita do contrato-promessa, da constituição da mora e incumprimento definitivo e do funcionamento do mecanismo do sinal e da compra e venda de coisa defeituosa, nomeadamente, das normas constantes dos 442.º, 801º, 805º e 913.º e seguintes do CC.

C. De facto, muito embora o Acórdão recorrido confirme o entendimento da 1ª instância de que os promitentes compradores resolveram ilicitamente contrato-promessa dos autos, entende que essa resolução ilícita não teve por efeito extinguir o vínculo existente, e impede o funcionamento do mecanismo do sinal pela contraparte não adimplente – os Réus – por força da aplicação do regime da compra e venda de coisas defeituosas aos promitentes vendedores, que, no entender da Relação, os obrigava a reparar antes da marcação da escritura uma alegada “lista de defeitos”, não obstante se tratar de um contrato celebrado entre particulares, relativamente a um imóvel construído há maisde40anoseprometido vender no estado de usado!

D.A revogação da sentença da 1ª instância, na parte em que havia julgado parcialmente a reconvenção dos Réus, resultou, assim, de um equívoco do Tribunal da Relação quanto à qualidade do imóvel objeto do contrato-prometido – imóvel em 3ª mão, no estado de usado, sem ter sofrido quaisquer obras ou remodelações pelo menos nos últimos 15 anos – e à qualidade dos vendedores – particulares, que utilizavam o imóvel como habitação própria permanente e se comprometeram a vender o imóvel no estado em que se encontrava – o que levou a uma interpretação enviesada da prova produzida nos autos e, sobretudo, à aplicação de uma jurisprudência que foi concebida para imóveis novos ou remodelados, por forma a proteger os consumidores de profissionais, como seja empresas de construção ou de remodelação que tenham realizado esse trabalho de forma defeituosa, o que manifestamente não é o caso dos autos.

E. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da...

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