Acórdão nº 2079/09.0TTPNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-07-2013
Data de Julgamento | 04 Julho 2013 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2079/09.0TTPNF.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1.
Em 6 de Novembro de 2009, no Tribunal do Trabalho de Penafiel, AA intentou acção declarativa, com processo comum, contra a Junta de Freguesia de Várzea de Ovelha e Aliviada, pedindo que fosse declarada nula a cláusula do contrato de trabalho celebrado, em 1 de Outubro de 2002, entre a autora e a ré e o mesmo convertido em contrato de trabalho sem termo certo ou incerto, devendo, se improcedesse tal pretensão, ser convertido o contrato de trabalho celebrado em 15 de Setembro de 2003 em contrato sem termo, por se considerar nula quer a cláusula que estipulou o termo quer as respectivas renovações. Em consequência disso, deverá condenar-se a ré a proceder à reintegração da autora no seu posto de trabalho e bem assim a pagar-lhe: i) a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais; ii) os salários devidos desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão. Finalmente, para o caso de se entender que o contrato de trabalho não se converteu em contrato sem termo, deverá a ré ser condenada a pagar à autora uma compensação pela não renovação no valor de € 1.922,40 e bem assim no pagamento de juros, a contar desde a citação até integral pagamento.
A, final, requereu a autora, ao abrigo do disposto no artigo 234º do Tratado da Comunidade Europeia, o reenvio prejudicial para o TJCE, a fim de este pronunciar-se quanto à interpretação da Directiva Comunitária nº 1999/70, do Conselho, de 28 de Junho, respeitante ao acordo-‑quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos de trabalho a termo, transposta para a nossa ordem jurídica pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, sugerindo, na oportunidade, três questões que o tribunal havia de colocar à apreciação do TJCE.
Para tanto, invocou a autora os seguintes fundamentos:
Em 1 de Outubro de 2002, a autora celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 10 meses, para desempenhar as funções de auxiliar de cozinha no Jardim-de-Infância de ..., cumprindo o horário de trabalho de 25 horas semanais, mediante a retribuição mensal de € 270.
Em 15 de Julho de 2003, findo o ano escolar, o Jardim-de-Infância encerrou para férias escolares.
Em 15 de Setembro de 2003, a autora e a ré celebraram um contrato de trabalho, com início em 15 de Setembro de 2003 e termo em 15 de Julho de 2004, para a primeira exercer iguais funções, mediante a retribuição de € 375, com o horário de trabalho de 35 horas semanais.
No final do ano lectivo, mais precisamente em 15 de Julho de 2004, o Jardim-de-Infância fechou para reabrir em 15 de Setembro de 2004, tendo, no entretanto, a autora permanecido em casa, com o compromisso de comparecer ao serviço em 15 de Setembro de 2004, sendo que não lhe foi comunicada a caducidade do contrato celebrado a termo.
Em 15 de Setembro de 2004, com a reabertura do ano escolar, a autora retomou as suas funções de auxiliar de cozinha e de apoio às crianças no prolongamento do horário escolar, tendo-lhe sido reduzida a retribuição para o montante de € 240,30 e bem assim o horário de trabalho para cinco horas diárias.
Esta situação repetiu-se ao longo dos anos que se sucederam, em que continuou a auferir a mesma retribuição e a ter idêntico horário de trabalho.
Em 15 de Setembro de 2008, a autora retomou as suas funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças da escola de ..., mantendo a retribuição de € 240,30.
No dia 15 de Outubro de 2008, realizou-se uma reunião entre a Junta de Freguesia e as trabalhadoras do Jardim-de Infância, tendo o Presidente da Junta de Freguesia proposto que assinassem um novo contrato de trabalho, de onde constava a data de 15 de Setembro, mas com novas cláusulas contratuais.
A autora recusou-se a assinar esse contrato de trabalho, enquanto que outras colegas o fizeram.
Acontece que, em 19 de Maio de 2009, a ré enviou à autora uma carta a comunicar-lhe a caducidade do contrato de trabalho para o dia 15 de Julho de 2009.
Em Julho de 2009, a ré pagou à autora a retribuição referente ao mês de Junho, no valor de € 286,07 e 15 dias de trabalho, respeitantes ao mês de Julho, no valor de € 160,72, e ainda € 174,11, referente ao subsídio de férias e €. 174,11 atinente ao subsídio de Natal.
A ré contestou (confira-se folhas 43 a 55), excepcionando a incompetência material do Tribunal do Trabalho e bem assim por impugnação. Mais requereu a intervenção acessória provocada do Município de Marco de Marco de Canavezes.
A acção prosseguiu seus termos e, após a realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, por parcialmente provada e, consequentemente:
- Declaro nulo o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré.
- Condeno a Ré a pagar à Autora todas as prestações que se liquidarem em execução de sentença, relativas às quantias que esta deixou de auferir desde o dia 6.10.2009 até 18.12.09, deduzidas das quantias que aquela haja recebido a título de subsídio de desemprego no decurso do referido período temporal, as quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social.»
Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão, lavrado de folhas 346 a 364, com um voto de vencido, negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida.
2.
É contra esta decisão que, agora, a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:
«1º A questão em apreço contende com interpretação da Directiva Comunitária n° 1999/70/CE, do Conselho de 28 de Julho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos a termo, transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei 99/2003, de 27-08;
2.° E por contender com a interpretação de direito da União Europeia, a recorrente requer o reenvio prejudicial ao abrigo do disposto no artigo 234.° do Tratado da Comunidade, para o TJCE a fim de se pronunciar quanto à interpretação da Directiva Comunitária n° 1999/70/CE, do Conselho de 28 de Julho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos a termo, transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei 99/2003, de 27-08;
3.° Uma vez que o Tribunal julga em última instância, esse reenvio é obrigatório, sob pena de não o fazendo, fazer incorrer o Estado-juiz em responsabilidade civil. (cfr. Acórdão Kobler de 2003);
4.° A questão em discussão já foi discutida no TJCE, para além do acórdão invocado na petição inicial, ainda nos Acórdãos Adeneler, de 4 de Julho de 2006, Acórdão Marrosu e Sardinbo, de 7 de Setembro de 2006, Processo n.° C-53/04 e Acórdão Vassallo, de 7 de Setembro de 2006, Processo n° C-180/04;
5.° Da jurisprudência mais recente do TJCE quanto à interpretação da referida Directiva 1999/70/CE, resulta que as disposições do acordo-quadro também se aplicam aos contratos e relações de trabalho a termo celebrados com as administrações e outras entidades do sector público;
6.° Perante isto, impõe-se proceder ao referido reenvio prejudicial, na medida em que a decisão final não teve em conta sequer o Direito da União Europeia.
7.° Portugal, com a sua integração na então Comunidade Económica Europeia, actual, União Europeia, está vinculado aos compromissos que assumiu e que constam dos Tratados;
8.° A questão de facto em apreço já foi julgada em diversos Tribunais Nacionais que adoptaram o entendimento sufragado pelo TJCE, diga-se a título de exemplo:
Acórdão proferido em 4/7/2006, publicado na CJ do ST de 2006, T. II, pag. 11-22, pode ler-se o seguinte que "Directiva Comunitária 1999/70 e o acordo-quadro são igualmente aplicáveis aos contratos ou relações de trabalho a termo celebrados com os órgãos da administração e outras entidades do sector público"
"Como resulta da própria redacção do artigo 20º, n°1, do acordo-quadro, o seu âmbito de aplicação é concebido de modo amplo, abrangendo, de modo geral, os «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos peia lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado-Membro». Além disso, o conceito de «trabalhador contratado a termo», na acepção do acordo quadro, enunciado no-seu artigo 30º, n° 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção de acordo com a natureza pública ou privada da sua entidade patronal"
"O acordo-quadro deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que a ordem jurídica do Estado-Membro em causa não preveja, para o sector em questão, outra medida efectiva para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, o acordo-quadro se opõe à aplicação de uma legislação nacional que proíbe de modo absoluto, apenas no sector público, a conversão em contratos sem termo de contratos de trabalho a termo sucessivos que, de facto, se destinaram a satisfazer «necessidades estáveis e duradouras» da entidade patronal e devem ser considerados abusivos
O acórdão do STJ de 24-05-2006 que refere " a natureza de instituto público da Ré não era impeditiva, por si só, da celebração de um contrato de trabalho a termo com a autora, segundo o regime da LCCT...estando o contrato em causa sujeito ao regime da LCCT a falta de alusão expressa da factualidade real e concreta da necessidade da contratação a termo torna nula a estipulação do termo, o que leva à sua conversão em contrato sem termo".
9.° Dispõe o artº 4º do Tratado de Lisboa que a União Europeia e os Estados Membros, respeitam-se mutuamente, no cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados. Os Estados estão, por isso, obrigados a adoptar medidas necessárias para atingir os objectivos dos Tratados, e estão obrigados a não adoptar medidas que coloquem em causa esses objectivos.
É a consagração do Princípio da Lealdade Europeia. Os Estados respeitam-se mutuamente e obrigam-se a...
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