Acórdão nº 2078/12.5TBPBL.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-03-2019

Data de Julgamento28 Março 2019
Case OutcomeINDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Classe processualREVISTA
Número Acordão2078/12.5TBPBL.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

AA e sua filha menor BB, esta representada por aquela, intentaram contra Companhia de Seguros CC, S.A. (actualmente DD de Seguros, SA) acção com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de total de € 97.358,18, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento, assim descriminada:

(i) € 50.000 pela perda do direito à vida;

(ii) € 10.000 pelos danos morais sofridos pela própria vítima nos momentos que antecederam a sua morte;

(iii) € 20.000 e € 15.000 pelos danos morais sofridos, respectivamente, pelas Autoras viúva e filha; e

(iv) € 2.358,18 a título de despesas de funeral, correspondente à diferença entre o que despenderam e o que foi liquidado pela seguradora do acidente de trabalho.

Alegaram, em síntese, que as autoras são as únicas e universais herdeiras de EE, respectivamente marido e pai destas, falecido em consequência de acidente de viação ocorrido em Espanha, quando conduzia um veículo pesado articulado (com reboque), por conta da proprietária do veículo, a “Sociedade FF, Ldª, sob cuja autoridade, direcção e fiscalização exercia funções de motorista.

Tal acidente consistiu no despiste desse veículo – seguro na R., seja quanto a seguro obrigatório automóvel, seja quanto à cobertura facultativa de “ocupantes da viatura” – que, em auto-estrada, saindo da via pelo lado direito atento o seu sentido de marcha, foi embater na barreira lateral, após o que caiu num precipício e sofreu explosão.

Das lesões assim sofridas resultou a morte do dito condutor, não tendo sido possível determinar em que circunstâncias se verificou o despiste.

Sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, correu termos processo laboral, no âmbito do qual as autoras receberam a quantia de € 3.600,00 a título de despesas de funeral, sendo, porém, que despenderam neste € 5.958,12, pedindo agora a diferença.

A ré contestou, recusando a responsabilidade pelo acidente de viação, invocando que as autoras não são “terceiros/lesados” para efeitos de seguro obrigatório automóvel, ficando excluídos da cobertura do seguro os danos sofridos pelo motorista do veículo causador do acidente e todos os danos decorrentes daqueles, excepcionando a prescrição do direito indemnizatório, afirmando a culpa do condutor do veículo no despiste ocorrido, e concluindo pela sua total absolvição.

Na réplica, as autoras vieram pugnar pela improcedência da deduzida excepção da prescrição.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição.

Foi proferida sentença em 08.12.2015 (fls 1933 a 1954), julgando a acção parcialmente procedente, assim condenando a ré a pagar:

“I - A ambas autoras a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pela perda do direito à vida de EE, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento;

II- À autora AA a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento;

III- À autora BB a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento;

IV- A ambas as autoras a quantia de € 2.358,12 […] (dois mil trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento».

De tal sentença recorreu a ré, tendo sido proferido um primeiro acórdão, datado de 15.11.2016 (fls 2032 a 2046) que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Interposto recurso de revista pelas autoras foi, ao abrigo do artº 656º do CPC, proferida decisão sumária pelo anterior Relator no STJ em 31.05.2017 (fls 2101 a 2104), a anular o acórdão recorrido e a determinar a baixa dos autos ao tribunal da Relação a fim de ser apreciada a impugnação da matéria de facto suscitada nas contra-alegações em sede de ampliação do âmbito do recurso, por tal questão constituir condição prévia necessária à apreciação do recurso de revista pelo STJ.

Proferido novo acórdão pela Relação que, após ter apreciado a mencionada impugnação da matéria de facto, concluindo pela sua alteração parcial em medida praticamente irrelevante, decidiu no mesmo sentido, julgando improcedente a acção.

Deste novo acórdão interpuseram as autoras novo recurso de revista pedindo a confirmação da sentença proferida pela 1ª instância, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES:

I. O presente recurso de revista tem como fundamento a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, nos termos do artº 674º nº 1, alínea a), do CPC, tendo o acórdão recorrido feito incorrecta interpretação de factos provados e incorrecta subsunção dos mesmos às normas legais contidas nos artigos 350°, n° 2, 496°, n° 2, 500°, 503°, n° 1, todos do CC.

II. Pois decidiu-se no acórdão recorrido que « (...) verificada a relação de comissão entre o falecido motorista a ser condutor por conta de outrem (a sua entidade patronal) -, e não determinada a causa concreta do despiste ocorrido, de que resultou a morte desse condutor, por não ter sido, manifestamente, ilidida a presunção de culpa, já que nada mostra que o acidente não resultou de culpa do mencionado motorista (cfr. artº 350º, nº 2, do CC).

Em suma, o acidente tem de ser imputado a título de culpa presumida - não ilidida (mencionado artº 503º, nº 3, primeira parte, do C.Civ.) - do próprio condutor sinistrado, que nele perdeu a vida»

III. Foi apreciada e definitivamente fixada a matéria de facto, pelo douto acórdão de que se recorre, nos seguintes termos:

- Factos Provados:

«- Por motivos não concretamente apurados, o veículo colidiu com a barreira lateral semi-rígida situada do lado direito, atento o seu sentido de marcha, destruindo a mesma, despenhando-se de seguida sobre o leito do riacho localizado no fundo do viaduto, incendiando-se de imediato.

- No dia do acidente, o falecido EE, havia saído de Pombal, pelas 5 horas da manhã, hora portuguesa, tendo percorrido até ao local do acidente uma distância de cerca de 500km.)

- Factos Não Provados:

«- Momentos antes do acidente o veículo acidentado tenha obliquado para a direita, tenha começado a balouçar e o reboque tenha oscilado para a esquerda;

- EE tenha iniciado a viagem às 6 horas da manhã, hora portuguesa, 7 horas da manhã, hora espanhola, dando-se o acidente volvidas 5 horas e 35 minutos desde que iniciara a viagem;

- EE tenha feito o percurso referido em 10, de modo ininterrupto, sem ter feito qualquer paragem e sem ter feito qualquer paragem técnica para descanso regulamentar;

- O facto referido em 9, ocorreu porquanto EE não conseguiu, por falta de atenção e cuidado e por cansaço e sonolência, manobrar o veículo por forma a evitar que este saísse da via e se despenhasse no precipício.»

PRESUNÇÃO DE CULPA DO CONDUTOR

IV. Dos factos não resultou provada a alegada responsabilidade civil por facto ilícito do condutor do veículo, não se mostrando verificados os legais pressupostos do artº 483º do Código Civil.

V. Não foi possível determinar os motivos concretos em que o acidente se verificou.

VI. As presunções tantum iuris podem ser ilididas por prova em contrário e resultam provados elementos do processo de que a presunção de culpa do condutor do veículo foi ilidida.

VII. Nenhum factualismo se provou, do qual se possa imputar ao condutor do veículo, por comportamento activo ou omissivo, na produção do acidente em termos de causalidade adequada, por culpa ou negligência.

VIII. Pelo contrário, são factos provados que o condutor cumpriu todos os requisitos necessários para uma condução regular, dentro das normas legais estradais e especialmente de segurança rodoviária, nomeadamente:

a) O condutor do veículo saiu de Pombal pelas 5 horas da manhã (hora portuguesa).

b) O acidente ocorreu às 11 horas e 35 minutos (hora portuguesa), volvidas 6 horas e 35 minutos, desde que o condutor iniciara a viagem.

c) Sendo a distância existente entre o ponto de origem e o do acidente entre 480 km a 500 km, segundo o percurso percorrido, tendo em conta a diferença horária em Portugal e Espanha (1 hora), e a velocidade máxima a que o veículo podia circular (90 km/h).

d) Desde o início do trajecto até ao local do acidente, passaram 6 horas e 35 minutos, espaço e tempo que se coaduna com o respeito da parte do condutor do descanso regulamentado de 45 minutos, por cada 4 horas e meia de condução.

e) O veículo incendiou-se de imediato após o acidente, o que, com as dimensões do mesmo, permite concluir que o camião tinha o depósito cheio, e que consequentemente o condutor efectuou o descanso obrigatório no posto de abastecimento de combustível de Santo Espírito.

f) O condutor tinha três anos de experiência profissional e era conhecedor do percurso efectuado.

g) O condutor nunca tinha sido interveniente noutro acidente de viação ou em qualquer processo contra-ordenacional.

h) O condutor era pessoa cuidadosa e preocupada no bom desempenho das suas funções.

IX. Dos factos provados relativamente ao percurso, à condução e à experiência do condutor apenas se pode concluir que o acidente não ocorreu devido a sonolência, cansaço ou imperícia do condutor.

X. Demonstrou-se sem qualquer dúvida pelos elementos carreados para os autos e vários elementos fáticos dados como provados que o facto presumido – culpa do condutor – não se verificou.

XI. Todos os factos provados demonstram ser verosímil ter-se produzido o dano, sem culpa do condutor.

XII. Não estão demonstrados factos que...

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