Acórdão nº 2071/10.2YYLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Case OutcomeREMETER OS AUTOS À FORMAÇÃO DE JUÍZES A QUE ALUDE O Nº. 3 DO ARTº. 672º DO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL.
Classe processualREVISTA
Número Acordão2071/10.2YYLSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*

No âmbito da presente execução intentada pela Amorim Holding II, SGPS, S.A. contra os Executados Bragaparques – Estacionamentos, S.A. e outros, veio o Agente de Execução a 9.6.2018 apresentar cálculo quanto às quantias consideradas em dívida, discriminando o capital, valor dos juros vencidos e valor devido a título de sanção pecuniária compulsória, bem como a liquidação dos seus honorários, calculando a quantia exequenda à data de 30.06.2018 em € 7.089.073,48 conforme documento com 6 páginas que anexa, sugerindo que tal valor fosse pago diretamente à Exequente que liquidaria os honorários devidos ao AE e a sanção compulsória devida ao Estado.

Deste requerimento vieram os executados reclamar, invocando a errónea quantificação dos montantes liquidados e requerer a revisão da nota discriminativa de despesas e honorários do AE.

A exequente veio pronunciar-se no sentido de ser julgada improcedente a reclamação, requerendo a notificação dos executados para procederem ao pagamento das quantias em dívida.

A 5.7.2018 veio em resposta o AE apresentar no processo requerimento a reiterar a correção dos cálculos que apresentou em 9.6.2018.

A 31.10.2018 o tribunal proferiu decisão sobre estas questões controvertidas, concluindo que a liquidação dos juros apresentada se mostra feita de acordo com o título executivo; que a sanção pecuniária compulsória incide sobre 5 milhões de euros até 29.3. 2012 e a partir desta data sobre 2 milhões de euros, tal como liquidado pelo AE, aceitando também a liquidação dos honorários apresentada. Mais convidou os executados a fazer prova do cumprimento da obrigação, sob pena de se efetuar o pagamento acionando a caução.

Com esta decisão os executados não se conformaram e dela vieram interpor recurso para a Relação pedindo a sua revogação e substituição por outra que cumpra o teor e o alcance do título executivo, juntando Parecer do Ilustre Professor Doutor Jorge Sinde Monteiro.

O AE veio responder ao recurso, na parte em que incidiu sobre a impugnação dos honorários por si reclamados, pedindo que se julgasse a sua improcedência, confirmando-se a decisão recorrida.

Também a exequente veio responder ao recurso, restringindo-o às questões relativas à liquidação da quantia exequenda, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão proferida.

Por requerimento de 7.12.2018 vieram os executados informar que já tinham efectuado o pagamento da quantia que entendiam ser devida, no montante global de € 4.442.471,62 solicitando que a garantia bancária prestada no âmbito da execução fosse correspondentemente reduzida e que fosse sustido o seu acionamento por parte da exequente.

A exequente pronunciou-se no sentido de que fosse indeferido o pedido de redução da garantia bancária, mais requerendo a notificação do Banco para tornar efetiva a garantia pelo valor de € 2.754.218,52.

Sobre esta questão foi a 30.1.2019 proferido despacho de indeferimento do requerido pelos executados, mantendo a caução.

Por também não se conformarem com esta decisão, vieram os Executados interpor recurso da mesma, pugnando a exequente, na resposta, pela manutenção da decisão recorrida.

Apreciando os recursos interpostos, a Relação decidiu da seguinte forma:

“- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Executados do despacho de 31/10/2018, revogando-se o mesmo na parte em que admite a contabilização da remuneração adicional do Agente de Execução, que se substitui por outro que não admite a liquidação daquela remuneração adicional apresentada, confirmando-se aquele despacho em tudo o mais; [sublinhado nosso]

- julgar procedente o recurso interposto do despacho de 30/01/2019, revogando-se o mesmo, que se substitui por outro que admite a redução da garantia bancária prestada pelos Executados, no valor de € 4.442.471,62 correspondente ao pagamento efetuado.

As custas do primeiro recurso são devidas pelos Executados e pelo Agente de Execução na proporção em que decaíram.

As custas do segundo recurso são pela Exequente que nele decaiu. Notifique.”

Notificados de tal acórdão, vieram, em 6.1.2020, os recorrentes Bragaparques-Estacionamentos, S.A. e outros, ao abrigo do art. 613º nº 2 do CPC, requerer o suprimento de uma omissão que qualificaram de lapso manifesto ou, se assim não se entendesse, da nulidade a que alude o art. 615º n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia, argumentando que o tribunal não se tinha pronunciado sobre o pedido por si apresentado e que constava da al. O) das conclusões do recurso, em que pedia a correção do valor da acção.

Em conferência de 6.2.2020, a Relação desatendeu o pedido de rectificação e declaração de nulidade do acórdão.

Inconformados com os segmentos da parte decisória em que decaíram vieram, também, os executados interpor recurso de revista excepcional, em 16.1.2020, pedindo que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso, dado que o prosseguimento da execução, sem estarem resolvidas as questões suscitadas, era totalmente inútil e impunha aos recorrentes o pagamento imediato de avultada quantia em dinheiro, com as consequências daí decorrentes para a atividade comercial que prosseguem.

Formularam, para o efeito, as seguintes conclusões:

“A) Os Recorrentes não se conformam com a nota de liquidação que fez incidir juros de mora legais sobre a quantia de € 5.000.000.000,00, no período compreendido entre 07/07/2006 (data da citação dos RR na 1a ação arbitral) e 29/03/2012 (data do Acórdão do TCA Sul, considerado facto jurídico superveniente na 2a ação arbitral); e ainda

B) Não podem aceitar que, no caso sub judice, os mesmos incidam sobre a quantia de € 5.000.000.000,00, a qual, por ter assentado num erro de prognose judicialmente reconhecido, foi reduzida para € 2.000.000,00, por Acórdão arbitral de 26/03/2015 proferido em ação modificativa do Acórdão anterior;

C) Ou seja, os Recorrentes não podem conformar-se com a liquidação de juros compulsórios sobre a quantia de € 5.000.000,00 de 14/07/2009 (data do 1o acórdão arbitral) até 29/03/2012;

D) A interpretação de uma qualquer decisão judicial em que esteja em causa se o seu teor é claro ou se necessita de ser coadjuvado por outros dados constantes da fundamentação, tem de ser feita caso a caso e não há jurisprudência ou doutrina que possa substituir-se ao critério do julgador a quem é pedido que aprecie a questão

E) O Acórdão recorrido entra em flagrante contradição quando afirma que "importa ter em conta, em primeira linha, o teor do próprio texto escrito que a formaliza, não podendo retirar-se um sentido que nele não tenha um mínimo de correspondência" para, a final, invocando uma parte restrita e ambígua da fundamentação, subverter por completo o segmento decisório que, especificadamente, diz a partir de que momento se inicia a contagem dos juros moratórios sobre € 5.000.000,00 e o momento em que acaba;

F) A admitir-se que, através de uma fundamentação tortuosa e rebuscada, qualquer tribunal de recurso possa vir a ultrapassar e subverter o teor literal, claro e límpido, de uma decisão judicial, ficará aberto o caminho para uma sucessão de outros casos pondo em causa a confiança na aplicação do Direito e a segurança no sistema de justiça;

G) Por esse motivo, a apreciação desta questão por parte do Supremo Tribunal de Justiça é imprescindível para uma melhor aplicação do direito, encontrando-se, desse modo, preenchido o requisito de admissibilidade da revista, ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 672° do CPC;

H) A complexidade das questões que se colocam nos presentes autos resulta da existência de dois acórdãos arbitrais - tendo o segundo sido proferido em ação modificativa do primeiro - ambos transitados em julgado, e constituindo, por isso, dois títulos executivos sucessivos;

I) Não podem os Recorrentes ficar obrigados a pagar juros compulsórios - que servem para induzir ao cumprimento de uma prestação - quando é certo que tal prestação deixou de ser exigível - não sendo exigível a dívida, também não podem ser liquidados juros sobre o seu montante, com o objetivo único de obrigar o devedor a cumprir aquilo que já não tem obrigação de cumprir;

J) Trata-se de uma questão nova, por se tratar de uma sucessão de títulos executivos e, do ponto de vista da efetivação do direito e materialização da justiça, importa que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie para que se fique a saber o que valem e como se conjugam esses mesmos títulos executivos na fase da liquidação final da execução;

K) Esta apreciação é imprescindível para uma melhor aplicação do direito, encontrando-se, assim, preenchido o requisito de admissibilidade da revista, ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 672° do CPC;

L) Acresce que a possibilidade de situações semelhantes se virem a colocar no futuro ganha particular pertinência num tempo em aceleração e mutação crescentes, que proporciona a formação de juízos de prognose com forte probabilidade de se revelarem incorretos no curto e médio prazo, dando lugar a ações modificativas, arbitrais ou estaduais;

M) E será então necessário saber como conciliar duas decisões transitadas em julgado, que dão origem a dois títulos executivos, com conteúdo total ou parcialmente diverso;

N) Assim sendo, por se encontrar de igual modo verificado o requisito constante do artigo 672°, n° 1, alínea b) do CPC, deve o presente recurso de revista ser admitido;

O) Para o Tribunal recorrido a questão controvertida sobre os juros moratórios "é então a de saber, à luz do acórdão modificativo que constitui o título executivo a que temos de nos ater, se e em que medida devem ser contabilizados os juros de mora, concretamente os juros de mora do período que medeia entre a citação dos RR. na primeira ação arbitral e a prolação da decisão nessa ação, aos quais o segundo acórdão arbitral não aludiu expressamente na parte decisória"

P) Ora, a...

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