Acórdão nº 2044/08.5TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-04-2013
Data de Julgamento | 16 Abril 2013 |
Case Outcome | CONCEDIDA EM PARTE |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2044/08.5TBPVZ.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
AA e BB propuseram uma acção ordinária contra CC, pedindo que a ré seja condenada a cumprir o contrato-promessa celebrado com a autora, assinando por si ou por intermédio de terceiro a respectiva escritura pública, ou mediante o suprimento dessa recusa pelo próprio tribunal, bem como a pagar aos autores a compensação pecuniária estipulada no ponto 8) do contrato por incumprimento do mesmo, já verificado.
Citada, a ré não contestou.
Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a “celebrar o contrato definitivo correspondente ao contrato promessa dos autos, substituindo a presente decisão a declaração de venda a proferir pela ré na escritura de compra e venda a realizar entre as partes relativa ao quinhão hereditário da ré por óbito de sua mãe DD, falecida em 24/2/04, pelo preço total de 54.864,05 €, já integralmente pago”, e a “pagar aos autores indemnização o valor de 54.864,05 €”.
A ré apelou e a Relação de Lisboa, dando provimento parcial ao recurso, decidiu assim:
“Julga-se parcialmente procedente a acção, condenando-se a ré da CC a pagar à autora AA a quantia de € 54.864,05, a título de indemnização por não cumprimento do contrato-promessa, absolvendo-se a ré da totalidade do pedido formulado pelo autor BB e do restante pedido formulado pela autora AA” (fls 199).
Ambas as partes arguiram nulidades deste aresto - que a Relação, por acórdão de 6/12/12 (fls 341 e sgs) indeferiu na totalidade - depois, inconformadas, recorreram de revista, os autores defendendo a reposição da sentença da 1ª instância e a ré sustentando a total improcedência da causa e a sua consequente absolvição do pedido.
As extensas alegações e conclusões dos recursos suscitam, em resumo, as seguintes questões úteis:
Revista dos autores:
1ª) Ao concluir que as partes pretenderam com a cláusula 8ª afastar a execução específica do contrato a Relação errou, pois estabeleceu-se a cláusula penal para compensar os contraentes não faltosos dos danos causados pela mora no cumprimento e não pelo incumprimento definitivo, sendo certo que subsiste o interesse dos recorrentes na prestação e esta é possível;
2ª) A presunção do artº 830º, nº 2, CC foi ilidida por confissão da própria ré ao não contestar a acção para que foi regularmente citada;
Revista da ré:
1ª) Na parte em que confirmou a sentença o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artº 668º, nº 1, e), CPC, por desconformidade entre o objecto do pedido e a condenação proferida;
2ª) O efeito da revelia fixado no artº 484º, nº 1, CPC, não se aplica no caso presente porque ocorre a hipótese prevista no artº 485º, c), do mesmo diploma – a vontade das partes é ineficaz para se obter o efeito jurídico que pela acção se pretende obter;
3ª) No caso dos autos o contrato promessa ajuizado é nulo, atento o disposto no artº 2028º, nº 2, CC, por configurar um contrato sucessório;
4ª) Mesmo que assim não se entenda, o contrato é nulo, nos termos do artº 281º CC, já que ao celebrarem um contrato promessa de alienação de um quinhão hereditário por morte da mãe de ambas, autora e ré estão a realizar um negócio cuja plena eficácia pressupõe a morte daquela, ao tempo ainda viva (a sua morte ocorreu cerca de sete anos depois);
5ª) Sem prescindir das duas conclusões anteriores, a execução específica não é possível no caso dos autos porque a isso se opõe a natureza da obrigação assumida (artº 830º, nº 1, CC);
6ª) Sendo nulo o contrato promessa – obrigação principal – nula é também a cláusula penal estipulada, atento o artº 810º, nº 2, CC;
7ª) Uma vez que as partes estipularam a cláusula penal somente para o caso de não cumprimento definitivo, excluindo a mora, deve aplicar-se o disposto no artº 811º, nº 1, CC, o que determina, no caso, a nulidade da pena;
8ª) No caso presente não existe sinal e, ainda que existisse, não se verifica o condicionalismo do artº 442º, nº 4, CC;
Cada uma das partes respondeu à revista da parte contrária, defendendo a sua improcedência.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. Fundamentação
a) Matéria de Facto
A Relação considerou provados os seguintes factos:
1) Autora e ré celebraram contrato-promessa de compra e venda em 10/7/97, pelo qual a ré prometeu vender o seu quinhão hereditário por óbito de sua mãe a favor da autora pelo preço total de dez milhões, novecentos e noventa e nove mil e duzentos e cinquenta escudos, à data e segundo avaliação efectuada no momento, o que agora, na moeda corrente, equivale por mera conversão a 54.864,05 €;
2) Nesse contrato foi a totalidade do preço paga de imediato pelos autores;
3) Ambas as partes concordaram no texto do mesmo documento que a escritura pública seria realizada logo que a ré fosse notificada para o efeito;
4) Foram efectuadas várias notificações, sem que a ré se dispusesse a celebrar o contrato;
5) E agora, já em Abril de 2008, foi a ré notificada para assinar a escritura, tendo concordado e dado origem à marcação da mesma, sem qualquer resultado, pois a mesma faltou sem qualquer justificação na data marcada, em 28/4/08, e para a qual estava devidamente informada e notificada;
6) Na cláusula 8ª as partes fixaram “como reforço legal, para o caso do não cumprimento, a cargo do faltoso, uma cláusula penal de valor igual ao preço do contrato, ou seja, 10.999.250$00” (equivalente a 54.864,05 €);
7) Com tal atitude da ré os autores encontram-se sem o respectivo valor do contrato e não podem com isso ocupar no processo de partilhas a posição da ré na parte do quinhão hereditário prometido vender;
8) Mas, por outro lado, a ré continua com esse mesmo direito e mantém todo o dinheiro recebido na sua posse e em seu proveito;
9) Os autores sofrem com toda esta situação e sentem mesmo revolta por estarem a ser enganados desta forma pela própria irmã e cunhada que sempre quiseram ajudar, tendo com tudo isto, perdas irreparáveis nos negócios e investimentos feitos com a CC;
10) A escritura pública aqui prometida poderia ter sido realizada após o falecimento da mãe da ré e da autora, o qual se verificou em 24/2/04.
b) Matéria de Direito
1. Começando pelas questões de natureza processual postas nas duas primeiras conclusões da revista da ré, diremos que ambas improcedem.
Efectivamente, não ocorre a nulidade prevista no artº 668º, nº 1, e), CPC - condenação em objecto diverso do pedido - pela razão simples, mas decisiva, de que o acórdão recorrido, contrariamente ao alegado pela ré, não confirmou, antes revogou a sentença da 1ª instância na parte em que esta julgou procedente o pedido de execução específica do contrato alegadamente (na tese da ré) não formulado pelos autores.
Quanto à não aplicação dos efeitos da revelia previstos no artº 484º, nº 1, CPC, por se estar em presença da hipótese prevista no artº 485º, c), - ineficácia da vontade das partes para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter – importa desfazer o equívoco em que a ré persiste. Na verdade, uma coisa são as consequências, ao nível dos factos, da falta de contestação do réu, e outra, inteiramente distinta, é o julgamento de mérito da causa que tem lugar em função da matéria de facto apurada. A falta de contestação importa somente a confissão dos factos articulados pelo autor (nº 1 do artº 484º). Por isso a lei diz, no nº 2 do mesmo preceito, que o juiz profere de seguida sentença “conforme for de direito”, significando isto, basicamente, que a circunstância de se considerarem assentes os factos articulados na petição inicial por virtude da ausência de contestação do réu não determina necessariamente a procedência dos pedidos, já que o efeito cominatório se circunscreve à admissão (reconhecimento) daquela...
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