Acórdão nº 2027/16.1T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30-05-2018
Data de Julgamento | 30 Maio 2018 |
Número Acordão | 2027/16.1T8CHV.G1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
R. P., residente na Rua …, Boticas, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra A. P., residente em …, Boticas, pedindo que se:
a- declare que a autora e o réu viveram em união de facto, como se de marido e mulher se tratasse, de novembro de 1995 a agosto de 2015;
b- declare que durante esse período em que viveram em união de facto, a autora e o réu exerceram em comunhão e conjugação de esforços, tipo sociedade de facto, a indústria de compra, corte, transformação e venda de lenha;
c- declare que foi dessa atividade exercida em conjunto e conjugação de esforços que a autora e o réu angariaram o dinheiro com que construíram a casa e o armazém referidos nos nºs 13º e 14º PI, e pagaram o preço dos bens móveis e imóveis que adquiriram referidos nos nºs 17º a 23º e o dinheiro constante das contas bancárias referidas nos nºs 27º a 30º, todos da PI;
d- declare em consequência, que todos os bens referidos na alínea anterior pertencem em compropriedade, na proporção de metade para cada um, à autora e ao réu;
e- declare que, após o fim da situação de união de facto, o réu vendeu e fez seu em exclusivo, o produto da venda de dez cargas de lenha que pertenciam em compropriedade, na proporção de metade, à autora e ao réu.
f- condene o réu a reconhecer os pedidos formulados em a, b, c, d e e.
Para tanto alega, em síntese, ter vivido com o Réu como se de marido e mulher se tratasse, em união de facto, de novembro de 1995 a agosto de 2015, sendo que nos primeiros anos dessa união residiram numa casa da Autora, em …, Boticas, e depois foram residir num barraco, propriedade do Réu, em … Boticas, tendo desta relação nascido em 11/10/1998, um filho;
Nos primeiros meses de vida em comum, Autora e Réu trabalhavam por conta de outrem, na floresta, a cortar mato;
De seguida passaram a ter uma atividade industrial de corte e venda de lenha, conjuntamente e em comunhão de esforços, numa espécie de sociedade irregular de facto entre Autora e Réu;
Além de cuidar da casa e da família, a Autora participava naquela atividade que ela e o Réu exerciam em conjugação de esforços e de meios, indo para o monte cortar e carregar lenha com o Réu e acompanhando-o nas entregas de lenha aos clientes;
O barraco em que o casal residia não reunia condições de habitabilidade, encontrando-se edificado num terreno doado ao Réu pela Junta de Freguesia X, …;
Após o nascimento do 1º filho, a Autora e o Réu iniciaram a construção de uma casa nesse mesmo terreno, para que utilizaram os lucros obtidos na atividade industrial que exerciam em conjunto e em comunhão e conjugação de esforços na referida sociedade irregular, estando atualmente essa casa inscrita na matriz no art. 624º e o armazém para recolha de lenhas e alfaias agrícolas, que também edificaram no mesmo terreno, no art. 625º;
Autora e Réu compraram em comum e em partes iguais os móveis, apetrechos e eletrodomésticos necessários à economia familiar, como frigorífico, máquina de lavar roupa, televisor, e outros;
Para poderem exercer a atividade industrial acima referida, Autora e Réu compraram, em compropriedade, na proporção de metade para cada um, um veículo ligeiro de passageiros, de marca “Fiat”, modelo “Brava”, matrícula JS, em 2012, pelo preço de 500,00 euros; um outro veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Toyota”, modelo 280, matrícula LT, em 2012, pelo preço de 750,00 euros; e um veículo ligeiro de mercadorias da marca “Mitsubishi”, modelo L200, matrícula OX, em 2015, pelo preço de 750,00 euros;
E compraram dois prédios rústicos, montes, para a sociedade irregular poder cortar e tratar a lenha neles existente, para depois a vender, prédios esses que se encontram inscritos na matriz sob os arts. 2676º e 3939º, e que foram comprados em nome do Réu, mas pagos com dinheiro de ambos;
Também compraram dois tratores e um atrelado, em nome da Autora, sendo um de matrícula QG e outro de matrícula LO e ainda um rachador de lenha e um roçador de mato e lenha, que funcionavam acoplados ao trator;
O preço da compra dos dois prédios rústicos e dos cinco veículos, do rachador e do roçador foram pagos com dinheiro do Réu e da Autora, em parte iguais;
Durante esta união de facto, em 17/06/2009, nasceu ao casal um segundo filho;
A provar a união estável e a existência da sociedade de facto para o exercício, em conjunto, da atividade industrial de corte, transformação e lenha, Autora e Réu titulavam uma conta bancária solidária, na Banco C, balcão de Boticas, sendo ainda a Autora titular de uma conta aberta no BANCO A, estando o Réu autorizado a movimentar esta conta;
Nessas contas era depositado todo o dinheiro ganho na atividade industrial do casal, sendo dessa conta que era retirado o dinheiro necessário para satisfazer as necessidades do dia-a-dia do seu agregado familiar e para fazer face às despesas com a atividade industrial exercida em conjunto por Autora e Réu;
Em agosto de 2015, o Réu abandonou a casa onde vivia com a Autora e os filhos e foi viver com outra mulher;
Antes de abandonar a Autora e os filhos, o Réu transferiu o dinheiro que se encontrava depositado no Banco A, no montante de 6.000,00 euros, para a conta de ambos da Banco C e, de seguida, levantou e fez seu todo o dinheiro existente nesta conta;
O Réu vendeu e fez seu, em exclusivo, o produto dessa venda, dez cargas de lenha, avaliadas em 3.500,00 euros.
O Réu contestou impugnando a quase totalidade da factualidade aduzida pela Autora, sustentando que a generalidade dos bens identificados pela Autora são apenas de sua propriedade, nunca tendo aquela exercido em conjunto consigo a referida atividade industrial de corte e venda de lenhas.
Conclui pedindo que seja absolvido do pedido.
Por despacho proferido a fls. 64, notificou-se as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual exceção da ineptidão da petição inicial, as quais nada disseram.
Dispensou-se implicitamente a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, em que se julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, com fundamento em contradição entre pedidos e respetiva causa de pedir aduzidos pela Autora e, bem assim por cumulação real de pedidos substancialmente incompatíveis, tendo-se absolvida o Réu da instância, constando a parte dispositiva dessa decisão dos seguintes termos:
“Deste modo, julgo verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e em consequência absolvo o Réu A. P. da instância (artigos 287º, n.º 1, alínea b), 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Custas pelas Autora”.
Inconformada com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
I- A autora alega que fruto da convivência entre ela e o réu em união de facto e como de marido e mulher constituíram família.
II- Alega, ainda, que fruto dessa união de facto em conjugação de esforços, nomeadamente de dinheiro, foi constituído um património comum, em compropriedade.
III- Pretende ver declarado que viveu em comum com o réu, que também com o seu trabalho e dinheiro foi construído esse património comum.
IV- Pretende que seja feita justiça e que o tribunal declare isso mesmo, isto é, pretende que seja declarado que todo património identificado na p. i. lhe pertence em compropriedade, na proporção de metade.
V- Não existe qualquer contradição ou incompatibilidade entre esses pedidos, pelo contrário, são todos consequência lógica dos factos alegados na p. i. e de acordo com uma sequência natural.
VI- Seja, sempre no entender da autora, estamos perante uma cumulação de pedidos compatíveis entre si, não existindo motivos que impeçam a coligação.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO JULGADOS APLICÁVEIS, DEVE ANULAR-SE O DOUTO DESPACHO QUE CONSIDEROU INEPTA A PETIÇÃO INICIAL E SUBSTITUIR-SE POR OUTRO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS ATÉ DECISÃO FINAL.
*
O apelado não contra-alegou.*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.*
II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se em saber se o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao julgar procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial com fundamento em: a) contradição entre os pedidos aduzidos pela Autora e a causa de pedir por ela invocada para ancorar esses pedidos; b) cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos que relevam para a apreciação do objeto da presente apelação constam do relatório que acima se exarou.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAO tribunal a quo julgou inepta a petição inicial e absolveu o apelada da instância, com dois fundamentos, a saber: a) contradição entre os pedidos deduzidos pela Autora e a causa de pedir por ela invocada para sustentar esses pedidos; e b) cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, com o que não se conforma a apelante, mas antecipe-se desde já, sem razão, residindo indiscutivelmente o seu equívoco nas críticas que assaca à decisão recorrida na circunstância de não levar em devida conta o significado e implicações jurídicas dos conceitos “união de facto”, “sociedade civil”, “propriedade coletiva” e “compropriedade”.
Vejamos.
B.1- Da ineptidão da petição inicial por contradição entre pedidos deduzidos pela apelante e a causa de pedir por ela invocada para sustentar esses pedidos.
Preceitua o art. 186º, n.º 1 do CPC, que é nulo todo o processado quando for inepta a petição inicial, acrescentado a al. b), do n.º 2 daquele...
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