Acórdão nº 202/20.3JAFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-07-2022
Data de Julgamento | 06 Julho 2022 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 202/20.3JAFAR.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. RELATÓRIO
1.1. No Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., os arguidos AA solteiro, desempregado, nascido no dia .../.../1990, em ..., ..., filho de BB e de CC, residente na ..., nº 3, em ..., atualmente sujeito à medida de coação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ... e DD, solteira, empregada de ..., nascida no ... .../.../1990, em Sé, ..., filha de EE e de FF, residente na ..., nº 3, em ..., atualmente sujeita à medida de coação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., foram julgados em processo comum com intervenção do tribunal coletivo, e, por acórdão de 01 de junho de 2021, foi deliberado, condenar cada um dos arguidos AA e DD, pela prática, em coautoria material e concurso real, de:
A) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.º 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 al. ª g), do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão; e
B) Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico cada um dos arguidos AA e DD na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão.
1.2. Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso os arguidos AA e DD, para o Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 26 de outubro de 2021, negou provimento ao recurso e manteve na íntegra o acórdão recorrido.
1.3. Inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora dele interpuseram recurso os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça, que motivaram concluindo nos seguintes termos:
«I - Da nulidade por erro de interpretação e de aplicação do artigo 340.º n.º 1 do CPP – nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2 d) do CPP.
A - O artigo 340º do C.P.P. regula os princípios gerais para produção de prova que não tenha sido indicada pelas partes antes da audiência de julgamento e consagra o princípio da investigação ou da verdade material, segundo o qual cabe ao Tribunal do julgamento o poder-dever de investigar o facto, atendendo a todos os meios de prova que não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade e com o objectivo de determinar a verdade material.
B - O princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, pelo que, ainda que oficiosamente, pode e deve ordenar a produção de todos os meios de prova – ainda que não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação - “cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”., estabelecendo o nº 1 do artigo 340º do CPP a regra de necessidade, segunda a qual, a produção de novos meios de prova é determinada quando o tribunal determine a mesma como necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
C - A omissão, em outra fase processual, da indicação de prova e/ou meio de obtenção de prova, que reputadamente seja imprescindível –fundamental, útil e necessária - ao apuramento da verdade material, e assim à boa decisão da causa, não pode obstar à produção de tal prova em sede de julgamento.
D - Ao ser trazido ao conhecimento do Juiz, a existência de tal meio de obtenção de prova, tem o mesmo o poder-dever de determinar a sua produção, sob pena de esvaziamento daquele normativo e, assim, do princípio da investigação e do poder-dever de decisão do Juiz.
E - O princípio da investigação determina que o tribunal se comprometa no apuramento da verdade material, atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais tragam aos autos, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento seja essencial ou necessário à descoberta da verdade material e, assim, à decisão justa da causa.
F - Face à história pregressa, e à suspeita de que a aqui Recorrente pudesse estar incapaz de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se autodeterminar para poder agir de acordo com o direito, impunha-se, sob pena de violação do n.º 1 do artigo 340.º do CPP, que aquele tribunal tomasse decisão determinativa da realização de perícia requerida, sendo a mesma essencial, s.d.r. por melhor opinião, para fundamentar com a certeza e segurança exigíveis e indispensáveis, necessária e legalmente subjacentes à fixação da matéria de facto considerada provada.
G - Destarte, em virtude do dito indeferimento, não foi carreado para os autos, em concreto:
- Se a aqui Recorrente padece de patologia do foro psiquiátrico;
- Na afirmativa, a dimensão daquela patologia;
- Em que circunstancias tal patologia se manifesta;
- Em que medida a dita patologia se manifesta;
- Em que medida tal patologia influencia a capacidade da ora Recorrente de autodeterminação, de compreender e decidir e se determinar por tal desígnio;
- Se a dita doença mental determina a diminuição da imputabilidade da arguida;
- Se estas circunstâncias atenuam, e em que medida, a ilicitude ou a culpa da ora Recorrente;
Matéria fáctica sem a qual – cremos - não se poderia considerar que a ora Recorrente agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e retirar as conclusões sobre o elemento subjectivo do tipo e sobre o elemento volitivo.
H - Por imprescindível –fundamental, útil e necessário - ao apuramento da verdade material, e assim à boa decisão da causa, impunha-se a produção da requerida prova adicional. Ao não esgotar todos os meios de obtenção e recolha de prova ao seu dispor violou o tribunal de primeira instância o disposto nos artigos 160º e 340º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o que consubstancia nulidade de omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, prevista no art. 120°, n.° 2, al. d), do mesmo Código, a qual tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou e dos subsequentes, designadamente da sentença (art. 122°, n.° 1, do CPP).
I - Ao decidir de forma diferente, o douto tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, violando o douto acórdão recorrido, no segmento e pelas razões apresentadas, por erro de interpretação e de aplicação, a norma constante do artigo 340.º n.º 1 do CPP – resultando na nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2 d) do CPP -, desconsiderando também as garantias de defesa processualmente dispostas em favor da Recorrente, nos termos previstos no art.º 32.º n.º 1 da CRP. É, pois, nula a douta decisão proferida, nos termos do artigo 102º, nº 2, alínea d), do C.P.P., devendo ser revogada e substituída por outra que, determine a realização das requeridas perícia psiquiátrica e à personalidade da aqui Recorrente, por se tratar de diligência indispensável ao apuramento da verdade material e à boa decisão da casa.
SEM PRESCINDIR NEM CONCEDER, POR DEVER DE PATROCÍNIO,
II – Do enquadramento jurídico
J - Entendeu o tribunal “a quo”, integrar a alegada conduta dos Recorrentes, no disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 132ºdo C.P., ie, concluindo que o crime de homicídio havia ocorrido como instrumental do crime de roubo, pois que visavam os Recorrentes com a sua conduta “O assegurarem a impunidade do roubo que tinham acabado de fazer”.
K - Ora, respeitosamente, com tal não se conformam os Recorrentes, pois não resultando provada a concreta dinâmica das condutas de agressão alegadamente levadas a cabo pelos Recorrentes nem as circunstâncias de tempo e modo em que foram produzidas as agressões sofridas pela vítima, o que resulta da factualidade assente é a apropriação de dinheiro da vítima e as agressões de que a mesma padeceu.
L - Da factualidade assente, resulta que as lesões sofridas pela vítima indiciam violência, o que poderá – concede-se - ser revelador ou indiciar a existência de elementos perturbadores do exercício de controlo das acções dos agressores, um estado de desassossego e perturbação, sob a influência do consumo de estupefaciente; a morte da vítima não sobreveio de conduta planeada, não foi um ato friamente calculado, antes resultou deste aludido circunstancialismo.
M - Para a qualificação do crime de homicídio é essencial que dos factos resulte uma especial censurabilidade ou perversidade que possa ser imputada ao arguido a título de culpa adensada, ou seja, um tipo especial de culpa.
N - Especialmente censuráveis serão as circunstâncias de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores; e por especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade.
O - Para essa apreciação concorrem todas as circunstâncias da conduta, quer na acção externa (instrumento utilizado, tipo e número de lesões, dinâmica do evento) quer nos aspectos relacionados com os motivos e objectivos que presidiram à acção (factos psíquicos).
P - Para a afirmação do dolo, o que o aplicador tem de fazer é partir da situação tal como ela foi representada pelo agente e, a partir dela, perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga. E, em caso afirmativo, se ela é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente. Para que possam afirmar-se certos motivos ou finalidades, o agente tem de estar consciente desses motivos ou finalidades. Tal como tem que ter conhecimento das circunstâncias em que executa o facto.
Q - Para que possam afirmar-se certos motivos ou finalidades, o agente tem de estar consciente desses motivos ou finalidades. Tal como tem que ter conhecimento das circunstâncias em que executa o facto.
R - Para o preenchimento da circunstância agravante previsto na alínea g) do n,.º 2 do artigo 132º do CP, o homicídio deverá constituir sempre o crime-meio para a realização do outro crime, não podendo ser simplesmente um...
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