Acórdão nº 19991/21.1T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-03-2023
Data de Julgamento | 07 Março 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 19991/21.1T8LSB.L1-1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
MVF, intentou, em 31/08/2021, a presente ação declarativa sob a forma comum contra SMVF, SA, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 01/07/2021.
Alegou, em síntese, que as deliberações tomadas o foram mediante votos nulos, que não foram disponibilizados aos acionistas no prazo e pela forma legalmente previstos o relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e que a assembleia não foi gravada, tendo-se processado por meios telemáticos.
Citada a R., contestou, em 12/10/2021, pedindo seja a ação julgada improcedente por não provada, arguindo a nulidade da citação, a caducidade do direito de propor a presente ação e alegando que os documentos foram disponibilizados, que a A. votou a desnecessidade de gravação da assembleia e que os votos foram corretamente exercidos por quem tinha poderes para tal. Alega abuso de direito por parte da A.
A A. veio responder às exceções e à alegação de abuso de direito, por requerimento de 21/10/2021, pedindo a respetiva improcedência.
Nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Por despacho de 02/12/2022 foi ordenada a junção aos autos de certidão permanente da R.
Junta a certidão permanente pela secção de processos foi proferido o seguinte despacho:
“MVF intentou a presente ação de Anulação de Deliberações Sociais contra SMVF, S.A., peticionando que sejam anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de acionistas de 1 de julho de 2021.
Citada, veio a ré apresentar a sua contestação a 12-10-2021, tendo a mesma sido notificada à autora no dia 13-10-2021.
Nessa sequência, veio a autora, a 21-10-2021, responder às exceções formuladas na contestação.
Após nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Sucede que, nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, As ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo.
Não obstante, a autora não juntou o documento comprovativo de ter efetuado o registo da presente ação, não mais impulsionando os autos.
Aliás, da certidão permanente da requerida junta a 05-12-2022, resulta que aquele registo não se mostra efetuado.
Consequentemente, julgo a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Custas pela autora – cfr. artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Inconformada apelou a A., pedindo a revogação da sentença recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“A – As acções judiciais tendentes a alcançar a nulidade ou a anulação de deliberações sociais tomadas em sede de assembleias gerais de sociedades comerciais encontram-se legal e obrigatoriamente sujeitas a registo comercial, sem o que não poderão prosseguir os seus ulteriores termos.
B – Quando o demandante omite esse registo, ou não dê conhecimento do mesmo nos autos, deve a Secretaria Judicial abrir conclusão do processo ao Juiz, para que o mesmo suspenda a instância, ou convide o Autor a evidenciar nos autos o referido registo.
C – Volvido que se encontrar o prazo de 6 meses após a decretação daquela suspensão ou da prolação do despacho que convide o Autor a demonstrar nos autos o registo da acção, sem que esta formalidade seja evidenciada, a instância extingue-se com fundamento na sua deserção.
D – No caso dos autos a Sra. Juiz “a quo”, ao ter omitido o procedimento a que se refere a conclusão
B) e ao ter decretado, sem mais, a extinção da instância com fundamento em deserção, violou o disposto nos artigos 3.º n.º 3, 6.º n.º 2, 269.º n.º 1 al. d) e 276.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, com esse fundamento, deve ser revogada.”
A R., contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“1) Por força do disposto nos artigos 9º al. e) e 15º nº 5 do Código de Registo Comercial, as ações judiciais por via das quais se pretende alcançar a nulidade ou de anulação de deliberações sociais encontram-se obrigatoriamente sujeitas a registo comercial;
2) Nos termos do disposto no artigo 15º nº 7 do Código de Registo Comercial o prazo para concretização do registo da ação de anulação de deliberações sociais encontra-se legalmente fixado em 2 meses a contar da data de interposição em juízo da respetiva ação;
3) Nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, as ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo;
4) A Autora e ora Apelante não procedeu, como lhe competia, ao registo da ação de impugnação das deliberações sociais dentro do prazo legal;
5) Por esse motivo os presentes autos estiveram legalmente impedidos de prosseguir os seus termos;
6) A Autora também não promoveu qualquer ato ou impulso nos presentes autos;
7) Tendo os autos estado parados por período superior a 6 meses;
8) A Autora e ora Apelante não mostrou qualquer interesse pela lide e pela sua tramitação.
9) Era à Autora e ora Apelante que cabia promover o andamento do processo, através do registo da ação.
10) A Autora e ora Apelante foi negligente e não o fez.
11) No caso dos presentes autos, a paragem do processo resulta do incumprimento de um ónus por parte da Autora (e ora Apelante) e não de uma errada opção do tribunal na gestão do processo;
12) A causa foi julgada extinta, por deserção da instância por o processo estar parado e sem impulso processual há mais de 6 meses.
13) Termos em que muito bem esteve o Douto Tribunal a quo quando julgou a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil;
14) Não existe qualquer obrigação de o Juiz a quo ter de proferir despacho a convidar a Autora (e ora Apelante) a proceder ao registo da presente ação.
15) A Autora é que foi negligente e desinteressou-se da lide da presente ação judicial, não tendo promovido ao seu andamento.
16) Não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes;
17) A decisão do Tribunal a quo não pode configurar uma decisão surpresa para a Autora (e ora Apelante), porquanto, desde o momento em que a Autora interpôs em juízo a presente ação, a mesma tem conhecimento de que dispõe de um prazo de 2 meses para proceder ao registo da ação sob pena de os autos não poderem prosseguir, razão pela qual a Autora (e ora Apelante) bem sabe que, se ocorrer a sua inércia durante 6 meses, a instância será extinta por deserção, não podendo ficar surpreendida com uma tal decisão do Tribunal a quo;
18) Não existe qualquer violação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil;
19) Nem qualquer violação do disposto nos artigos 269nº 1 alínea d) e 276º nº 1 do Código de Processo Civil;
20) Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada;
21) A sentença recorrida não merece qualquer censura devendo manter-se na ordem jurídica;”
O recurso foi admitido por despacho de 07/02/2023 (ref.ª 422840835).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir:
- como questão prévia ao conhecimento do presente recurso, a junção de documentos requerida já na pendência deste recurso;
- verificação se se encontram reunidos os pressupostos para a deserção da instância nos termos do nº1 do art.º 281º do CPC.
*
3. Fundamentos de facto
Os factos com relevo para a apreciação da causa são os constantes do relatório.
*
4. Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos requerida pela apelante na pendência do presente recurso
A recorrente veio, por...
1. Relatório
MVF, intentou, em 31/08/2021, a presente ação declarativa sob a forma comum contra SMVF, SA, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 01/07/2021.
Alegou, em síntese, que as deliberações tomadas o foram mediante votos nulos, que não foram disponibilizados aos acionistas no prazo e pela forma legalmente previstos o relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e que a assembleia não foi gravada, tendo-se processado por meios telemáticos.
Citada a R., contestou, em 12/10/2021, pedindo seja a ação julgada improcedente por não provada, arguindo a nulidade da citação, a caducidade do direito de propor a presente ação e alegando que os documentos foram disponibilizados, que a A. votou a desnecessidade de gravação da assembleia e que os votos foram corretamente exercidos por quem tinha poderes para tal. Alega abuso de direito por parte da A.
A A. veio responder às exceções e à alegação de abuso de direito, por requerimento de 21/10/2021, pedindo a respetiva improcedência.
Nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Por despacho de 02/12/2022 foi ordenada a junção aos autos de certidão permanente da R.
Junta a certidão permanente pela secção de processos foi proferido o seguinte despacho:
“MVF intentou a presente ação de Anulação de Deliberações Sociais contra SMVF, S.A., peticionando que sejam anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de acionistas de 1 de julho de 2021.
Citada, veio a ré apresentar a sua contestação a 12-10-2021, tendo a mesma sido notificada à autora no dia 13-10-2021.
Nessa sequência, veio a autora, a 21-10-2021, responder às exceções formuladas na contestação.
Após nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Sucede que, nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, As ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo.
Não obstante, a autora não juntou o documento comprovativo de ter efetuado o registo da presente ação, não mais impulsionando os autos.
Aliás, da certidão permanente da requerida junta a 05-12-2022, resulta que aquele registo não se mostra efetuado.
Consequentemente, julgo a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Custas pela autora – cfr. artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Inconformada apelou a A., pedindo a revogação da sentença recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“A – As acções judiciais tendentes a alcançar a nulidade ou a anulação de deliberações sociais tomadas em sede de assembleias gerais de sociedades comerciais encontram-se legal e obrigatoriamente sujeitas a registo comercial, sem o que não poderão prosseguir os seus ulteriores termos.
B – Quando o demandante omite esse registo, ou não dê conhecimento do mesmo nos autos, deve a Secretaria Judicial abrir conclusão do processo ao Juiz, para que o mesmo suspenda a instância, ou convide o Autor a evidenciar nos autos o referido registo.
C – Volvido que se encontrar o prazo de 6 meses após a decretação daquela suspensão ou da prolação do despacho que convide o Autor a demonstrar nos autos o registo da acção, sem que esta formalidade seja evidenciada, a instância extingue-se com fundamento na sua deserção.
D – No caso dos autos a Sra. Juiz “a quo”, ao ter omitido o procedimento a que se refere a conclusão
B) e ao ter decretado, sem mais, a extinção da instância com fundamento em deserção, violou o disposto nos artigos 3.º n.º 3, 6.º n.º 2, 269.º n.º 1 al. d) e 276.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, com esse fundamento, deve ser revogada.”
A R., contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“1) Por força do disposto nos artigos 9º al. e) e 15º nº 5 do Código de Registo Comercial, as ações judiciais por via das quais se pretende alcançar a nulidade ou de anulação de deliberações sociais encontram-se obrigatoriamente sujeitas a registo comercial;
2) Nos termos do disposto no artigo 15º nº 7 do Código de Registo Comercial o prazo para concretização do registo da ação de anulação de deliberações sociais encontra-se legalmente fixado em 2 meses a contar da data de interposição em juízo da respetiva ação;
3) Nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, as ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo;
4) A Autora e ora Apelante não procedeu, como lhe competia, ao registo da ação de impugnação das deliberações sociais dentro do prazo legal;
5) Por esse motivo os presentes autos estiveram legalmente impedidos de prosseguir os seus termos;
6) A Autora também não promoveu qualquer ato ou impulso nos presentes autos;
7) Tendo os autos estado parados por período superior a 6 meses;
8) A Autora e ora Apelante não mostrou qualquer interesse pela lide e pela sua tramitação.
9) Era à Autora e ora Apelante que cabia promover o andamento do processo, através do registo da ação.
10) A Autora e ora Apelante foi negligente e não o fez.
11) No caso dos presentes autos, a paragem do processo resulta do incumprimento de um ónus por parte da Autora (e ora Apelante) e não de uma errada opção do tribunal na gestão do processo;
12) A causa foi julgada extinta, por deserção da instância por o processo estar parado e sem impulso processual há mais de 6 meses.
13) Termos em que muito bem esteve o Douto Tribunal a quo quando julgou a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil;
14) Não existe qualquer obrigação de o Juiz a quo ter de proferir despacho a convidar a Autora (e ora Apelante) a proceder ao registo da presente ação.
15) A Autora é que foi negligente e desinteressou-se da lide da presente ação judicial, não tendo promovido ao seu andamento.
16) Não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes;
17) A decisão do Tribunal a quo não pode configurar uma decisão surpresa para a Autora (e ora Apelante), porquanto, desde o momento em que a Autora interpôs em juízo a presente ação, a mesma tem conhecimento de que dispõe de um prazo de 2 meses para proceder ao registo da ação sob pena de os autos não poderem prosseguir, razão pela qual a Autora (e ora Apelante) bem sabe que, se ocorrer a sua inércia durante 6 meses, a instância será extinta por deserção, não podendo ficar surpreendida com uma tal decisão do Tribunal a quo;
18) Não existe qualquer violação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil;
19) Nem qualquer violação do disposto nos artigos 269nº 1 alínea d) e 276º nº 1 do Código de Processo Civil;
20) Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada;
21) A sentença recorrida não merece qualquer censura devendo manter-se na ordem jurídica;”
O recurso foi admitido por despacho de 07/02/2023 (ref.ª 422840835).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir:
- como questão prévia ao conhecimento do presente recurso, a junção de documentos requerida já na pendência deste recurso;
- verificação se se encontram reunidos os pressupostos para a deserção da instância nos termos do nº1 do art.º 281º do CPC.
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3. Fundamentos de facto
Os factos com relevo para a apreciação da causa são os constantes do relatório.
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4. Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos requerida pela apelante na pendência do presente recurso
A recorrente veio, por...
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