Acórdão nº 19837/16.2T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 31-10-2023
Data de Julgamento | 31 Outubro 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 19837/16.2T8SNT.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
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A Ré, SUBLITURBO UNIPESSOAL, LDA. em acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum deduziu pedido reconvencional contra o autor, AA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 7.926,00, acrescida do valor diário de parqueamento até ao dia em que este retirar a viatura e regularizar os valores em dívida, como litigante de má fé, e no pagamento de multa e de uma indemnização.
Foi proferida sentença que julgou procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenou o autor/reconvindo, AA , a pagar à ré/reconvinte, SUBLITURBO UNIPESSOAL, LDA. a quantia de € 16 7867,00, bem como no pagamento de uma indemnização à razão de € 10,00 diários, devida pelo parqueamento do veículo de que é proprietário nas instalações da reconvinte, contabilizada desde 15 de junho de 2019, até ao dia em que daí retirar o veículo e regularizar os valores em dívida.
Inconformado, veio o autor/reconvindo apelar da sentença pedindo a revogação do acórdão e a sua absolvição do pedido.
A Relação proferiu acórdão em que concluiu:
“Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, condenando-se o apelante, AA a pagar à apelada SUBLITURBO, UNIPESSOAL, LDA a quantia de € 226,00 (duzentos e vinte e seis euros), bem como no pagamento de uma indemnização a título de privação de uso, à razão de € 10,00 diários, por dia útil, devida desde 14 de julho de 2016 até ao dia em que retirar o veículo das oficinas da apelada. (…)
Custas por apelante e apelada, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.”
Esta decisão contou com a seguinte Declaração de voto da Exma. Senhora Desembargadora Adjunta:
“Voto a decisão por estar de acordo em considerar que se está perante um ato ilícito e violador do direito de propriedade do A. resultante da ocupação parcial não autorizada da sua oficina com um veículo, ato causador de um dano suscetível de ser indemnizado, concordando também com o valor indemnizatório fixado, por equiparação a um valor devido pelo depósito ou parqueamento não autorizado do bem.
A minha discordância reporta-se apenas à qualificação do dano em questão como sendo de privação do uso, por considerar que a privação do uso coloca o dono do bem na total impossibilidade de o usar ou dele retirar as utilidades que o bem lhe proporciona, o que entendo que não se verifica no caso concreto, na medida em que o A. continua a ter o domínio total e disponibilidade sobre o espaço da sua oficina.”
De novo inconformado o autor/reconvindo interpôs recurso de revista formulando as seguintes conclusões:
“I – O Acórdão recorrido enferma de nulidades por omissão de pronúncia [Artºs 608 nº2, 615 nº1, alínea d), 1ª parte, do C.P.C, aplicáveis à 2ª Instância por força do Artº 666 do mesmo diploma legal].
II – O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a questão invocada, constituída pelo facto de á data da venda (14/4/2014) incidir uma penhora à ordem do Tribunal Judicial do Cartaxo e respectivas consequências jurídicas.
Entende-se ser de salientar que o veículo a que os autos se reportam foi objecto de um negócio permitido por lei e que integra uma ilicitude grave. Pelo que o Pedido Reconvencional não merece protecção jurisdicional – Artº 2 do C.P.C
III – E devia ter-se pronunciado, porque a penhora em causa e as consequências jurídicas que dela advêm foram invocadas pelo Recorrente na sua alegação para a 2ª Instância, constando nas respectivas conclusões – “S”,”T”,”U”, “I I”, “QQ” e “RR” e “SS” – Artº 608 nº2 do C.P.C..
IV -- Foram também juntos os documentos que se referiram no corpo da alegação do presente recurso e que podiam ter sido complementados se o tribunal tivesse cumprido os princípios fundamentais do Processo Civil, da cooperação e ou do inquisitório (Artº7 nº2 e 411 do C.P.C.).
V – O veículo foi vendido sem a necessária autorização do Tribunal quando estava sob a tutela judicial (Artº 886-C do C.P.C na redacção anterior á reforma de 2013). Foi subtraído ao poder público um bem que estava sob o mesmo.
“A penhora, sendo um acto de apreensão judicial, importa uma transferência da posse, sobre os bens penhorados, do executado para o tribunal, que a exerce através do depositário” - Ac. do TRG, P.32/11.3 TBCTB.A.G1.
VI -- Estando em causa uma questão de interesse e ordem pública, de conhecimento oficioso, também, por esta razão, o Tribunal devia ter conhecido da questão em causa (Artº 608 nº2, parte final, do C.P.C.).
VII -- Deve a questão que se acaba de referir ser conhecida e concluir-se pela ilicitude do comportamento da Recorrida.
VIII –- O Tribunal recorrido não conheceu, também, devendo fazê-lo, da questão com relevância para a decisão da causa, suscitada pelo Recorrente, da existência de duas garantias do bom funcionamento do veículo. Existe uma garantia legal conferida pelo Artº 913 do C.C. que impõe que o bem seja vendido em condições de desempenhar a função normal das coisas da mesma categoria e existe uma garantia convencional que constitui reforço da posição do comprador.
IX – O Acórdão enferma das supra referidas nulidades, por omissão de pronúncia, pelo que, deve ser anulado e ordenada a baixa dos autos á 2ª Instância, para que nesta se proceda á reforma da decisão.
X -- Se por hipótese, for entendido que o Acórdão recorrido justificou o não conhecimento das questões supra referidas concernentes á penhora do veículo, por considerar tal matéria irrelevante, então ocorre erro de julgamento.
XI -- Porque estas questões são relevantes para a conclusão da inexistência de ilicitude no comportamento do Recorrente devem as mesmas ser conhecidas e decidindo-se em conformidade com o que se invoca (inexistência de ilicitude na actuação do Recorrente, mas antes ilicitude grave no comportamento da Recorrida).
XII -- O Recorrente não causou à Recorrida dano de privação de uso, ou qualquer outro dano e o seu comportamento não integra ilicitude.
XIII –- No que concerne ao alegado dano nas instalações da Recorrida entende o Recorrente, pelas razões aduzidas pela Exmª Srª Desembargadora Inês Moura, na sua declaração de voto, nas quais se louva, que não ocorre privação de uso.
XIV -- Entende o Recorrente que, no que concerne à necessidade de prova do dano de uso, o lesado terá de provar que ficou privado de uma possibilidade concreta de uso e que, em consequência, sofreu uma desvantagem real.
XV –Aderindo-se, assim, á corrente jurisprudencial constante dos Acórdãos do Supremo Tribunal Justiça de 15/11/2011 — Procº.nº 6472/06.2TBSTB.E1.S1, de 23/11/2011—Procºnº397-B/1998.L1.S1, de 25/9/2018 –Procº nº2172/14.8TBBRG.G1.S1 e de 30/4/22019--- Procº nº 1226/15.8T8ALM.L1.S2, que o Recorrente perfilha, por da mesma não vermos fundamentos para discordar.
XVI – Tendo presente esta orientação torna-se necessário que viesse alegado, e provado, que a Recorrida teve concreta necessidade de proceder à utilização daquele espaço e que, por ele estar ocupado com o veículo dos autos e não haver mais nenhum disponível nas instalações para onde pudesse deslocar o dito veículo, sofreu uma perda concreta.
XVII – A prova do dano não se basta com o conteúdo da alínea q) da matéria assente.
XVIII – Deve, assim, face á inexistência da prova do dano, ser o Recorrente absolvido do respectivo pedido.
XIX – O comportamento do Recorrente não integra ilicitude.
Deixou ficar o veículo nas instalações da Recorrida por lhe assistir o direito de exigir a reparação da deficiência do veículo – Artºs 913 e 914 do C.C..
Acresce que o veículo não podia circular por estar onerado com a penhora –Arº22 do Cód. Registo Automóvel.
XX – Comportamento ilícito foi o da Recorrida que vendeu uma coisa sem as qualidades necessárias ao preenchimento do seu fim, não tendo disso dado conhecimento ao Recorrente. E, instada para proceder á reparação do veículo invocou a excepção da garantia convencional, quando a natureza desta é a de reforço da garantia legal que decorre dos Artºs913 e 914 do C.C..
XXI -- Comportamento ilícito foi, também da Recorrida que vendeu, sem autorização do Tribunal um veículo que, por estar penhorado, estava sob a tutela judicial (Artº 809 nº1 do C.P.C., redacção anterior a 2013), violando o disposto no Artº 886-C do C.P.C (redacção anterior a 2013).
XXII – Comportamento ilícito foi o da Recorrida que – mesmo a fazer-se fé na sua versão quanto á data em que teve conhecimento da penhora – apesar de ter tomado conhecimento deste facto, em vez de providenciar pela extinção do contrato, insistiu junto do Recorrente para que este fizesse o registo em seu nome (conferir a ordem cronológica dos factos descrita na alegação).
XXIII --Não se provaram os pressupostos da responsabilidade civil, nem o dano nem a ilicitude no comportamento do Recorrente.- Artº 483 do Cod. Civil
XXIV – O Recorrente entende que a situação dos autos não é, em abstrato susceptível de integrar uma situação de “dano de uso”.
Pelas razões que se encontram aduzidas na declaração de voto da Exmª Senhora Desembargadora Inês Moura, nas quais o Recorrente se louva.
Contudo, ainda que a situação pudesse ser vista à luz de um “dano de uso”, como entende o Acórdão recorrido, a Recorrida não alegou, nem provou, factos que integrem nem o dano nem a ilicitude, conforme as razões desenvolvidas no corpo das Alegações [Ponto II, alíneas D) e E)].
XXV – Analisando os autos na perspectiva de “lesão de direito de propriedade”, entende o Recorrente que a sua actuação não integrou lesão da propriedade da Recorrida, nem o seu comportamento se pode considerar ilícito.
Porque o veículo foi entregue pelo Recorrente nas instalações da Recorrida no âmbito do direito que lhe assistia de exigir a sua reparação (Artºs 913 e 914 do C.C) e porque, estando penhorado, não podia circular fora das instalações (Artº22º do...
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