Acórdão nº 1959/14.6 T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22-02-2018

Data de Julgamento22 Fevereiro 2018
Número Acordão1959/14.6 T8GMR.G1
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Sumário

I- A indemnização do dano patrimonial futuro não depende da prova de que o lesado sofrerá prejuízo patrimonial em resultado da incapacidade permanente de que ficou portador uma vez que a jurisprudência uniforme, nesta matéria, reconhece que aquele dano constitui uma lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física;
II- Da conjugação dos arts. 39.º, n.º 2 (proposta razoável para regularização de sinistros que envolvam danos corporais) e 38.º, n.º 2 e 3 do Dec.-Lei n.º 291/2007 de 21.08 resulta que, no caso de a responsabilidade não ser contestada e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, a seguradora deve fazer uma proposta razoável de indemnização, sob pena de serem devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal.
IV- O cálculo da indemnização proposta ao lesado, nessa fase extra-judicial, depende da respectiva quantificação dos danos conhecidos, no todo ou em parte, e se obedecer ao sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, apenas são devidos juros à taxa legal sobre a diferença entre o montante oferecido e aquele que for fixado na sentença.
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Hugo, solteiro, natural da freguesia de …, Vila Nova de Famalicão, com residência na Rua …, concelho de Vila Nova de Famalicão, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra “Companhia de Seguros X, S.A”, peticionando a condenação da Ré no pagamento de 77.506,98€ (Setenta e Sete Mil Quinhentos e Seis Euros e Noventa e Oito Cêntimos) discriminada da seguinte forma:

1. 40.000,00€ a título de dano biológico/perda de capacidade de ganhos;
2. 250,00€ a título de despesas médicas, medicamentosas e outras;
3. 2.256,98€ a título de perdas salariais (reduzido posteriormente para o montante de 1.408,78 euros).
4. 35.000,00€ a título de danos não patrimoniais,
5. Acrescido de uma quantia cuja total e integral quantificação se relega para posterior incidente de liquidação decorrentes da necessidade atual e futura de efetuar:

a)exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas,
b)de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia, Fisioterapia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas,
c)de realizar tratamento fisiátrico 2 (duas) vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas,
d)de ajuda medicamentosa–antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos-para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas,
e)de se submeter a várias intervenções cirúrgicas designadamente avaliação artroscópica do joelho direito, a internamentos hospitalares, despesas hospitalares, tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas,
6. acrescido dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (4.500,00€) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas (no caso dos autos desde 14-11-2012) e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
Alega, para tanto, em súmula, que na sequência de acidente de viação/atropelamento cuja culpa imputa ao tomador de seguro da Ré resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
A Ré contestou, impugnando os danos e montante.
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Proferiu-se sentença que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 37.907,25(1) (1408,78+250,00+20.000,00+ 16.248,47) acrescida de juros em dobro sobre a quantia de 1408,78 entre a data de 14.11.2012 e a da presente sentença, e de juros legais desde a data da presente sentença e até pagamento integral sobre a quantia globalmente fixada, absolvendo-a no mais.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, formulando as seguintes
Conclusões

I-O pedido de indemnização deduzido pelo A por perdas salariais foi reduzido, por requerimento apresentado pelo A em 17/11/2016 e devidamente homologado por sentença, para a verba de 1.408,78€;
II- A redução do pedido corresponde a uma desistência parcial deste, ou seja, a uma renúncia à pretensão de receber a esse título a quantia peticionada de 2.256,98€ ou importância superior àquela para a qual o A reduziu o pedido.
III- Ao condenar a Ré no pagamento ao A. da quantia de 1.719,60€ por perdas salariais o julgador condenou para além do pedido, o que acarreta a nulidade da douta sentença, vício esse que se invoca, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea e) do CPC.
IV- Sem prejuízo da invocada nulidade da decisão, em face da redução do pedido (e sua confissão pela Ré) deve ser reduzida para a verba de 1.408,78€ a indemnização a pagar ao A. por perdas salariais, o que se requer;
V- Na douta sentença sob censura não há a mais pequena referência aos meios probatórios que justificaram a decisão de dar como provado o facto do ponto 17 do elenco da matéria considerada assente, o que corresponde uma manifesta falta de fundamentação, conducente à nulidade da douta sentença, vício esse que, expressamente, se invoca, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615ºn.º 1 alínea b) do CPC.
VI-Refere-se na fundamentação da douta sentença que as perdas salariais do demandante ascendem a 2.519,60€, mas foi dado como provado no ponto 17 da matéria considerada assente que essas perdas ascenderam a 3.056,98€.
VII-Esta contradição torna a decisão ininteligível, o que determina a nulidade da douta sentença, vício esse que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º nº. 1 alínea c) do CPC.
VIII-Na douta sentença sob censura a meritíssima Srª Juiz não se pronunciou sobre os factos alegados pela Ré nos artigos 33º, 34º, 35º, 37º e 38º da contestação;
IX-Esta factualidade era relevante para o desfecho da lide, nomeadamente para o cálculo das perdas salariais do demandante (e eventualmente para o cálculo da indemnização por danos futuros).
X- Assim, a Ré desde já invoca a nulidade da douta sentença, por manifesta omissão de pronúncia quanto aos factos alegados pela Ré nos artigos 33º, 34º, 35º, 37º e 38º da sua contestação, vício esse que argui nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC.
XI- A Ré impugna, por considerar que foi incorrectamente julgado, os factos dos pontos 17 e 38 dos factos dados como provados;
XII- Da informação prestada pela entidade patronal do A em 12/03/2015 e dos documentos de fls 94 e 157 e os documentos de fls 223, 224, 227 e 229 destes autos, resulta que o A auferia as seguintes retribuições brutas: Vencimento mensal base: 488,00€, subsídio de turno: 117,23€, prémio de zelo: variável, subsídio de alimentação: 6,41€ dia.
XIII- Com base nestes elementos documentais e uma vez que o A não alegou factos que sustentem a conclusão de que o prémio de zelo seria recebido com carácter de regularidade ou que o subsídio de alimentação seria pago no mês de férias, é possível apurar, com a absoluta certeza, o rendimento anual bruto regular e previsível do demandante, que era o seguinte:

- 488€ x 14 meses = 6.832,00€ (vencimento base)
- 117,23€ x 14 meses = 1.289,53€ (subsídio de turno)
- 141,02€ x 11 meses = 1.551,22€ (subsídio de alimentação)
Total bruto: 9672,75€
XIV- Como resulta ainda dos recibos de vencimento do A, sobre a dita remuneração bruta mensal de 488€ + 117,23€ e ainda sobre parte do seu subsídio de alimentação, incidiam descontos obrigatórios para a segurança social (11%) e retenção de IRS.
XV- Tendo em conta as regras respeitantes à tributação em sede fiscal e contribuições para a segurança social estabelecidas na Lei é possível calcular o rendimento mensal e anual líquido do demandante, nos seguintes temos:

-nos meses em que há pagamento do subsídio de alimentação, a retribuição bruta do A ascende a 746,25€ (488,00€ + 117,23€ + 141,02€)
-nos meses em que não há pagamento de subsídio de alimentação, a retribuição bruta do A era de 488€ + 117,32€ = 605,32€

Portanto:

-nos meses em que há pagamento de subsídio de alimentação retribuição bruta do A ascendia a 746,25€. Porém, para efeitos de IRS e desconto para a Segurança Social, só são considerados 28,38€ do subsídio de alimentação. Ou seja, a retribuição sujeita a tributação e descontos é de 633,61€ (488€ + 117,23€ + 28,38€). Atento este valor, a retenção mensal a título e IRS era de 4%. Assim: a retribuição líquida nos meses em que há pagamento de subsídio de alimentação ascendia a 633,61€ - (633,61€ - 11%= 69,69€) – (633,61€ - 4% = 25,34€) = 538,58€ líquidos acrescidos da diferença não considerada de subsídio de alimentação 112,64€ (5,12 x 22 dias), sendo o total líquido de 651,22€
-nos meses em que não há pagamento de subsídio de alimentação (férias subsídio de férias e de Natal) a retribuição bruta era de 605,32€. Atento este valor, a retenção mensal a título e IRS era de 2%. Assim: a retribuição líquida nos meses em que não há pagamento de subsídio de alimentação ascendia a 605,32€ - (605,32€ - 11% = 66,58€) – (605,32€ - 2% = 12,11€) = 526,63€ líquidos.
XVI- Em face do exposto, entende a recorrente que os recibos de vencimento do A de fls 94, 157 e os documentos de fls 223, 224, 227 e 229 (em particular a informação prestada pela entidade patronal do A em 15 de Março de 2015), impunham que se tivesse dado como provado, quanto ao facto do ponto 38 dos factos...

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