Acórdão nº 19538/17.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 08-07-2020
Data de Julgamento | 08 Julho 2020 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 19538/17.4T8LSB.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 19538/17.4T8LSB.L1.S1 (Revista)
4.ª Secção
LD\JG\CM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “AUCHAN PORTUGAL HIPERMERCADOS, S.A.”.
Juntou cópia da decisão do seu despedimento pela empregadora.
Realizada a audiência de partes e gorada a tentativa de conciliação das mesmas, a empregadora, notificada para o efeito, apresentou o articulado a motivar o despedimento e juntou o processo disciplinar.
A trabalhadora contestou e deduziu reconvenção.
Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença, datada de 11 de junho de 2019, que integrou o seguinte dispositivo:
«Por tudo o que se deixou dito, nos termos das disposições legais citadas, declaro ilícito o despedimento da trabalhadora e, em consequência, condeno a empregadora:
a) - A pagar à trabalhadora uma indemnização correspondente a 30 dias de remuneração base por cada ano completo ou fração de antiguidade, acrescida de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
b) – A pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 390º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
c) – A pagar à trabalhadora o montante de € 2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento.
*
Custas pela empregadora e trabalhadora na proporção do decaimento, que fixo em 4/5 para a primeira e 1/5 para a segunda.
Fixo à causa o valor de € 30 000,01 – art. 98.º -P, n.º 2 do CPT.»
Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, com um voto de vencido, julgou o recurso nos seguintes termos:
«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença, declarando-se lícito o despedimento e absolvendo-se a Empregadora do pedido formulado pela Trabalhadora.
Custas pela Trabalhadora.»
Irresignada com o assim decidido, recorre, agora de revista para este Supremo Tribunal, a Autora integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«a) O presente recurso é interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa, que, com voto de vencido, revogou a sentença de 1.ª Instância, declarou lícito o despedimento e absolveu a Empregadora do pedido formulado pela Trabalhadora.
b) O comportamento infracional imputado à trabalhadora cinge-se a: “…na qualidade de cliente do estabelecimento pertencente à sua empregadora, no decurso das suas compras, a trabalhadora pegou num vestido, numa embalagem de cuecas e em dois batons e levou os para o provador para experimentar. Experimentou os batons, tendo aberto uma das embalagens. E, em seguida, a trabalhadora passou pelo corredor dos produtos de bebé e deixou os dois batons (que experimentara) junto a um dos produtos de bebé que esteve a ver.”
c) O douto Acórdão recorrido errou ao decidir haver justa causa de despedimento da trabalhadora por violação por parte desta do dever geral de boa-fé a que se reporta o art.º 126.º do CT e do dever de lealdade previsto no art.º 128.º/1-f).
d) A recorrente - que exercia as funções de escriturária na sede da recorrida em Lisboa – na veste de cliente e consumidora da loja Jumbo de ..., no decorrer das suas compras, pegou num vestido, numa embalagem de cuecas e em dois batons e levou-os para o provador para experimentar (Factos provados L e M).
e) Uma das embalagens dos batons já estava aberta, abriu a outra e experimentou os dois batons (Factos provados O).
f) Naturalmente que a recorrente não deveria ter aberto uma embalagem que estava fechada, é uma atitude reprovável. Mas, se o estabelecimento tivesse - como qualquer perfumaria tem - junto a cada batom o respetivo “tester”, isto é, uma amostra para que a cliente possa verificar a sua cor real, a recorrente não teria tido necessidade de abrir a embalagem para os experimentar, pois muitas vezes a cor do batom é diferente da apresentada na embalagem.
g) No entanto, tal comportamento, embora censurável, não implica – como sustenta o Acórdão recorrido - a quebra irremediável do princípio da confiança “que é apanágio da relação laboral”.
h) A apreciação da gravidade do comportamento da recorrente, para o efeito da ponderação da justa causa de despedimento, há de aferir-se em função do circunstancialismo que o rodeia. Será expectável que, depois do sucedido e das consequências reais na sua vida prática, a trabalhadora volte a ter um comportamento semelhante? Que volte a abrir e experimentar batons em algum outro estabelecimento da Auchan, quer enquanto cliente de loja quer enquanto funcionária? Um juízo de prognose credível não deverá extrapolar a realidade dos factos - assim, uma ideia de que a trabalhadora poderá daqui para a frente ser desleal não poderá proceder.
i) O comportamento da recorrente tem de ser analisado na perspetiva da sua projeção sobre o vínculo laboral, à luz das funções desempenhadas pela trabalhadora, e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável da relação de trabalho.
j) Recorrendo a critérios de razoabilidade no entendimento de um bom pai de família, o comportamento da recorrente não assume gravidade bastante que torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral, no sentido de ser inexigível à empregadora a manutenção do vínculo laboral.
k) Pelo que o douto acórdão recorrido ao considerar existir justa causa de despedimento, violou o disposto no n.º 1 do art.º 351.º do Código de Trabalho, pois a conduta da trabalhadora recorrente não conduz à inexigibilidade da manutenção da relação laboral, na medida em que a continuidade do contrato de trabalho não representa, em termos objetivos, uma "insuportável e injusta imposição ao empregador".
l) O douto Acórdão recorrido violou também o disposto no n.º 3 do artigo 351.º do Código de Trabalho, que estabelece que a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjetivo do empregador, mas sim na perspetiva de um bom pai de família, ou seja de um empregador normal, norteado por critérios de objetividade e razoabilidade, devendo atender-se no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes.
m) O douto Acórdão recorrido desvalorizou por completo os quase vinte anos de esforço e dedicação da recorrente ao seu trabalho, um passado impoluto, tendo recebido sempre boas avaliações na avaliação de desempenho anual (Facto provado AA), para valorar apenas uma infração isolada e irrefletida ocorrida num dia de compras, fora do exercício da suas funções, fora do seu horário e local de trabalho, o que limita de forma considerável o impacto dos factos praticados pela trabalhadora sobre a relação de trabalho.
n) O entendimento sufragado pelo douto Acórdão recorrido violou ainda o princípio da proporcionalidade estabelecido no n.º 1 do art.º 330.º do Código de Trabalho que estatui que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator.
o) Sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave, esta só se pode considerar justificada nos casos em que o comportamento do trabalhador seja de tal forma grave em si e nas suas consequências que nenhuma outra sanção corretiva ou conservatória se revele adequada, o que manifestamente não é o caso.
p) A sanção de despedimento aplicada à trabalhadora recorrente sempre teria de ser considerada manifestamente desproporcional e excessiva, logo, ilícita.
q) Por tudo o exposto, o douto Acórdão recorrido ao considerar a licitude do despedimento da recorrente, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 351.º, nºs 1 e 3; 330.º e 381, al. b) todos do Código de Trabalho.»
A recorrida respondeu ao recurso integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1.O Tribunal da Relação, no seu Acórdão ora recorrido, fez uma acertadíssima, justa e adequada interpretação e aplicação das seguintes normas: 126.º, n.ºs 1 e 2; 128.º, n.º 1, alínea f); 351.º, n.ºs 1, 2 e 3; 330.º, n.º 1; 389.º, n.º 1, alínea a); 390.º, n.ºs 1 e 2; e 391.º, todas do Código do Trabalho.
2. Para o efeito considerou o douto Acórdão recorrido que «Ponderando critérios de razoabilidade e objetividade não é exigível a um empregador razoável que mantenha uma trabalhadora ao seu serviço se a mesma quebra, deste modo, a relação de confiança que preside ao contrato. A manutenção do contrato, tendo presentes estas circunstâncias, traduzir-se-ia numa insuportável e injusta imposição ao empregador, pois, como é unanimemente defendido o contrato de trabalho assenta numa base de confiança recíproca entre as partes. Razões pelas quais o despedimento se nos afigura como adequado e proporcional em presença da conduta perpetrada.»
3. No caso concreto em discussão está apenas a questão da gravidade da conduta perpetrada pela trabalhadora Recorrente, tendo-se dado como certa a violação do dever de lealdade.
4. Não se poderá olvidar a argumentação suportada também numa apreciação jurídico-penal da conduta, nomeadamente o eventual preenchimento dos tipos de crime de furto e dano, o que sustenta a gravidade (suficiente para efeitos de despedimento) dos factos provados no processo em sede de julgamento [nomeadamente,...
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