Acórdão nº 1953/12.1TBOER-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-11-2013
Data de Julgamento | 12 Novembro 2013 |
Número Acordão | 1953/12.1TBOER-A.L1-7 |
Ano | 2013 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):
Margarida P. e marido, Rui L., residentes em Linda a Velha, deduziram oposição à execução que contra si instaurou a sociedade L., Aluguer de Viaturas, S.A., pedindo a extinção da instância executiva relativamente a si, dizendo para tal e em síntese, que assinaram a livrança em branco para garantir o pagamento das obrigações assumidas por uma sociedade de que o oponente marido era sócio da qual se desvinculou em Março de 2008, tendo dado conhecimento desse facto à exequente há cerca de três anos, desvinculando-se do aval prestado.
Acrescentam que a livrança foi assinada sem data de emissão o que a torna nula e que o próprio aval é nulo, porquanto respeita a obrigações indetermináveis, invocando ainda as excepções peremptórias de preenchimento abusivo e de falta de apresentação a protesto.
Contestou o exequente para impugnar que lhe tivesse sido comunicada a desvinculação do aval, que haja preenchimento abusivo e para sustentar a desnecessidade do protesto, concluindo a pugnar pela improcedência da oposição deduzida.
Conferida a regularidade formal da instância e por se ter considerado conter já o processo todos os elementos para conhecer do mérito da oposição, julgou improcedentes as excepções esgrimidas pelos oponentes e, consequentemente, declarou a oposição improcedente, com a legal consequência.
Inconformados com a decisão, recorreram os executados para pugnar pela sua revogação, alinhando para tal as seguintes razões com que encerram alegação oferecida:
I) No douto despacho saneador sentença não foram considerados factos que o deveriam ter sido, seja porque articulados pelos opoentes, mereceram a concordância da exequente, seja porque resultam dos documentos juntos por aqueles e não impugnados por esta.
II) Ao não considerar aqueles factos, provados por acordo entre as partes e resultantes do exame crítico das provas, o douto despacho recorrido violou os artºs 490, nº 2 e 659, nº 3, ambos do CPC.
III) A admissibilidade de uma livrança em branco não dispensa a obrigatoriedade da verificação ab initio dos requisitos essenciais que devem constar da mesma, sendo um deles a data de emissão.
IV) O douto despacho recorrido fez uma errada interpretação do artº 10.º da LULL, que deve ir no sentido de que a falta de um requisito essencial na livrança, constando de normas especiais, não pode ser colmatada pelo seu preenchimento posterior. Ao ter decidido como decidiu, o douto despacho recorrido violou ainda as normas constantes do artº 75, nº 6 e 76.º da LULL.
V) Há indeterminabilidade do aval, quando este visa garantir, enquanto aval de uma promessa de pagamento, o cumprimento de toda e qualquer obrigação, sem limite temporal ou de valor, consubstanciando, nos termos do artº 280.º do Código Civil, a nulidade do negócio jurídico em que o aval se traduz.
VI) Se o avalista responde da mesma forma que o aceitante quanto ao cumprimento da obrigação cambiária – promessa de pagamento -, os termos e condições em que esse cumprimento se efectua não podem deixar de ser diferentes.
VII) Ao entender-se que a desnecessidade de protesto para exercer o direito de acção se aplica não só ao aceitante como ao avalista do aceitante, traduz uma errónea interpretação e aplicação dos artºs 32.º e 53.º da LULL, porquanto o primeiro deve ser interpretado no sentido da equiparação respeitar ao cumprimento da promessa de pagamento, e o segundo, no sentido de a desnecessidade do protesto só ser aplicável ao aceitante.
VIII) O acordar-se na entrega de livrança(s) para garantir o bom cumprimento de um contrato, não dispensa que o respectivo pacto de preenchimento não tenha de enunciar os critérios pelos quais a livrança será preenchida (o que, aliás, consta da cláusula 5ª do contrato quadro).
IX) Constando do pacto de preenchimento - documento particular reconhecido e aceite por ambas as partes - taxativamente, que a livrança será preenchida pelos valores devidos pela falta de pagamento das rendas e encargos decorrentes da falta de cumprimento desse pagamento, não pode o julgador interpretar, sem que tenha sido feita qualquer alegação ou prova para esse efeito, no sentido da garantia em que a livrança se consubstancia, abranger o bom cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato.
X) Verificando-se, por comunicação enviada pela exequente aos executados - documento particular reconhecido e aceite por ambas as partes –, que a livrança foi preenchida com valores relativos a contratos que não foram celebrados ao abrigo do contrato quadro no âmbito do qual foi emitida, e que respeitam ao alegado incumprimento de obrigações para além da obrigação de pagar as rendas e encargos associados, estamos perante o preenchimento abusivo da livrança.
XI) A interpretação que na sentença é dada ao pacto de preenchimento, validando assim uma redacção capciosa do mesmo, é contrária aos princípios da boa fé, violando o artº 762.º, nº 2, do Código Civil.
XII) Ao ter decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou a literalidade a que devem obedecer os títulos de crédito, e como tal, o artº 10.º da LULL, violou as disposições sobre a interpretação do negócio jurídico, enunciadas nos artº 236.º e 238.º do Código Civil, violou o disposto no artº 376.º do Cód. Civil, respeitantes ao valor da prova por documento particular, e os artigos 342.º, nº 1 e artº 346.º, do mesmo diploma, relativos ao regime legal do ónus da prova.
Por último, violou ainda o princípio do dispositivo, enunciado no artº 264.º do CPC, na medida em que tal decisão traduz-se, claramente, na substituição da parte, e do que a mesma deveria ter feito e não fez, pelo juiz, “reparando” aquela actuação defeituosa da parte.
XIII) Por último, de referir que, havendo no processo elementos suficientes para decidir a procedência da oposição, não há nos autos os factos suficientes para decidir pela sua improcedência, pelo que a douta decisão recorrida, também aí ilegal, violou os artºs 510.º, nº 1, al. b) e 511.º, nº 1, ambos do CPC.
**
Não foi apresentada contra-alegação.
**
Factos provados:
A decisão impugnada seleccionou os seguintes factos que considerou admitidos por acordo ou já provados:
1. A exequente L., Aluguer de Viaturas, SA, moveu a presente acção executiva contra D.- PD , Lda, Margarida P., Rui L., Maria L. José L., apresentando como título executivo, uma livrança (fls.6 da execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido) subscrita pela gerência da executada D. - PD, Lda, no valor de € 58.709,17 euros, nela constando como local de emissão, Porto Seguro e data de vencimento 05.2011, e avalizadas pelos demais executados, a qual entregaram em branco ao exequente aquando da subscrição do documento aludido em 2).
2. Em 03.2006, a exequente e a executada D. - Lda, subscreveram documento particular, denominado ‘contrato-quadro de aluguer e de gestão de veículos n.º ...’ (fls.17 e segs que aqui se dão por reproduzidos) no âmbito do qual acordaram, com relevância para o caso concreto, para além do mais que:
“(…) 5.º livrança
Como garantia deste contrato a L. – Aluguer de Viaturas, SA poderá exigir a entrega de uma ou mais livrança(s) em branco, livrança(s) essa(s) subscrita(s) pelo Cliente e avalizada(s) pelos sócios e cônjuges ou outros avalistas.
O “Cliente” declara que autoriza a L- Aluguer de Viaturas, Lda a preencher a(s) livrança(s) anexa(s) ao presente Contrato-Quadro, pelo valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas que forem devidas pelo incumprimento do contrato, todas acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa legal máxima que vigorar na altura, bem como outros encargos e penalizações decorrentes da falta de cumprimento pontual do seu pagamento, preenchimento...
Margarida P. e marido, Rui L., residentes em Linda a Velha, deduziram oposição à execução que contra si instaurou a sociedade L., Aluguer de Viaturas, S.A., pedindo a extinção da instância executiva relativamente a si, dizendo para tal e em síntese, que assinaram a livrança em branco para garantir o pagamento das obrigações assumidas por uma sociedade de que o oponente marido era sócio da qual se desvinculou em Março de 2008, tendo dado conhecimento desse facto à exequente há cerca de três anos, desvinculando-se do aval prestado.
Acrescentam que a livrança foi assinada sem data de emissão o que a torna nula e que o próprio aval é nulo, porquanto respeita a obrigações indetermináveis, invocando ainda as excepções peremptórias de preenchimento abusivo e de falta de apresentação a protesto.
Contestou o exequente para impugnar que lhe tivesse sido comunicada a desvinculação do aval, que haja preenchimento abusivo e para sustentar a desnecessidade do protesto, concluindo a pugnar pela improcedência da oposição deduzida.
Conferida a regularidade formal da instância e por se ter considerado conter já o processo todos os elementos para conhecer do mérito da oposição, julgou improcedentes as excepções esgrimidas pelos oponentes e, consequentemente, declarou a oposição improcedente, com a legal consequência.
Inconformados com a decisão, recorreram os executados para pugnar pela sua revogação, alinhando para tal as seguintes razões com que encerram alegação oferecida:
I) No douto despacho saneador sentença não foram considerados factos que o deveriam ter sido, seja porque articulados pelos opoentes, mereceram a concordância da exequente, seja porque resultam dos documentos juntos por aqueles e não impugnados por esta.
II) Ao não considerar aqueles factos, provados por acordo entre as partes e resultantes do exame crítico das provas, o douto despacho recorrido violou os artºs 490, nº 2 e 659, nº 3, ambos do CPC.
III) A admissibilidade de uma livrança em branco não dispensa a obrigatoriedade da verificação ab initio dos requisitos essenciais que devem constar da mesma, sendo um deles a data de emissão.
IV) O douto despacho recorrido fez uma errada interpretação do artº 10.º da LULL, que deve ir no sentido de que a falta de um requisito essencial na livrança, constando de normas especiais, não pode ser colmatada pelo seu preenchimento posterior. Ao ter decidido como decidiu, o douto despacho recorrido violou ainda as normas constantes do artº 75, nº 6 e 76.º da LULL.
V) Há indeterminabilidade do aval, quando este visa garantir, enquanto aval de uma promessa de pagamento, o cumprimento de toda e qualquer obrigação, sem limite temporal ou de valor, consubstanciando, nos termos do artº 280.º do Código Civil, a nulidade do negócio jurídico em que o aval se traduz.
VI) Se o avalista responde da mesma forma que o aceitante quanto ao cumprimento da obrigação cambiária – promessa de pagamento -, os termos e condições em que esse cumprimento se efectua não podem deixar de ser diferentes.
VII) Ao entender-se que a desnecessidade de protesto para exercer o direito de acção se aplica não só ao aceitante como ao avalista do aceitante, traduz uma errónea interpretação e aplicação dos artºs 32.º e 53.º da LULL, porquanto o primeiro deve ser interpretado no sentido da equiparação respeitar ao cumprimento da promessa de pagamento, e o segundo, no sentido de a desnecessidade do protesto só ser aplicável ao aceitante.
VIII) O acordar-se na entrega de livrança(s) para garantir o bom cumprimento de um contrato, não dispensa que o respectivo pacto de preenchimento não tenha de enunciar os critérios pelos quais a livrança será preenchida (o que, aliás, consta da cláusula 5ª do contrato quadro).
IX) Constando do pacto de preenchimento - documento particular reconhecido e aceite por ambas as partes - taxativamente, que a livrança será preenchida pelos valores devidos pela falta de pagamento das rendas e encargos decorrentes da falta de cumprimento desse pagamento, não pode o julgador interpretar, sem que tenha sido feita qualquer alegação ou prova para esse efeito, no sentido da garantia em que a livrança se consubstancia, abranger o bom cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato.
X) Verificando-se, por comunicação enviada pela exequente aos executados - documento particular reconhecido e aceite por ambas as partes –, que a livrança foi preenchida com valores relativos a contratos que não foram celebrados ao abrigo do contrato quadro no âmbito do qual foi emitida, e que respeitam ao alegado incumprimento de obrigações para além da obrigação de pagar as rendas e encargos associados, estamos perante o preenchimento abusivo da livrança.
XI) A interpretação que na sentença é dada ao pacto de preenchimento, validando assim uma redacção capciosa do mesmo, é contrária aos princípios da boa fé, violando o artº 762.º, nº 2, do Código Civil.
XII) Ao ter decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou a literalidade a que devem obedecer os títulos de crédito, e como tal, o artº 10.º da LULL, violou as disposições sobre a interpretação do negócio jurídico, enunciadas nos artº 236.º e 238.º do Código Civil, violou o disposto no artº 376.º do Cód. Civil, respeitantes ao valor da prova por documento particular, e os artigos 342.º, nº 1 e artº 346.º, do mesmo diploma, relativos ao regime legal do ónus da prova.
Por último, violou ainda o princípio do dispositivo, enunciado no artº 264.º do CPC, na medida em que tal decisão traduz-se, claramente, na substituição da parte, e do que a mesma deveria ter feito e não fez, pelo juiz, “reparando” aquela actuação defeituosa da parte.
XIII) Por último, de referir que, havendo no processo elementos suficientes para decidir a procedência da oposição, não há nos autos os factos suficientes para decidir pela sua improcedência, pelo que a douta decisão recorrida, também aí ilegal, violou os artºs 510.º, nº 1, al. b) e 511.º, nº 1, ambos do CPC.
**
Não foi apresentada contra-alegação.
**
Factos provados:
A decisão impugnada seleccionou os seguintes factos que considerou admitidos por acordo ou já provados:
1. A exequente L., Aluguer de Viaturas, SA, moveu a presente acção executiva contra D.- PD , Lda, Margarida P., Rui L., Maria L. José L., apresentando como título executivo, uma livrança (fls.6 da execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido) subscrita pela gerência da executada D. - PD, Lda, no valor de € 58.709,17 euros, nela constando como local de emissão, Porto Seguro e data de vencimento 05.2011, e avalizadas pelos demais executados, a qual entregaram em branco ao exequente aquando da subscrição do documento aludido em 2).
2. Em 03.2006, a exequente e a executada D. - Lda, subscreveram documento particular, denominado ‘contrato-quadro de aluguer e de gestão de veículos n.º ...’ (fls.17 e segs que aqui se dão por reproduzidos) no âmbito do qual acordaram, com relevância para o caso concreto, para além do mais que:
“(…) 5.º livrança
Como garantia deste contrato a L. – Aluguer de Viaturas, SA poderá exigir a entrega de uma ou mais livrança(s) em branco, livrança(s) essa(s) subscrita(s) pelo Cliente e avalizada(s) pelos sócios e cônjuges ou outros avalistas.
O “Cliente” declara que autoriza a L- Aluguer de Viaturas, Lda a preencher a(s) livrança(s) anexa(s) ao presente Contrato-Quadro, pelo valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas que forem devidas pelo incumprimento do contrato, todas acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa legal máxima que vigorar na altura, bem como outros encargos e penalizações decorrentes da falta de cumprimento pontual do seu pagamento, preenchimento...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO