Acórdão nº 1942/19.5T8CSC-D.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-02-2021

Data de Julgamento23 Fevereiro 2021
Número Acordão1942/19.5T8CSC-D.L1-7
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A, contribuinte fiscal nº 163... intentou a presente ação declarativa constitutiva de divórcio litigioso, com processo especial, contra B, contribuinte fiscal nº 210..., pedindo que o Tribunal decrete o divórcio entre ambos.
Para tanto alegou, o que segue:

1. No dia 22 de Maio de 2003, a A. e o R. contraíram casamento civil, devidamente transcrito, sem convenção antenupcial, segundo o regime de comunhão de adquiridos (…).
2. Porém, há mais de um ano que, pese embora vivam na mesma habitação, estão separados, não tendo qualquer tipo de vida em comum.
3. O A. perante tal situação não pretende restabelecer a comunhão de vida com a R.
4. Sendo agora estranhos e indiferentes um ao outro, de modo que hoje é impensável para o A. a possibilidade, de algum dia, reatar a vida em comum com a R., pois que tem como definitiva a separação.
5. Aliás, há mais de um ano que não têm comunhão de vida, tendo, de facto, vidas completamente separadas.
6. O A. tem por definitiva essa separação.
7. O A. sentia e sente que não há condições para algum dia reatarem a vida em comum.
8. Ora, essa separação constitui fundamento legal para peticionar o divórcio, atento também, o disposto no artigo 1779.º do Código Civil.
9. Na verdade, está comprometida definitivamente a possibilidade da vida em comum, sendo hoje impensável para o A. reatar essa vida com a Ré.
10. Pois, sendo o Autor pessoa dotada de sensibilidade e educação normais, é agora seu propósito não restabelecer essa vida em comum com a R., por ser indesculpável e incompreensível o comportamento da Ré.
11. Salienta-se que desta união não existem filhos.
12. Existem, sim, bens móveis e um bem imóvel.”
A petição inicial deu entrada em juízo em 16-06-2019.
Citada a ré, teve lugar a tentativa de conciliação, à qual o autor não compareceu, pelo que a ré foi notificada para, querendo, contestar.
Na sequência, a ré apresentou contestação, e deduziu reconvenção alegando o que segue:

1. Aceita-se o vertido no art.º 1º da PI. Contudo, não se admitem os restantes.
2. O alegado sob os art.ºs 2º a 10º da petição mais não são do que considerações não consubstanciadas em factos, nada provando quanto ao alegado, nem demonstram qualquer utilidade para fundamentar a ação que o A. intenta.
3. Na ação de divórcio, embora sem consentimento do cônjuge, devem ser alegados factos que consubstanciem o pedido, o que o A. não logra fazer, pelo que se impugna o vertido nos art.ºs 2º a 10º da PI, pois não especifica o A., como lhe compete, em que medida é que a sua “sensibilidade e educação normais” são fundamento para a dissolução do vínculo conjugal.
4. Mais se diga que não corresponde à verdade o vertido nos art.ºs 2º a 9º da PI, já que o A. apenas falou no divórcio à Ré no final Maio de 2019, mas apenas saiu da casa da morada da família no final Junho de 2019.
5. Até tal data, A. e R. tinham uma vida normal como casal.
6. E tanto assim foi, que o cartão de cônjuge da SAD PSP foi renovado em Outubro de 2018.
7. A. e R. passaram o Natal de 2018 com a família desta.
8. O A. acompanhou a R. ao funeral do cunhado que ocorreu a 22 de Novembro de 2018, apoiando-a.
9. A economia do casal manteve-se como sempre, sendo o ordenado da R. depositado na conta conjunta do casal.
10. O A. não invoca nenhum facto que pela sua gravidade comprometa a possibilidade da vida em comum, como a tal está obrigado pelo art.º 1781º, d) do CC, pelo que a sua demanda tem forçosamente e por falta de prova, claudicar, o que se pretende.
II - DA RECONVENÇÂO
11. Ora, como se referiu supra, a separação do A. e R. ocorreu em finais de Junho de 2019. Nem o A. logra concretizar qualquer data exata, bem sabendo que saiu em Junho de 2019, optando por referir “Há mais de um ano? E desde quando?” Não diz!
12. Em abono da verdade a R. reconvinte só tomou conhecimento pelo A. em Maio de 2019, que este pretendia o divórcio, mas ainda assim, teve esperança que o A. mudasse de ideias, o que já aconteceu, pois o A, manteve-se em casa e apenas saiu em finais de Junho de 2019.
13. Assim, a R., e porque o A. saiu de casa em finais de Junho de 2019, levando os seus pertences, sem lhe ter dado qualquer razão para a dissolução do casamento, entendeu que não mais pretendia manter o seu casamento com o A..
14. Tanto mais que o A. não mais regressou a casa da morada da família, sendo que a R. intentou pedido de atribuição da casa de morada de família.
15. Assim, e tendo em conta que o disposto no art.º 1781º, d) do CC, sempre se dirá que o facto de o A. ter saído da casa de morada da família, não mais ali tendo regressado, nem desde tal data tratando a R. como sua mulher, com esta não coabitando, nem tomando refeições ou dormindo, indica que o vínculo conjugal, e devido a esta atitude do A., terminou.
16. A R. não pretende manter o casamento com o A. e, por tal quer pela presente ver dissolvido o vínculo conjugal que mantém com o A., uma vez que este saiu de casa e não mais voltou.
17. A R. pretende divorciar-se do A. sendo que os factos que supra se descrevem integram os fundamentos da alínea d) do art.º 1781º do CPC, pelo que a R. pretende que se decrete o divórcio com base no rompimento da vida em comum, por factos imputáveis ao A..”
O autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.
Conclusos os autos, foi proferido despacho no qual o Tribunal a quo determinou nomeadamente o que segue:
“O Autor A veio propor a presente ação de divórcio contra B, invocando, segundo se interpreta da petição inicial, o disposto no art. 1781 – a) do Código Civil, ou seja, a separação de facto por um ano consecutivo.
Compulsada a petição inicial, entende o Tribunal que os arts. 2º e 5º não se encontram suficientemente concretizados, importando que o Autor concretize o que ali se mostra alegado de forma conclusiva com as expressões “estão separados, não tendo qualquer tipo de vida em comum”, “não têm comunhão de vida” e “vidas completamente separadas”, mais devendo, o Autor, concretizar, em termos temporais, a separação de facto que alega.
Em conclusão, ao abrigo do disposto no art. 590, nºs 2 – b) e 4 do CPC, convida-se o Autor a, no prazo de dez dias, apresentar novo articulado em que concretize, nos termos referidos, a matéria de facto alegada, com respeito pelo que determina o nº 6 do referido art. 590 do CPC.”
Notificado deste despacho, o autor apresentou novo articulado, no qual expôs o seguinte:

1. O autor, desde os inícios de 2018, que deixou de ter qualquer vida em comum com a ré.
2. Simplesmente dividiam o mesmo espaço habitacional, dormindo em quartos separados e tendo vidas independentes.
3. Porém, a pedido da ré, que sempre disse que o divórcio seria amigável, mantiveram perante terceiros um casamento fictício.
4. A ré não queria que a sua mãe e familiares soubessem que o seu casamento já tinha chegado ao fim.
5. Por isso mesmo, o autor acompanhou a ré no funeral do cunhado em Novembro de 2018 e passou a noite de Natal com a família da ré.
6. Somente dividiam a mesma residência e respetivos custos da mesma.
7. Realça-se que o autor aguardou mais de um ano para que a ré assinasse o divórcio amigável, não podendo esta vir imputar ao autor que este é o único responsável pelo rompimento da vida em comum.
8. A ré não pode alegar que só em Maio de 2019 é que teve conhecimento que o autor queria o divórcio pois bem sabe que não corresponde a verdade.
9. Inclusive esta relação sempre teve altos e baixos, e até no ano de 2009 a aqui ré intentou uma ação de divórcio contra o autor, cujo Processo tem o n.º 7879/09.1TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo de Família e Menores da Comarca de Cascais.
10. E não é pelo facto de o cartão de cônjuge ter sido renovado em Outubro de 2018 que o autor e a ré tinham comunhão de vida.
11. Pois o referido cartão só foi renovado porque legalmente só pode ser cancelado desde que haja uma ação de divórcio intentada ou decretada.”
Notificada, a ré/reconvinte apresentou novo articulado, no qual se pronunciou nos seguintes termos:
“1º
No funeral do cunhado e no Natal em que a ré foi acompanhada pelo A., foram juntos como casal sendo falso o vertido em contrário, já que os irmãos da Rá também foram, e se o A tivesse pedido o divorcio aquele nunca teria ido com a Ré.

Quanto ao cartão SAD PSP este era renovado porque a Ré é a mulher do A.

Na verdade o A desistiu, demonstrando muito arrependimento do divórcio que solicitou.

E a Ré sempre acreditou no A. tanto assim foi que incumbiu ao A a gestão das contas do casal, prova de tal gestão é o facto de só existir um cartão multibanco .

Repete-se que o A só manifestou à Ré a sua vontade em se divorciar desta no final de Maio início de junho.

Tudo o mais que o A alega é falso, e vai impugnado, concluindo-se como na
...

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