Acórdão nº 1935/10.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24-09-2020

Data de Julgamento24 Setembro 2020
Número Acordão1935/10.8BELSB
Ano2020
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

M................ EIRL – Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, devidamente identificada nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, ação administrativa comum, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, contra o Município de Lisboa, na qual pede a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 180.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, tendo por sentença datada de 15/02/2016 sido julgada totalmente improcedente a ação e absolvido o Réu do pedido.


*

A Autora, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional contra a sentença, apresentando na sua alegação recursiva, as conclusões que infra e na íntegra se transcrevem:

“1ª A decisão recorrida julgou a acção totalmente improcedente absolvendo a R. da instância por se considerar que o acto de cancelamento da licença do quiosque, por parte da R., não obstante ter sido anulado pelo tribunal, não era suscetível de fazer constituir a R. na obrigação de indemnização da A e, também,

2ª a licença do quiosque não poderia integrar o trespasse por ter natureza precária e ser intransmissível.

3ª Está em causa nos autos a perda alegada pela A do montante de € 180.000,00 correspondentes ao que iria receber pela transmissão do estabelecimento individual de responsabilidade limitada de que é titular e da venda do quiosque e recheio do mesmo devido à revogação ilícita, por parte da R., posteriormente à celebração do contrato,

4ª da licença de ocupação da via pública do mesmo quiosque, o que determinou a resolução do mesmo contrato, por parte do promitente transmissário e comprador por impossibilidade superveniente do seu objecto.

5ª Em primeiro lugar, a recorrente impugna matéria de facto, considerando incorrectamente julgados os pontos 1 a 6 da base instrutória.

6ª Relativamente aos pontos 1, 2 e 3 da B. I. os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são o Doc. 4 junto à P.I. - Contrato-Promessa de Transmissão de Estabelecimento e Compra e Venda - e os depoimentos das testemunhas da A, C................ e C................, na medida em que confirmaram a assinatura do contrato pelos aí outorgantes, as condições do mesmo e o montante a receber pela A.,

7ª sendo que a testemunha C................, no seu depoimento gravado em CD 00.00 a 06.54, referiu ter presenciado a assinatura e celebração do contrato e ter conhecimento directo do mesmo e a testemunha C................, no seu depoimento gravado de 20.10 a 23.00 e 27.00 a 27.45 viu e leu o contrato e descreveu as circunstâncias em que interviu.

8ª Relativamente ao ponto 4 da B.I. os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são o Doc. 8 junto à P.I. e os depoimentos das testemunhas C................ gravados de 06.55 a 09.00 e C................ de 22.50 a 24.09 e 25.15 a 25.35, na medida em que confirmaram ter conhecimento do recebimento da carta, aí referida, bem como terem visto a referida carta.

9ª Relativamente ao ponto 5 da B.I. os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são os Docs. 7, 8 e 9 juntos à P.I., o depoimento da testemunha C................, de 08.00 a 09.25 , na medida em que referiu que o cancelamento da licença e comunicação desse facto ao promitente transmissário e adquirente levou à denúncia, por este, do contrato o que impediu que a A recebesse a quantia contratada e o depoimento da testemunha C................ de 24.15 a 24.45 em que refere que tomou conhecimento do cancelamento do contrato , nada tendo, então, a A recebido.

10ª Relativamente ao ponto 6 da B.I., os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são o Doc. 4 junto à P.I. - contrato promessa de transmissão de estabelecimento e compra e venda - cláusula 1ª - da qual resulta que era a A a titular da licença e depoimento da testemunhas C................ de 09.30 a 10.30 que confirma que o promitente transmissário tinha conhecimento da licença em causa.

11ª Consequentemente, o tribunal deveria ter dado como provado os artgsº 1 a 6 da base instrutória até porque não foi requerida nem produzida qualquer meio probatório ou contra prova que infirmasse a prova da A

12º Relativamente a matéria de direito, considera o Tribunal que o cancelamento ilegal da licença de utilização do quiosque, por anulação desse acto pelo tribunal, não era suscetível de constituir a recorrida em obrigação de indemnização, dada a sua natureza de vício formal e não substancial.

13ª Ora, não está aqui em causa a natureza do vício mas as consequências do mesmo, sendo que se demonstra a existência de facto ilícito (o cancelamento ilegal da licença) imputável à recorrida, o dano (perda de € 180.000) e nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja.

14ª devido ao cancelamento da licença de utilização do quiosque, o promitente transmissário/adquirente resolveu o contrato, por impossibilidade superveniente do seu objecto.

15ª Consequentemente, nos termos dos artgsº 3, 7 nº 1, 8 nº 2, 9 e 10 da lei 67/2007 e 483, 562, 563 e 564 nº 1 do C. Civil, está a recorrida obrigada, a título de indemnização, a pagar à A. a quantia de € 180.000,00, acrescida de juros legais desde a citação, tendo, assim, a decisão recorrida violada esta normas legais por não as ter aplicado.

16ª Quanto à licença do quiosque, verifica-se que a transmissão do estabelecimento individual de responsabilidade limitada por forma onerosa é legal, nos termos do artgº 21 nº 1 do DL 248/86, sendo que, estando a licença de ocupação da via pública do quiosque emitida a favor do estabelecimento a mesma mantem-se inalterada, dado que não há alteração do estabelecimento mas apenas do titular.

17ª Aliás na cláusula 1ª do contrato promessa junto à P.I. - Doc. 4, vem expressamente referido que a A é a titular da licença de ocupação da via pública do quiosque, pelo que, de qualquer modo, o promitente transmissário e adquirente tinha conhecimento dessa situação quando assinou o contrato.

18ª E, sem prejuízo do exposto, sempre poderia o promitente transmissário, caso entendesse necessário requerer à R. a alteração do titular da licença, nos termos do artgº 17 do regulamento Geral do Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública.

19ª Consequentemente, a decisão recorrida violou o disposto no artgº 21 nº 1 do DL 248/86 e fez errada interpretação do artgº 17 do R.G.U.O.V.P.

20ª Assim, deverá a R. indemnizar a A. pelo valor correspondente ao que a A. deixou de receber pela resolução do contrato promessa em causa nos autos, € 180.000,00 acrescidos dos juros legais.”.

Pede o provimento do recurso e revogação da decisão recorrida por outra que julgue a ação totalmente procedente.


*

O Demandado, ora Recorrido, notificado da interposição do recurso, não contra-alegou, nada tendo dito ou requerido.

*

O Magistrado do Ministério Público neste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, no sentido de que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados, não merecendo censura.

Sustenta que a Autora não demonstrou na ação os pressupostos para efetivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, desde logo, quanto à ilicitude.


*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios:

1. Erro de julgamento de facto, em relação aos pontos 1 a 6 da Base Instrutória;

2. Erro de julgamento de direito quanto ao direito à indemnização, por verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, do facto ilícito, do dano e do nexo de causalidade.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A decisão recorrida deu com assente, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:

“A) A Autora, “M................ E.I.R.L., Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada”, pessoa colectiva n.º ................, dedica-se à exploração da indústria hoteleira, nomeadamente bar, café, pastelaria, restaurante e similares (Alínea A), dos Factos Assentes).

B) Exercendo essa actividade no quiosque sito na Rua….., frente aos n.ºs 2 e 4, em Lisboa, mediante licença emitida pelo Réu (Alínea B), dos Factos Assentes).

C) Em 31 de Maio de 1995, o Réu atribuiu a M................ a licença de ocupação da via pública com o quiosque sito na Rua…………, frente aos n.ºs 2 e 4, em Lisboa (Alínea C), dos Factos Assentes).

D) Por Despacho de 19 de Julho de 1996, comunicado à Autora por ofício da Divisão de Gestão da Ocupação do Espaço Público do Município de Lisboa, de 19 de Julho de 1996, o Réu deferiu o pedido de alteração da titularidade da licença de nome individual para estabelecimento individual...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT