Acórdão nº 193/09.1TBPTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-01-2012
Data de Julgamento | 10 Janeiro 2012 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 193/09.1TBPTL.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima,
AA
intentou a presente acção declarativa de investigação da paternidade, com processo ordinário, contra
BB
*
Alegou em resumo:— o A. nasceu em 24/1/1949, e foi registado como sendo filho de CC, não se fazendo menção da paternidade.
— Porém, o A. é filho do R., como lhe foi confessado por sua mãe (falecida em 25/5/1971).
— A mão do A. e o R. iniciaram e mantiveram relações sexuais nos finais de 1947 que perduraram durante grande parte do ano de 1948, até à altura em que a mãe do A. confessou ao R. estar grávida dele.
— Durante esse período, a mãe do A. e o R. mantiveram relações sexuais frequentes, em consequência das quais aquela ficou grávida do A..
— Durante esse período, a mãe do A. apenas com o R. manteve relações sexuais.
Termina pedindo que seja reconhecido ao A. a paternidade biológica do R..
*
O R. contestou, defendendo-se desde logo por excepção, invocando a caducidade da acção, ao abrigo do disposto no Art. 1817º n.º 1 do C.C., na redacção que lhe foi conferida pela Lei 14/2009 de ¼, que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, segundo o Art.º 3 do referido diploma.*
O A. replicou.*
Proferiu-se despacho saneador, que, conhecendo da excepção, a julgou procedente por aplicação do Art.º 1817º n.º 1 do C.C., na redacção da Lei 14/2009, e Art.º 3º deste diploma.Em consequência, absolveu o R. do pedido.
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Inconformado recorreu o A..*
A Relação, conhecendo da apelação, julgou-a procedente, e consequentemente, improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção do A., revogando a decisão recorrida.*
Como resulta dos autos a acção foi instaurada em 27/2/2009, depois da publicação no D.R. do Ac. do T.Constitucional n.º 23/2006 de 2/2, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do Art.º 1817º do CC., (aplicável ao caso por força do disposto no Art.º 1873º) e antes da publicação da Lei 14/2009 de 1/4, que alterou a redacção anterior dos Art.ºs 1817º e 1842º do C.C..Assim, em consequência da referida declaração de inconstitucionalidade e da nova lei, o prazo geral para instaurar a acção de investigação da maternidade ou paternidade deixou de ser de 2 anos para passar a 10 anos, contados a partir da maioridade ou emancipação do investigante.
Partindo da análise do mencionado Ac. do Tribunal Constitucional e demais jurisprudência sobre o assunto da mesma proveniência bem como da Lei 14/2009, o acórdão recorrido optou por não considerar inconstitucional a nova redacção do n.º 1 do Art.º 1817º do CC..
Considerou, porém, que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral do dito preceito, repristinou a norma equivalente anterior, revogada pelo legislador do C.C. de 1966, ou seja a norma do Decreto n.º 2 de 1910, que determinava que a acção de investigação da paternidade ou maternidade só podia ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe ou dentro do ano posterior à sua morte, concluindo, então, que, no caso concreto, sendo o pretenso pai (ora R.) vivo, a acção foi intentada tempestivamente.
No entanto, confrontado com a norma de direito transitório do Art.º 3º da nova lei 14/2009, que expressamente determina a sua aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o acórdão recorrido chamou à colação as regras dos Art.ºs 12º n.º 1, 297 e 331 n.º 1 do C.C., à luz dos quais teceu as seguintes considerações:
«O art.º 3º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, embora mande aplicar as alterações por ela introduzidas aos artigos 1817 e 1842 do Código Civil aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (2/4/2009), não indica a forma como essa aplicação retroactiva deve ser efectuada, pelo que a esta são, subsidiariamente, aplicáveis o n.º 1 do art.º 12º e o n.º 1 do art.º 297º, ambos do Código Civil.
- Nos termos do n.º 1 do art.º 12 do C.C., ainda que seja atribuída eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
- Ora, como nos termos do art.º 331º n.º 1, do Código Civil, a propositura da acção no prazo legal impede a caducidade do direito de acção e como este efeito impeditivo de caducidade, por força do disposto no n.º 1 do art.º 12º do C.C., fica ressalvado, no caso de publicação de nova lei com eficácia retroactiva, o direito do apelante, a investigar a sua paternidade, através desta acção, não caducou, em consequência da posterior publicação e vigência da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril.
- E, caso o apelante, à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, não tivesse instaurado esta acção de investigação da sua paternidade, ainda disporia, para o efeito, do prazo de dez anos, a contar da data da entrada em vigor (02/04/2009) daquela Lei, uma vez que esta Lei, relativamente ao repristinado artigo 130º do Código Civil de 1867, na redacção introduzida pelo D.L. n.º 2, de 25/12/1910, diminuiu o prazo legal para propositura da acção de investigação da paternidade, caso em que, por força do disposto no n.º 1 do art.º 297º do Código Civil, o novo prazo de dez anos se conta a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, ou seja, a partir de 02/04/2009 .....».
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É contra o assim decidido pelo acórdão recorrido que se insurge o R., dele recorrendo, portanto, de revista para este S.T.J..*
Conclusões*
Oferecidas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:*
«1- Com o devido respeito, o douto acórdão recorrido errou ao decidir julgar improcedente a excepção de caducidade invocada pelo ora recorrente, porquanto;2- Ressalvados os limites constitucionais, o legislador não está impedido de atribuir eficácia retroactiva às normas jurídicas por ele emanadas.
3 - O n.° 1 do artigo 12° do Código Civil tem um carácter subsidiário, só se aplicando nos casos em que o legislador não regula expressamente a aplicação no tempo da lei nova.
4 - A Lei 14/2009 de 01/04 contém uma norma de carácter transitório no seu artigo 3°, segundo a qual, o disposto naquela Lei é aplicável aos processos pendentes.
5- Contendo a lei nova, 14/2009, uma norma de carácter transitório que regula expressamente a sua aplicação no tempo, vedada está a aplicação do n.° 1 do artigo 12° do CC. e a presunção nele estabelecida.
6- Por consequência, também, fica prejudicada a aplicação do artigo 331° do Código Civil, isto porque, é a própria lei nova, através da norma de carácter transitório do seu artigo 3° a destruíra sua aplicabilidade a este caso.
7- O douto acórdão recorrido errou ao considerar que caso o recorrido ainda não tivesse instaurado a acção de investigação da sua paternidade antes da entrada em vigor da Lei 14/2009 ainda teria o prazo de 10 anos a contar da data de entrada em vigor desta Lei por força do artigo 297° do CC.
8- O prazo previsto no artigo 130° do Código de 1987, que o douto acórdão recorrido considerou repristinado por força do acórdão n.° 23/2006 do Tribunal Constitucional, não é passível de ser comparado, em termos da sua extensão temporal, com o prazo previsto na lei nova n.° 14/2009 de 01/04.
9- Uma vez que, o artigo repristinado faz depender o exercício do direito de acção de um facto incerto quanto ao momento da sua verificação, facto esse que é justamente a vida do pretenso pai.
10- Pelo que, o prazo nele previsto é tanto mais longo quanto maior for a longevidade do pretenso progenitor.
11- Com o devido respeito, o douto acórdão recorrido, também, errou ao não ter em conta todo o corpo da actual redacção do artigo 1817° do CC.
12- Uma vez que a actual redacção do artigo 1817° do CC. possibilita a interposição da acção de investigação da paternidade para além do prazo de 10 anos referido no seu n.° 1., conforme o disposto na sua Al. b) do n.° 3.
13- Pelas razões expostas, não podemos afirmar que a actual redacção do n.° 1 do artigo 1817° tenha vindo diminuir o prazo para a interposição da acção de investigação da paternidade.
14- Assim, ao não podermos estabelecer uma comparação, quanto à sua extensão, entre o prazo da norma repristinada e o prazo da lei nova, 14/2009 de 01/04, afastada está, também, a aplicabilidade ao presente caso do artigo 297° do Código Civil.
15- Ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pelo ora recorrente, o douto acórdão recorrido violou a lei substantiva, porquanto, errou ao aplicar os artigos 12°, 297° 331° do Código Civil, quando devia ter aplicado o artigo 3° da Lei 14/2009 de 1 de Abril e artigos1817° e 1873° do Código Civil.
Termos em que se requer a V. Ex.as se dignem revogar o douto acordo recorrido, mantendo-se a decisão proferida na douta sentença de 1ª instância. Assim se fazendo JUSTIÇA.».
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Em conformidade com o despacho que antecede (fls. 169), o recorrente pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade/inconstitucionalidade da Lei 14/2009, quando alargou de 2 para 10 anos o prazo do n.º 1 do Art. 1817º do C.C.. É a questão que a seguir abordaremos, embora em sentido contrário, ao defendido pelo recorrente.
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Fundamentação*
Como se vê das conclusões a única questão suscitada é a de saber se a acção de investigação da paternidade aqui em causa caducou, como pretende o recorrente, ou é tempestiva como decidiu o acórdão recorrido.*
Na aplicação do direito não está o tribunal sujeito às alegações das partes e deve mesmo apreciar as questões de direito que sejam do conhecimento oficioso, como é o caso (Art.º 333º do C.C.) e, sobretudo, não pode aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (Art.º 24º da C.R.P.), o que significa que deve apreciar a inconstitucionalidade das normas, em princípio aplicáveis ao caso, quando tal questão seja pertinente.*
A matéria de facto em equação está suficientemente descrita no antecedente relatório e vimos já qual foi, perante ela, a solução...Para continuar a ler
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