Acórdão nº 1924/17.1T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 18-10-2021

Data de Julgamento18 Outubro 2021
Número Acordão1924/17.1T8PNF.P1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação n.º 1924/17.1T8PNF.P1

Autor: B…
Ré: C… Companhia … de Seguros, S.A.

Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. Por participação entrada em tribunal foi dado conhecimento da ocorrência de um acidente de trabalho, indicando-se como vítima B..., quando exercia funções sob as ordens e direção de D…, S.A., sendo entidade seguradora C… - Companhia … de Seguros, S.A..

Decorrida a fase conciliatória, as partes não chegaram a acordo, não aceitando a Seguradora qualquer responsabilidade, por não reconhecer a existência de acidente de trabalho, em virtude de não ter ocorrido no local e em tempo de trabalho, e por não ter nexo causal com a atividade garantida pelo contrato de seguro.

Requereu o Autor, B…, a abertura da fase contenciosa do processo contra a Seguradora.
Alegou, para o efeito, em síntese: é administrador único da D…, S.A., auferindo em 2016 a remuneração mensal de €2.000,00, acrescido de outras retribuições como subsídio de alimentação, falhas de caixa, ajudas de custo, tendo a entidade empregadora transferido para a Ré a responsabilidade decorrente de sinistros ocorridos durante e por conta da execução da prestação laboral; no dia 16/09/2016, no exercício da sua atividade profissional, ao serviço e por conta da sua entidade patronal, deslocou-se ao Emirado do Dubai para representar a entidade patronal numa feira/exposição entre 17 e 19/09/2016 e que, no dia 17, pelas 7 horas, deslocou-se ao stand da empresa para os últimos preparativos, incluindo a finalização da montagem, arrumação e preparação do stand, tendo regressado ao quarto de hotel para tomar um duche, vestir roupa não transpirada e adequada às suas funções e preparar-se para os contactos comerciais, sendo que, diz, o hotel onde estava instalado foi decisão da entidade patronal, que suportou os custos; ao sair da banheira do hotel, escorregou e caiu, fraturando o membro superior direito, mais precisamente o 5º metacarpo da mão direita; foi submetido a intervenção cirúrgica ao pulso direito e permaneceu internado até 20/09/2016; por força do acidente, despendeu em deslocação, tratamentos e internamento nesse hospital a quantia de €37.698,53; regressado a Portugal, teve de continuar com tratamentos médicos e medicamentosos, nos quais despendeu €805,29; o acidente ocorreu quando estava a trabalhar sob ordens e instruções da entidade patronal, nos locais de trabalho onde cumpriria estar por determinação desta, dentro do horário normal de trabalho e executando tarefas relacionadas com a sua atividade profissional de administrador; ficou impedido de trabalhar entre 17/09/2016 e 02/11/2017; não recebeu qualquer quantia a título de vencimento, baixa médica ou prestação social, pelo que pelo período de ITA tem direito a €22.246,58; ficou a padecer de uma IPP de 2%, pelo que tem direito a uma pensão de €392,00; suportou €32,00 com despesas de deslocações obrigatórias ao Gabinete Médico-Legal e ao Tribunal.
Conclui pela condenação da Ré no pagamento da quantia global de €67.116,33, acrescido de juros de mora.

A Ré deduziu contestação, na qual, mais uma vez em síntese: para além de aceitar a existência de um contrato de seguro e apólice indicada, deslocação do Autor ao Emirado Árabe, a sua queda e salário mensal transferido de €2.000,00, alega no entanto que o evento ocorreu fora do local e tempo de trabalho, tendo ocorrido dentro do quarto de hotel, nas instalações do hotel, em domínio privado, na execução de tarefas de higiene pessoal; o âmbito contratual das garantias da apólice circunscreve-se apenas ao todo nacional, com exceção das deslocações de âmbito profissional à União Europeia, até 15 dias, pelo que a apólice celebrada é ineficaz para a reparação do evento relatado; impugna o demais alegado pelo Autor. Requereu ainda a citação da entidade empregadora, para deduzir oposição ao peticionado quanto à remuneração alegadamente excedente, para concluir no sentido da ação dever ser julgada em conformidade com o alegado e o que resultar da produção de prova.

O Autor exerceu o direito ao contraditório: mantendo o alegado na petição inicial e impugnando a proposta de seguro junta pela Ré, por não estar assinada; alegando ter sido comunicado à Ré, aquando da outorga do contrato de seguro, que a entidade patronal e seus trabalhadores se deslocavam para outros locais que não dentro da União Europeia, nomeadamente ao médio oriente, que não consta da proposta de seguro qualquer exclusão do sinistro em causa, mais dizendo que o clausulado não lhe foi lido nem explicado, pelo que estão excluídas as cláusulas contratuais gerais; alega que o tomador de seguro não foi alertado para qualquer obrigação de esclarecer o âmbito das deslocações dos seus trabalhadores e que a Ré, ao arguir a exclusão, age em abuso de direito.

Ordenada a citação da entidade empregadora D…, S.A. para contestar, a mesma não apresentou contestação.

Proferido despacho de saneamento do processo, aí se afirmando a validade e regularidade da instância, foi fixada a matéria de facto assente e indicados o objeto do litígio e temas de prova.

Entretanto, no respetivo apenso, foi decidido que o Autor é portador de uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 2%.

Posteriormente, por requerimento, veio o Autor, por força da decisão proferida no aludido apenso, requerer a alteração do pedido, em consonância com os períodos de incapacidade temporária aí fixados e correspondente redução do pedido de indemnização por tais períodos para €11.844,15.

Após resposta da Ré, em que sustentou que tal requerimento não deveria ser acolhido em virtude de a causa de pedir não se enquadrar nas garantias da apólice de seguro, o Tribunal a quo proferiu despacho em que deferiu a requerida ampliação/redução do pedido.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, na qual o Autor requereu a retificação do alegado no artigo 3º da petição inicial, no sentido de passar a constar do mesmo que a retribuição mensal era de €2.000,00 acrescido de subsídio de alimentação, o que foi deferido.

Foi por fim proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a R. C…, Companhia … de Seguros, S.A., bem como a Interveniente D…, S.A., do peticionado pelo A./sinistrado B….
Custas a cargo do A., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC.
Valor da acção – €55.960,71 (cfr. artigo 120º nº 2 do CPT).
Registe e notifique.”

2. Inconformado, interpôs o Autor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões[1]:
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2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. No Tribunal a quo foi proferido despacho com o teor seguinte:
“A fls. 367 vem o sinistrado arguir a nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 77º do CPT, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10.
No entanto, o CPT foi alterado e republicado pela Lei nº 107/2019, de 09/09, sendo que do artigo 5º da citada Lei resulta que as suas disposições são imediatamente aplicáveis às acções pendentes na data da sua entrada em vigor, o que ocorreu a 09/10/2019.
Assim sendo, a norma aplicável à arguição de nulidades da sentença não é o indicado pelo Recorrente mas antes o disposto no artigo 77º do actual CPT, que remete para os artigos 615º e 617º do CPC, que o Recorrente enquadra no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC.
Considera o Recorrente que a sentença padece de nulidade em virtude de ter violado o poder-dever de indagação oficiosa junto do ISS e/ou da R. entidade empregadora quanto ao não recebimento de vencimento, baixa médica ou prestação social (ponto 6 dos factos não provados na sentença), em violação do disposto nos artigos 5º, 441º e 662º nº 2 do CPC.
No que se refere desde logo ao disposto no artigo 441º do CPC, o mesmo diz respeito a cópia de documentos de leitura difícil, pelo que não é aplicável à questão em apreço.
Quanto ao artigo 662º nº 2, é o mesmo dirigido aos Venerandos Desembargadores, pelo que não deve ser apreciado em sede de invocação de nulidade junto do Tribunal de Primeira Instância.
Já quanto ao artigo 5º do CPC, refere-se o mesmo ao ónus de alegação das partes e poderes de cognição do Tribunal, que em nada se relaciona com a junção oficiosa de documentos, que é o pretendido pelo Recorrente.
Deve, no entanto, salientar-se que é às partes que cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e apresentar os documentos destinados a fazer prova da acção ou da defesa, com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, o que assume especial acuidade nos casos, como o presente, em que a parte se encontra representada por I. Mandatário, profissional forense, sendo que ao Juiz cabe o cumprimento dos deveres de isenção e imparcialidade que sobre o mesmo recaem (cfr. artigos 5º nº 1, 423º e 115º e ss. do CPC e artigos 4º e 6º-C do EMJ).
Sendo que, no caso concreto, o Tribunal nem sequer se pronunciou sobre o meio de prova adequado para demonstrar o facto em causa, para que o Recorrente possa inferir que os por si indicados seriam aptos a tal prova.
Por outro lado, concluída a produção de prova em sede de audiência de julgamento, na qual o A. esteve sempre representado pelo seu I. Mandatário, teve este imediato conhecimento, naquele momento, da conclusão da produção de prova e, consequentemente, da ausência de despacho a ordenar a notificação de qualquer entidade para junção de documentos comprovativos do alegado no que a esta nulidade diz respeito, pelo que esta alegada nulidade deveria ter sido invocado naquele momento, por força do disposto no artigo 199º nº 1 do CPC.
No que diz respeito à violação de uma igualdade de armas pela inquirição oficiosa da testemunha E…, estranha o Tribunal que o Recorrente assim tenha interpretado tal
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