Acórdão nº 192/19.5T8PVZ-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 20-05-2021

Data de Julgamento20 Maio 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão192/19.5T8PVZ-A.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



“Heliotextil-Etiquetas e Passamanarias, S.A.” instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Querer Mágico – Unipessoal, Lda” e “Belíssima – Acessórios de Moda, Lda.”, pedindo que as Rés sejam condenadas solidariamente a pagar à Autora:

«1. O valor global de € 150.625,00 […], acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

2. O valor que vier a ser apurado em incidente de liquidação de sentença, relativo ao custo que a Autora virá a ter com a remoção dos bens deixados no locado pela 1.ª Ré».

Para tanto e em síntese, alegou ter dado de arrendamento o imóvel em causa à Ré “Belíssima – Acessórios de Moda, Lda.” em outubro de 2015, por acordo celebrado entre a ora Autora e as ora Rés; a Ré “Belíssima … Lda.” cedeu a sua posição de arrendatária à Ré “Querer Mágico–Unipessoal, Lda.” e a Ré “Belíssima – Acessórios de Moda, Lda.” vinculou-se como fiadora da Ré “Querer Mágico – Unipessoal, Lda.”

A Ré “Querer Mágico – Unipessoal, Lda.” denunciou o contrato de arrendamento, em julho de 2018, tendo informado «que tal denúncia produziria os seus efeitos na data de 30 de novembro de 2018, altura em que seria entregue à Autora a chave do imóvel em causa, ficando este livre de pessoas e bens».

Após a denúncia do contrato de arrendamento, deixaram de ser pagas as rendas devidas, encontrando-se por pagar as rendas dos meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2018.

Além disso, o imóvel só lhe foi entregue no dia 14 de dezembro de 2018, não tendo sido paga a renda correspondente ao mês de dezembro de 2018 e que a Ré “Querer Mágico – Unipessoal, Lda.” deixou bens no interior do imóvel, pelo que a Autora terá que suportar custos para remover esses bens do imóvel.

Como ficou acordado – nos termos do n.º 2 da Cláusula Segunda do contrato de arrendamento – que «o arrendatário compromete-se […] a cumprir o contrato até 30 de abril de 2024 obrigando-se, em caso de denúncia contratual antecipada, a pagar ao Senhorio o valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido», A Autora tem direito a exigir o pagamento do valor das rendas até Abril de 2019, no montante de € 17.500,00, e ainda as que se venceriam até ao termo do contrato, no valor global de €150.625,00.

As Rés contestaram, defendendo no essencial a nulidade do estipulado no nº 2 da Cláusula Segunda do contrato de arrendamento, por limitativa do direito de denúncia reconhecido ao locatário, nos termos dos art. 1080.º do Cód. Civil, 280º e 294º do Cód. Civil».


///


Foi proferido saneador sentença que julgou parcialmente a acção, condenando solidariamente as Rés a pagarem à Autora:

- €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento;

- A quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação, relativa ao custo que a Autora virá a ter com a remoção dos bens que a Ré Querer Mágico–Unipessoal, Lda. deixou no imóvel arrendado;

- A quantia de € 127.000,00 (cento e vinte e sete mil euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento;


Inconformadas, as RR apelaram para a Relação …., basicamente defendendo o carácter abusivo da cláusula ao abrigo da qual foram condenadas a pagar as rendas vincendas.


Aquele Tribunal concedeu parcial provimento ao recurso, tendo revogado a sentença na parte em que condenou as RR a pagarem à Autora a quantia de €127.000,00, absolvendo-as desta parte do pedido, e confirmando no mais a sentença.

É a vez da Autora interpor recurso de revista, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões:

A. O Tribunal da Relação entendeu que a cláusula mencionada, configura uma proibição indirecta do direito de denúncia do arrendatário, violando assim o direito constitucional de iniciativa económica privada consagrado no art. 61º da CRP.

B. O tribunal a quo fez uma interpretação errada da cláusula, do seu propósito e do seu enquadramento legal à luz do art. 1110º do Código Civil.

C. O recurso do Réu, foi julgado procedente, uma vez que o tribunal a quo, considerou que o número 2 da cláusula segunda do contrato de arrendamento, seria abusiva por representar uma proibição indirecta do direito de denúncia. Bem como, no caso em apreço, uma actuação contrária à boa fé (art. 334 do CC) por revelar um desequilíbrio que atenta contra vetores fundamentais do sistema.

D. Com efeito, o tribunal a quo recorre a uma interpretação da norma, que é subsidiária de proteção do inquilino e que com a reforma do NRAU e do código civil, de 2006 (Lei 6/2006, de 27/02) e 2012 (Lei 31/2012, de 14/08) o legislador quis afastar no que ao arrendamento não habitacional diz respeito.

E. Como interpretou e bem o tribunal da 1ª instância, a cláusula em causa não mais é que uma verdadeira cláusula penal, que visa acautelar o dano na confiança da Autora, por denúncia do contrato.

F. Além disso, é importante ter em conta as causas e motivos que levaram a Autora à celebração do contrato nestes termos com a Ré.

G. Pois, na verdade os valores estipulados relativamente ao montante de renda a ser pago pela Ré, foram-no tendo em vista uma relação contratual duradoura e prolongada no tempo.

H. Daí o porquê da cláusula penal estipulada ter um montante tão elevado, pois visa justamente ressarcir a Autora do montante de renda perdido pela duração reduzida do contrato.

I. Portanto, o tribunal a quo, ignora a justificação de ser e a razão da existência da cláusula penal, que foi negociada e querida pelas partes, nos seus exactos termos.

J. Tal cláusula foi e é condição essencial da A. ter contratado com as RR. Nas condições em que contratou.

K. As RR. sabiam deste facto e aceitaram celebrar o contrato nestes termos, tendo perfeito conhecimento das consequências de uma denúncia antecipada do mesmo.

Afirma o tribunal a quo, “o exercício deste direito por parte da Autora é manifestamente excessivo, pelo facto de não ter sofrido qualquer tipo de prejuízo com a denúncia antecipada da Ré, possibilidade aliás, pela letra do contrato”.

Ora desde logo deverá notar-se que é o próprio tribunal da Relação, que reconhece que a denúncia é possibilitada pelo contrato, logo tal proibição não existe, pelo que a cláusula deverá ser válida.

M. Mais se deverá dizer que como já se demonstrou, não é verdade que a Autora não tenha sofrido qualquer prejuízo com a denúncia antecipada.

N. Pelo que a cláusula em questão deverá ser julgada como válida e ser assim mantida a decisão tomada pela primeira instância, isto é, de condenar as RR ao pagamento á A. da quantia de 127.000,00€ (cento e vinte sete mil euros).

Subsidiariamente,

O. Ainda que assim não se entenda, seria preciso fazer actuar a regra do art. 812º do CC, pois se assim não fosse estar-se-ia se a negar o direito das partes de fixar uma cláusula penal no contrato.

P. Como tal, sempre se dirá que será devido à Autora o montante de 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros) como cláusula penal pela denúncia antecipada, pelo dano da confiança causada pelas RR.


Termos em que deverá o presente recurso ora de revista ora interposto ser julgado totalmente procedente e, em função disso, ser o douto acórdão proferido pela Relação do Porto, revogado e condenar-se as RR. ao pagamento da quantia de 127.00,00.

Ou, se assim não se entender, condenar as Rés no pagamento da quantia de 67.500,00€.


Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto.

A Relação deu como provados os seguintes factos:

1) Encontra-se descrito na ……. Conservatória do Registo Predial …..., sob o n.º …23, da freguesia ........, o prédio urbano sito na Rua ......, n.º …..., composto por edifício de rés-do-chão, com 1000 m2, dependência com 63 m2 e terreno a logradouro, com 1069 m2.

2) Pela apresentação n.º 44, de 18/02/2004, foi definitivamente inscrita a aquisição, por compra, a favor Autora, Heliotextil - Etiquetas e Passamanarias, S. A. do imóvel descrito na ..... Conservatória do Registo Predial ……, sob o n.º ….23.

3) Em maio de 2014, entre Heliotextil - Etiquetas e Passamanarias, S. A. e Belíssima – Acessórios de Moda, Lda. (ora co-Ré) foi celebrado um acordo intitulado «CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FIM NÃO HABITACIONAL», nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 3-7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual aquela cedeu a esta, mediante uma contrapartida pecuniária, o gozo temporário do imóvel supra identificado em 1).

4) Em 31 de outubro de 2015, entre Heliotextil - Etiquetas e Passamanarias, S. A. (ora Autora), Belíssima – Acessórios de Moda, Lda. (ora co-Ré) e Querer Mágico – Unipessoal, Lda. (ora co-Ré) foi celebrado um acordo intitulado «PRIMEIRO ADITAMENTO AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO (…) CELEBRADO EM 5 DE MAIO DE 2014», nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 7v-9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5) De acordo com a cláusula primeira do acordo supra referido em 4), «os outorgantes acordam nos termos do art. 1059.º do Código Civil na transmissão da posição de arrendatária da Segunda [ou seja, da Belíssima – Acessórios de Moda, Lda.] para a Terceira outorgante [ou seja, para a Querer Mágico – Unipessoal, Lda.], o que por ela é aceite, dando a Primeira outorgante [ou seja, a Heliotextil - Etiquetas e Passamanarias, S. A.] o seu consentimento à cessão nos termos do art. 424.º do mesmo diploma legal e na constituição de fiança por parte da Belíssima».

6) E de acordo com a cláusula primeira do acordo supra referido em 4), «a Belíssima, como fiadora da Querer Mágico, Unipessoal, Limitada, que aceita ser, renuncia ao benefício da execução prévia, e assume solidariamente com a referida Querer Mágico, Unipessoal, Limitada, o que por esta é aceite, o cumprimento de todas as cláusulas do contrato, seus aditamentos e renovações até...

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