Acórdão nº 19176/16.9T8LSB.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 20-06-2023

Data de Julgamento20 Junho 2023
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão19176/16.9T8LSB.L3.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. AA propôs contra Banco Espírito Santo, S.A. (1.ª Ré – atualmente em liquidação), Banco de Portugal (2.o Réu), Novo Banco, S.A. (3.ª Ré), Fundo de Resolução (4.o Réu), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (5.a Ré) e BB (6.a Ré) ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 100.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos. Subsidiariamente, pede a declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma, devendo os Réus ser condenados solidariamente na restituição da referida quantia e juros vencidos e vincendos. Pede ainda a condenação solidária dos Réus no pagamento do valor que venha a ser calculado em liquidação de sentença, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2. Citados, todos os Réus apresentaram as respetivas contestações.

3. Finda a fase dos articulados, foi fixada a competência territorial do Tribunal recorrido, assim como a sua competência material relativamente às 1ª, 3.ª e 6.a Rés, sendo os restantes Réus absolvidos da instância.

4. Tendo ainda sido certificado o óbito da 6.a Ré, por despacho de 8 de setembro de 2020, foi declarada a suspensão da instância, nos termos do disposto no art. 270.º do CPC. Tal despacho foi notificado à Autora por transmissão eletrónica de dados de 15 de setembro de 2020.

5. A 2 de junho de 2021, a 5.a Ré apresentou requerimento com o seguinte teor: "1. Por despacho proferido em 08.09.2020, com a ref ...73, este Tribunal declarou suspensa a instância em virtude do falecimento da Ré BB, nos termos do disposto no artigo 270° do Código de Processo Civil (doravante, C.P.C.). 2. Esse despacho foi notificado às partes por ofícios elaborados a 15.09.2020, pelo que as mesmas se consideram notificadas na data de 18.09.2020, nos termos do art." 248."do C.P.C.. 3. Ora, de acordo com o disposto no art." 281°, n.° 1 do C.P.C., "considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. " 4. Sucede, que até à presente data, a Autora não requereu, como se impunha, a habilitação de herdeiros da Ré BB, nos termos do art.°351.°, n.° 1 do CPC. 5. Pelo exposto, e uma vez que a instância se encontra suspensa há mais de seis meses, a aguardar o impulso processual da Autora (por ser quem tem interesse na demanda), requer-se a V. Ex "aue se digne a ordenar a extinção da instância nos termos dos artisos 277.", al c) e 281.". n.as 1.3 e 4. todos do C.P.C"

6. A 8 de junho de 2021, a Autora apresentou requerimento com o seguinte teor: "AA, Autora nos autos acima melhor identificados, vem, em resposta ao requerimento da CMVM, vem informar que as consultas das bases de dados fornecidas não permitem apurar quem são os herdeiros da falecida. Pelo que, abrigo do princípio da cooperação das partes, nos termos do artigo 7. ° do CPC, solicita a V. Exa. que sejam providenciadas diligências de notificação do cônjuge da Ré falecida para vir aos autos indicar quem são os herdeiros/sucessores da mesma, para efeitos da respectiva habilitação. Neste sentido, os autos não poderão ser considerados desertos por falta de impulso da Autora, encontrando-se este a aguardar as respectivas informações solicitadas para promover o necessário.".

7. A 2 de novembro de 2021 foi proferido o seguinte despacho:

"Nestes autos de acção declarativa comum que AA instaurou contra Banco Espirito Santo, S.A., Fundo de Resolução, Novo Banco e BB, todos identificados nos autos , tendo a instância sido suspensa em 8.9.2020 nos termos do disposto pelo artigo 269°, n° 1 , a) e 270°, n° 1 , do C.P.C. , por falecimento da ré BB, decisão essa notificada em 15.9.2020, decorreram mais de seis meses sem qualquer impulso processual por parte da Autora (artigo 281°, n°l , do C.P.C. ).

Ora não tendo a Autora deduzido nesse prazo o necessário incidente de habilitação dos herdeiros da falecida Ré , ou sequer - caso se verificasse dificuldade no apuramento desses herdeiros - requerido qualquer diligência ao tribunal no sentido de apurar esses factos, essa omissão de impulso processual é claramente negligente e como tal, nos termos preconizados pelo disposto nos artigos, 277°, c) , 281°, n" 1, 269°, n° 1, a) , 270°, 276°, n° 1, a) do C.P.C., a instância extinguiu-se por deserção.

Custas pela Autora.".

8. A Autora AA interpôs recurso de apelação desta decisão.

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Por acórdão de 28 de abril de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão

recorrida.

Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar”.

11. Não conformada, a Autora AA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:

A. Salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que andou mal o douto Tribunal a quo ao qualificar a conduta da Autora como negligente e, consequentemente, considerar verificado o pressuposto subjetivo da deserção da instância, previsto no art. 281º do CPC.

B. O douto Tribunal fez ainda uma errada interpretação e aplicação do art.º 281 .º, na medida em que considerou que a deserção da instância opera automaticamente, sem necessidade de prévio despacho judicial e sem necessidade de exercício do contraditório.

C. Por discordar desse entendimento, por existirem Acórdãos da Relação em contradição com o recorrido, e com vista a uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 672.º, al. a) e al. c), vem a Autora interpor o presente Recurso de Revista Excecional.

D. Isto porque, desde logo, não pode considerar-se preenchido o requisito de natureza subjetiva, previsto no art.º 281 .º do CPC, para a verificação da deserção da instância, uma vez que a Autora não atuou com negligência, ativa ou omissiva.

E. Senão vejamos, o Tribunal de primeira instância, tendo dado nota do falecimento da Ré BB, decidiu pela suspensão da instância.

F. A Autora, aqui Recorrente, apresentou um requerimento em 08-06-2021, ao abrigo do princípio da cooperação das partes, através do qual solicitou ao Tribunal a notificação 16 de 18 do cônjuge da Ré falecida para que viesse aos autos indicar quem eram os herdeiros/sucessores da mesma, para efeitos da respetiva habilitação.

G. Contudo, o Tribunal não se pronunciou sobre esse pedido, decidindo automaticamente pela deserção da instância.

H. Ora, é entendimento da Autora, que o Tribunal deveria ter efetuado a notificação do cônjuge da Ré falecida para vir informar da identificação dos herdeiros/sucessores da mesma, ou pelo menos deveria o Tribunal se ter pronunciado fundadamente sobre essa pretensão do Autor, em cumprimento do princípio da cooperação previsto no art.º 7°- do CPC.

I. Salvo o devido respeito, não podia o Tribunal extrair um comportamento negligente por parte da Autora, pela não dedução do incidente de habilitação de herdeiros, ao invés de notificar do cônjuge da Ré BB, conforme peticionado pela Autora e com vista à identificação dos herdeiros/sucessores da parte falecida.

J. No entanto, esta foi a decisão tomada pelo douto Tribunal de primeira instância, decisão essa que foi confirmada pelo Tribunal a quo.

K. Ao que acresce o facto de o Tribunal não ter concedido a possibilidade à Autora, de exercício do contraditório, num momento anterior à prolação da sentença de deserção da instância, que gerou uma verdadeira decisão-surpresa.

L. Pois, considerando os graves efeitos que resultam da extinção da instância, e o facto de se ter de apurar do comportamento negligente da parte na omissão do impulso processual, nunca poderia o tribunal ter decidido pela deserção da instância sem previamente conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa questão, conforme prevê o art. 3º, nº 3 do CPC.

M. Em face deste entendimento, deveria o douto Tribunal de primeira instância ter notificado a Autora para se pronunciar quanto ao requisito subjetivo da deserção da instância, o que não o fez.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V/EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE IN TOTUM A DECISÃO RECORRIDA, E EM CONSEQUÊNCIA SEGUINDO A AÇÃO JUDICIAL OS SEUS TRÂMITES.

SÓ ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!”.

12. Não foram apresentadas contra-alegações.

13. O recurso foi admitido pelo Senhor Desembargador-Relator.

14. Tratando-se de um recurso de revista excecional, interposto à luz do art. 672.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC, pela Autora AA, a Relatora remeteu os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, em ordem ao apuramento dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito.

15. Por acórdão de 10 de novembro de 2022, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso de revista excecional ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

- saber se a negligência a que se refere o art. 281.º do CPC é ou não meramente processual ou aparente, devendo ou não ser efetivamente apurada no processo;

- saber se a deserção da instância opera ou não sem necessidade de exercício do contraditório;

- saber se essa omissão gera ou não uma decisão-surpresa.

III – Fundamentação

A. De Facto

Relevam os factos mencionados supra.

B. De Direito

Da deserção da instância

1. De acordo com o art. 281.°, n.° 1, do CPC, a instância da ação declarativa considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais...

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