Acórdão nº 1913/18.9T8PDL.L1.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-02-2021

Data de Julgamento23 Fevereiro 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão1913/18.9T8PDL.L1.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Proc. 1913/18.9T8PDL.L1.L1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório

Farmácia de Venília Margarida da Costa Ponte, sociedade unipessoal, Lda., com sede na Rua Açoreano Oriental, nº. 12, São Sebastião, Ponta Delgada, instaurou, em 30/07/2018, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Massa Insolvente da sociedade Walter Oliveira da Ponte, Lda., representada pelo Administrador Judicial Dr. AA e contra BB e mulher CC, residentes na Rua………, formulando o seguinte pedido:

“a) Condenar-se os Réus (alienante e adquirente) a reconhecer à Autora o direito de preferência na aquisição do prédio identificado supra (i.e., na compra e venda formalizada por escritura pública de 20 de Outubro de 2017, outorgada no Cartório Notarial do Dr. DD, do prédio urbano, em regime de propriedade total, composto pela Casa ….. destinada a Comércio, sito na freguesia……, concelho……, na Rua……., descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o número …….23, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ….13, substituindo-o na mesma compra e venda, ao Réu comprador, nela passando a ocupar a posição deste);

b) Condenar-se os Réus a entregar imediatamente o prédio melhor identificado supra à Autora, assim se reconhecendo e declarando, com efeitos ex tunc, o direito exclusivo de propriedade daquela sobre este, mais se autorizando o cancelamento de quaisquer inscrições registrais incompatíveis com tal decisão, com todas as legais consequências”.

Alegou, em resumo, que celebrou, em 01/08/2014, com a sociedade Walter Oliveira da Ponte, Lda., um contrato de arrendamento, destinado à exploração do estabelecimento comercial de farmácia da A., contrato esse referente ao prédio urbano, em regime de propriedade total, sito na Rua do Melo, em Ponta Delgada n.ºs 53-57 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 113.

Entretanto, no início do mês de Novembro de 2017, tomou a A. conhecimento (por o R. BB a haver contactado a comunicar que a renda devia passar a ser-lhe paga na qualidade de novo proprietário/senhorio) de tal prédio haver sido alienado no âmbito do processo de insolvência (entretanto decretada) da sociedade proprietária/senhoria; e, em Fevereiro de 2018, tendo recebido notificação judicial avulsa, do R. BB, a denunciar o contrato de arrendamento, tomou conhecimento, face ao teor da escritura de compra e venda lavrada em 20/10/2017, do preço da mencionada alienação: € 295.000,00.

Sucede que nunca a A. foi notificada, designadamente pelo Sr. Administrador Judicial da Walter Oliveira da Ponte, Lda., nos termos e para os efeitos do exercício do direito de preferência em tal alienação, o que, segundo a A., se imporia face à antiguidade – mais de 3 anos, à data da outorga da escritura de compra e venda – do contrato de arrendamento.

Os RR. contestaram, separadamente.

Invocou a R. Massa Insolvente que a A. foi expressamente notificada (antes do ato de abertura das propostas) para o exercício do direito de preferência e tinha de o exercer, nos termos do art. 819.º/1 do CPC, no próprio ato de abertura das propostas, o que não fez, perdendo tal direito e não podendo prevalecer-se do disposto no art. 819.º/4. do CPC; e, por exceção, invocou a caducidade do direito de preferência por a presente ação haver sido intentada para além do prazo de 6 meses previsto no art. 1410º do Cód. Civil (prazo que, segundo tal R., terá tido o seu termo inicial em 06/11/2017, expirando em 06/05/2018, ou seja, antes do dia 30/07/2018, data da propositura da ação).

Alegaram os RR. BB e CC que, em 28/07/2017, à data da abertura das propostas, o contrato de arrendamento ainda não tinha completado 3 anos e que, por isso, a A. não era titular do direito de preferência de que se arroga; e, por exceção, invocaram quer a caducidade de tal direito de preferência, por, à data da propositura da ação (30/07/2018), já haver decorrido prazo superior ao legalmente previsto para o exercício daquele direito, quer a renúncia ao exercício do direito por parte da A., traduzida no seu comportamento de reconhecimento dos RR. contestantes como legítimos proprietários/senhorios do imóvel em causa, quer o abuso de direito da A., na modalidade de venire contra factum proprium, consistente no exercício do direito de preferência em contradição com o anterior comportamento de reconhecimento dos RR. contestantes como legítimos donos do imóvel.

E concluíram a 1.ª R e os 2.º RR. no sentido da ação ser julgada totalmente improcedente ou por não ser reconhecido à A. o direito de preferência de que se arroga ou em função da procedência das várias exceções perentórias invocadas.

A A. respondeu às exceções invocadas, pugnando pela improcedência das mesmas.

Foi realizada a devida audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador stricto sensu – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – após o que, decorrido o prazo que as partes pediram para chegar a acordo, considerando-se que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, foi proferido saneador/sentença, em que se concluiu do seguinte modo:

“Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo os Réus Massa Insolvente da Sociedade Walter Oliveira da Ponte, Lda. e BB e CC do pedido deduzido nos autos pela Autora Farmácia de Venília Margarida da Costa Ponte, Sociedade Unipessoal, Lda.”

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, o qual foi julgada procedente e, consequentemente, foi tal decisão substituída pela seguinte:

“ (…) revoga-se o saneador sentença apelado, no reconhecimento da Autora ser titular de direito legal de preferência, na data da outorga do instrumento de venda executiva (escritura pública de compra e venda), por negociação particular, do local arrendado - prédio urbano, em regime de propriedade total, sito na freguesia……, concelho……., na Rua……., descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o número ………..23, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …13º ;

determinando-se o ulterior prosseguimento da presente ação, de forma a conhecer-se acerca do pedido acional formulado pela Autora, com a prática dos acos considerados necessários e pertinentes pelo Tribunal a quo (…)

Inconformados, agora os RR., interpõem ambos recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, invertendo o decidido, reponha a decisão de 1.ª Instância, assim julgando a ação totalmente procedente.

A 1.ª R. terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido que revogou o saneador sentença apelado, reconhecendo que o recorrente é titular de direito legal de preferência, na data da outorga do instrumento de venda executiva (escritura pública de compra e venda), por negociação particular, do local arrendado, e determinando o prosseguimento da ação de forma a conhecer-se acerca do pedido acional formulado pela Autora (aqui recorrente), com a prática dos atos considerados necessários e pertinentes pelo Tribunal a quo.

2. Não existe qualquer direito de preferência legal que deva ser reconhecido à recorrida Farmácia.

3. O momento relevante para se aferir da existência de direito de preferência legal é o da aceitação da proposta de compra / adjudicação, e não o da outorga ou emissão do título de transmissão.

4. A melhor jurisprudência para decisão do caso concreto é a vertida no saneador sentença de 1ª Instância, sendo também a mais correta solução de direito e a que melhor acautela o princípio da confiança que é trave mestra do ordenamento jurídico, enquanto tutela da confiança das partes no momento de contratar.

5. Isto porque com a aceitação da proposta apresentada pelo proponente e respetiva adjudicação, cria-se neste a legítima e fundada expectativa da formalização do contrato de compra e venda logo que cumpridas as demais exigências legais – pagamento do remanescente do preço e cumprimento das obrigações fiscais, o que constitui naturalmente um processo dinâmico e encadeado cuja duração no tempo não é previsível.

6. Sendo admitido que com o processo de venda em curso, e já após a diligência de abertura de propostas / adjudicação ao proponente, se constitua um direito legal de preferência, frustram-se completamente as expectativas das partes, que são e têm de ser tuteladas pelo Direito, provocando-se, ademais, uma violação da segurança jurídica enquanto objetivo primordial da ordem jurídica.

7. A recorrida Farmácia com esta ação adopta um comportamento que, para além de ilegal, se entende estar eivado de abuso de direito, pois bem sabendo ser titular de direito de preferência convencional, sendo esse direito respeitado e cumprido pelo obrigado senhorio (aqui Massa Insolvente), sendo chamada a exercer o seu direito e não o fazendo, pretende agora fazer tábua rasa de tudo e prevalecer-se de um direito legal de preferência adquirido antes da escritura de compra e venda, quando era titular ab initio de um pacto de preferência.

Quando assim não seja entendido,

8. O Sr. Administrador da Insolvência sempre reconheceu a recorrida como arrendatária do imóvel e titular do direito de preferência, mas de natureza convencional, porquanto tal convenção foi plasmada ab initio na cláusula nona do contrato de arrendamento junto como documento n.º 1 da petição inicial.

9. O Sr. Administrador da Insolvência cumpriu esse direito de preferência convencional, notificando a recorrida Farmácia do dia, hora e local da diligência de abertura de propostas e demais condições de venda.

10. A recorrida Farmácia não compareceu nem se fez representar nessa diligência, pelo que deixou precludir o seu direito de preferência, pelo seu não exercício.

11. Não obstante no artigo 416º, n.º 2, do CC, seja estabelecido prazo de resposta para o...

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