Acórdão nº 1906/23.4T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-03-2024
Data de Julgamento | 04 Março 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 1906/23.4T8PRT-A.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Acordam as Juízas da 5ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Morais
Primeira Adjunta: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
Segunda Adjunta: Ana Paula Amorim
I_ Relatório
AA requereu o procedimento cautelar especificado de arresto contra BB e CC pedindo que seja decretado o arresto do prédio composto por habitação no rés-do-chão direito, sito na Travessa ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o artigo n.º ...; e a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um armazém na cave, com entrada pelo n.º ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs ... e ..., da Freguesia ..., concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... da Freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., para acautelar o crédito que possui sobre os Requeridos, no valor de €52.241,85 (cinquenta dois mil duzentos quarenta e um euros, oitenta cinco cêntimos).
Alegou, em síntese, que:
i. O Requerente pretendeu, em 2003, adquirir a fração autónoma designada pela letra “ A” correspondente a um armazém na cave, com entrada pelo n.º ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs ... e ..., da Freguesia ..., concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... da Freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ....
ii.Para tanto, necessitava de € 45.000,00 que, no momento não dispunha, nem reunia as condições económicas exigidas pelas instituições de crédito para contrair um mútuo financeiro.
iii. Assim, dispondo apenas de € 20.000,00 (vinte mil euros ) que o Requerente disponibilizou aos Requeridos, a sua irmã BB e o marido desta, CC, para com esse dinheiro, acrescido da quantia de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros) que estes obtiveram por via de um financiamento junto de uma instituição bancária, junto do antes Banco 1..., agora Banco 2..., perfazer o referido montante de €45.000,00, necessário para aquisição daquele imóvel e consequentes despesas de registos e outras.
iv. Obtido esse financiamento bancário de €25.000,00 (vinte cinco mil euros), acordaram verbalmente as partes no seguinte:
a. até ao pagamento do total do capital mutuado, juros e despesas, aquela fracção seria registada em nome dos mutuários, os Requeridos BB e CC, comprometendo-se estes, a final, transferir a propriedade do citado imóvel para o Requerente;
b. as prestações mensais de amortização de todo o crédito e juros seriam totalmente da responsabilidade do Requerente;
c. o Imposto Municipal sobre Imóveis relativamente àquele imóvel, até que fosse alterado o referido registo, ficaria, como ficou, sob encargo do Requerente.
v. O Requerente em 2003, instalou-se no referido imóvel, usando-o como seu fosse, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de boa-fé, de forma ininterrupta, pacifica, na convicção de que exercia um direito próprio embora sabendo que o registo havia sido feito a favor de terceiros nas circunstâncias antes descritas, por um lado e, por outro lado, na convicção de que a irmã e o cunhado nunca faltariam com a sua palavra, ou seja, detinha o Requerente a posse, uso e fruição plenas do imóvel ali identificado.
vi. Entre Novembro de 2003 e o dia 10 de Outubro de 2015, o Requerente, cumprindo, nesse período, o convencionado, pagou 144 (cento quarenta e quarto) prestações mensais às instituições de crédito (Banco 1... e Banco 2...), no valor total de € 31.694,00 (trinta um mil euros, seiscentos noventa e quatro cêntimos) correspondente ao capital e juros mutuados.
vii. Pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis devidos por aquela propriedade como acordado.
viii. Liquidado todo como o mútuo bancário e cumprido que foi, pelo Requerente, o acordado, era expectável que os Requeridos, cumprissem com a sobredita transferência de propriedade para o Requerente, como resultava do citado acordo verbal, o que não aconteceu.
ix. Interpelados os Requeridos, pelo Requerente, para procederem à transferência de propriedade, aqueles não só não o fizeram, como intentaram contra o Requerente uma acção que correu termos no Juízo Local Cível sob o n.º 2052/17.5T8GDM que foi julgada procedente e condenado o Requerente a reconhecer que os ora Requeridos são os proprietários do referido imóvel, bem como a restituí-lo aos Requeridos livre de pessoas, o que fez.
x. Aceitou fazer o negócio jurídico verbalmente atentas as relações familiares (irmã e cunhado) e por ter acreditado na boa fé dos Requeridos;
xi. A Requerida BB, sua irmã, confessou em julgamento, no processo n.º 72/17.9T8GDM, que as 144 transferências bancárias para a referida conta bancária, pelo Requerente, consumaram o pagamento de todo o capital mutuado e respectivos juros correspondentes ao mútuo que os Requeridos contraíram a fim de se financiarem com o valor de € 25.000,00 que faltava para a aquisição do sobredito imóvel.
xii. Concluiu que tem o Requerente um crédito sobre os Requeridos, no valor de €52.241,85 (cinquenta dois mil duzentos quarenta e um euros, oitenta cinco cêntimos), correspondente à entrada inicial, transferências para liquidação do capital mutuado e juros e, ainda, o IMI [entrada inicial: € 20.000,00 + 144 transferências bancarias para liquidação de capital mutuado e juros, no montante de € 31.694,00 + liquidação do Imposto Sobre Imóveis, no montante de € 547,85].
xiii. A circunstância de terem sido interpelados para o efeito e ainda não terem pago a dívida ao Requerente e, ainda, por outro lado, “atento ao caráter e perfil desonesto dos Requeridos, tudo somado leva a acreditar na real possibilidade de virem a alienar património para se furtarem à acção do credor Requerente, in caso, a acção de condenação que este irá intentar contra aqueles por ser a única forma de reaver o seu crédito sobre aqueles, sendo aqui que entronca, precisamente, um justificado receio, de perda da garantia do seu crédito”.
Concluiu, assim, que se verificam os pressupostos para que seja decretado o arresto.
*
I.1_ Por despacho de 7/9/2022, foi “declara[da] a incompetência d[o] Juízo Local Cível de Gondomar para a preparação e julgamento do presente procedimento cautelar” e determinada “a remessa destes autos ao (…) Juízo Central [Cível do Porto]”.
*
I.2_ Remetidos os autos para o Juízo Central do Porto, por despacho, datado de 26/9/2022, foi decidido que pelo “requerente nenhum facto alegou passível de integrar o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial do alegado crédito. O que o requerente se limita a fazer é a alegar o seu receio meramente subjetivo de perda de garantia patrimonial. Não faz qualquer sentido estar o tribunal a convidar o requerente a trazer aos autos factos passíveis de fundamentarem um justo receio objetivo (que é o que é passível de integrar o requisito do periculum in mora) que não foram alegados (…).
Dada a falta de alegação de quaisquer factos passíveis de preencher o requisito do periculum in mora, conclui-se que o requerimento inicial não contém quaisquer factos que permitam concluir pelo preenchimento do requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial. É, assim, manifesta a improcedência do pedido de arresto, o que determina, nesta fase (arts. 226.º, n.º 4, al. b) e 590.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil), o indeferimento liminar do arresto.
Decisão
Pelo exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto.
Custas do procedimento a cargo do requerente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Valor do procedimento: € 52.241,85.
Notifique.
Registe.
*
I.3_ Interposto recurso dessa decisão, por Decisão de 25/10/2022, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, foi decidido “conceder provimento ao recurso aqui interposto, e revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por uma outra que convide o requerente AA a, em prazo a fixar, aperfeiçoar o requerimento inicial, concretizando os factos susceptíveis de preencher o requisito da providência do justo receito de perda da garantia patrimonial.”.
I.4_ Em 17/11/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Em cumprimento do determinado pelo Tribunal da Relação do Porto, convido o requerente AA a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoar o requerimento inicial, concretizando os factos suscetíveis de preencher o requisito da providência do justo receio de perda da garantia patrimonial.
I.5_ Na sequência do convite feito pelo Tribunal, o Requerente apresentou, em 24/11/2022, requerimento no qual alegou o seguinte:
a. os requeridos BB e CC, aconselhados ou não por advogado(a), não evidenciam através de publicidade estática por eles divulgada a vontade de alienar pela venda o património que detêm sabendo que uma das consequências possíveis e previsíveis em caso de condenação na ação principal, será a penhora e venda desses bens para pagamento da dívida ao requerente.
b. Porém, vão manifestando essa vontade de alienação por contactos directos e verbais com potenciais terceiros interessados na compra desses imóveis, facto que é do conhecimento directo das testemunhas arroladas”.
I.6_ Foi determinada a produção das provas oferecidas pelo requerente, sem audiência da parte contrária.
I.7_ Ouvidas as testemunhas arroladas pelo Requerente e prestadas declarações de parte, foi proferida decisão [1], em 7/12/2022, constando do dispositivo:
“…ao abrigo das disposições legais acima referidas, julgo procedente este procedimento cautelar de arresto interposto por AA contra BB e marido, CC e, consequentemente, decido ordenar o arresto dos seguintes bens imóveis, para garantia do crédito do requerente, até ao valor de 52.241,85 euros:
a) Imóvel composto por habitação no rés-do-chão direito, sito na Travessa ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatório do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO