Acórdão nº 1906/21.9T8LOU-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 28-11-2022

Data de Julgamento28 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1906/21.9T8LOU-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1906/21.9T8LOU-B.P1
(Embargos de executado)
Comarca do Porto Este
Juízo de Execução de Lousada (Juiz 1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
AA, devidamente identificada nos autos, veio, por apenso aos autos de execução sumária para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 1906/21.9T8LOU, correm termos pelo Juízo de Execução de Lousada, Comarca do Porto Este, em que figura como co-executada, e em que é exequente “L..., L.da”, deduzir oposição, por embargos, à execução e, simultaneamente, oposição à penhora, com os seguintes fundamentos:
- A extinção, por resolução com justa causa, do aval («e, por consequência, do pacto de preenchimento, porque um depende do outro e vice-versa») que prestou na letra de câmbio que constitui o título executivo, na sequência da sua renúncia à gerência da sociedade devedora em Novembro de 2018 e da perda da qualidade de sócio em 22.06.2020, resolução que comunicou à exequente por carta de 05.06.20220 em que declarava «que deixava de prestar qualquer garantia à sociedade devedora»;
- A inexistência de pacto de preenchimento (da letra de câmbio) e do contrato que o sustenta, porquanto esse contrato não se mostra assinado pelo cliente (sociedade) e pelo ora embargante, o que implica que o preenchimento da letra não tenha qualquer suporte, inquinando a validade do pacto de preenchimento e da letra;
- A exequente não podia interpelar para pagar € 6.535,10 em 22.05.2020 e preencher a letra com a quantia de € 7.109,21, em 12.10.2020;
- O abuso de direito da exequente, porquanto, em vez de reclamar créditos na insolvência da sociedade devedora e aderir ao plano aí aprovado, demandou o embargante, enquanto mero avalista da letra, antes de se verificar o incumprimento daquele plano;
- má-fé da embargada no preenchimento da letra, porquanto ele, embargante, já se havia desvinculado do pacto de preenchimento;
- O benefício da excussão prévia que lhe assiste, pois a sociedade devedora labora e gera rendimentos.
Os embargos foram, liminarmente, recebidos e, notificada a exequente, veio esta apresentar extensa contestação, invocando a ineptidão da petição de embargos, impugnando a generalidade dos factos aí alegados e contrariando os argumentos jurídicos esgrimidos pelo embargante.
Concluiu pela total improcedência da oposição.
*
Foi dispensada a audiência prévia e, tendo considerado que era possível conhecer, de imediato, do mérito da oposição deduzida, o Sr. Juiz proferiu saneador-sentença, julgando totalmente improcedentes os embargos.
Inconformado, almejando a total procedência dos embargos, o embargante interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«1. O douto saneador sentença ora recorrido fez errada avaliação da matéria de facto, da prova e errada aplicação do Direito ofendendo várias premissas legais, nomeadamente e entre outras os artº 10º, 75º a 77º da LuLL, 729º do CPC, artº 239º, 432º e 437º do CC
2. Errou no julgamento quando à possibilidade do recorrente se desvincular do aval por alteração de circunstâncias comunicadas à recorrida, errou na avaliação da validade dos contratos e por consequência do título executivo, errou na avaliação da regularidade do preenchimento do título cambiário e, por consequência, errou na decisão.
Tudo salvo o devido respeito e salvo melhor opinião.
3. Em conclusões resumidas porquanto a fundamentação é feita nas alegações para onde se remete, o recorrente entende que:
a) A decisão não poderia ser tomada liminarmente sem sujeitar a prova algumas das alegações que fundamentam a causa do recorrente, como p.e., as circunstâncias em que aceitou prestar o aval e as datas do incumprimento ou o comportamento da sociedade devedora antes e depois da gerência do recorrente ou a intervenção e conhecimento da vida societária do recorrente depois da gerência, entre outras,
b) O Mº juiz não ponderou devidamente o facto de em 05.06.2020, o recorrente ter comunicado à recorrida a resolução com justa causa do aval por alteração de circunstâncias e, por consequência, do pacto de preenchimento, porque um depende do outro e vice-versa, insistindo em 17.08.2020 e 08.04.2021, sendo que a recorrida foi indiferente às comunicações supra,
c) Existe uma serie de irregularidades processuais que inquinam a pretensão executiva da recorrida,
d) Os documentos 3 e 4 – contratos individuais – não estão assinados sequer pelo recorrente, o documento 05 não está datado pelo que a liquidação feita no documento 07 e tudo que sustentou a possibilidade de recurso ao pacto de preenchimento está inquinado.
e) Na mesma senda, está inquinado o documento 01 – contrato base que sustenta a letra e o aval – porque depende da validade dos contratos individuais que, formalmente inexistentes porque não assinados. Basta ler o documento 01 para concluir que quase todo o seu clausulado remete para os contratos que não se mostram assinados.
f) Tudo considerado, o preenchimento da letra, no que ao recorrente diz respeito, foi feito abusivamente, pois a recorrida ofendeu os princípios da lealdade e boa-fé e agiu em abuso de Direito preenchendo a o título cambiário nos modos em que o fez, bem sabendo da alteração de circunstâncias do recorrente, já nem gerente nem sócio.
g) A recorrida não é detentora de um título executivo perfeito ou validamente constituído e não pode liquidar a obrigação nos termos em que o fez (al e) do artº 729º do CPC) - não tem assim título executivo válido (al a) do artº 729º do CPC)
h) Perante tudo o supra exposto, o facto IV e, por consequência, o facto X do requerimento executivo não se podem considerar provados, muito menos em despacho liminar, o que inquina a decisão recorrida.
i) A recorrida teria de demandar a sociedade e, querendo, o recorrente com base no documento 07 junto com a execução e as respectivas facturas ali referidas e que se desconhecem.
4. Existe já vasto entendimento jurisprudencial e doutrinário que vai no sentido da tese do recorrente, algum do qual é citado nas alegações.
5. O facto do recorrente alegar que os contratos individuais não estão assinados é o mesmo que dizer que não existiu acordo ou que os seus termos eram desconhecidos. É a normal ilação da alegação. Não se pode aceitar o seu contrário na base de presunções como fez a decisão recorrida.
6. A sentença recorrida exige mais formalismo e perfeição de procedimento ao recorrente do que à recorrida, num evidente enviesamento do equilibro de forças, da justa composição do litígio, abstraindo a desproporção de forças entre uma leasing como a recorrida L... e um pequeno empresário como o recorrente que, como todos, outorgou contratos de adesão e alguns nem isso. A fundamentação não faz tem lógica e não se mostra consentânea com a normalidade das coisas que deve reger as decisões, mais ainda as liminares. O raciocínio seguido pelo Mº juiz não foi o da boa aplicação do Direito à causa em julgamento.
7. A lei determina sempre que o julgador tem de ponderar a vontade hipotética das partes e os ditames da boa-fé prescritos no art. 239º do código civil, o que, no caso, não foi feito pelo Mº Juiz errando, depois, na sentença de que se recorre porque no caso concreto sem a qualidade de gerente nunca o recorrente outorgaria o aval e perdida essa qualidade não poderia sustentar o aval»
A embargada/recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como apelação (com subida nos próprios autos de embargos e com efeito devolutivo).
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
A recorrida defende a rejeição liminar do recurso porque o recorrente não teria cumprido nenhum dos ónus de especificação que os artigos 639.º e 640.º do CPC lhe impõem.
Se é verdade que as conclusões formuladas não primam pela clareza, dificultando a identificação das questões que o recorrente pretende ver reapreciadas por este tribunal de recurso, afigura-se-nos, não obstante, que, com um esforço de compreensão, é possível equacionar como questões a resolver as seguintes:
- em matéria de facto, apreciar se há factos que assentam numa errada apreciação e valoração da prova e, por outro lado, se não foram considerados factos alegados pelo embargante que seriam relevantes para a decisão sobre o mérito da oposição deduzida;
- em matéria de direito, o recorrente submete à sindicância deste tribunal as questões de saber se:
a) a execução se baseia num título executivo que não foi validamente constituído;
b) é relevante e eficaz a denúncia/resolução do aval dado pelo recorrente à devedora/aceitante;
c) se houve preenchimento abusivo da letra de câmbio em que se baseia a execução a que o recorrente se opõe;

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Delimitado o thema decidendum, atentemos nos factos considerados provados e com relevância para a decisão de mérito (da oposição à execução):
1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução a letra junta como documento 5 do requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzida, com data de vencimento de 2020.10.30, contendo inscrita: a importância unitária de € 7.109,21; a data de emissão de 2020.10.12; no local do sacador, “L... Unipessoal, Lda.”; no local do sacado: “C..., Lda.”; contendo na parte anterior da letra, após a expressão “Aceite”, assinaturas sobre carimbo
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