Acórdão nº 189/23.0T8LRS-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 04-06-2024

Data de Julgamento04 Junho 2024
Número Acordão189/23.0T8LRS-A.L1-7
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A intentou, em 06/01/2023, o processo de execução ordinária – de que estes autos são Apenso - para pagamento de quantia certa, contra B , ascendendo a quantia exequenda ao valor total de € 24.660,75, apresentando, como títulos executivos, duas letras, de que é portadora, em que é sacadora a sociedade “Lider ….., Lda” e aceitante a sociedade B , ora executada.
A executada deduziu os presentes embargos de executado, alegando que: a sociedade executada não aceitou as mencionadas letras, nem autorizou que as mesmas fossem aceites em seu nome, nem teve intervenção em nenhuma transacção comercial com a entidade sacadora que justificasse a emissão de tais letras; tais letras são o resultado de um conluio entre a sacadora e um anterior sócio e gerente da executada, JJ ……, que combinaram a criação das mesmas, em benefício da sacadora, sem o conhecimento da executada e do outro gerente desta, PP ….., com vista ao desconto bancário das letras, para obtenção de capital pela sacadora; resulta dos estatutos da executada que a mesma se obrigava com a assinatura conjunta de dois gerentes; o gerente da executada, JJ …., não tinha poderes suficientes de representação da executada, agindo como se os tivesse, em total abuso de representação; a concessão de crédito ou de financiamento pela executada à sociedade sacadora tratar-se-ia sempre de uma liberalidade, que é um acto fora do objecto social da executada e que, no mínimo, requeria a autorização da executada por deliberação votada em Assembleia Geral; e, a exequente estava obrigada, nem que fosse por dever institucional de prudência bancária e por dever profissional de diligência e de rigor, a conferir a regularidade dos títulos que decidiu voluntariamente descontar a crédito à sacadora.
A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando que as letras em causa, enquanto títulos cambiários, caracterizam-se pela literalidade, autonomia, abstracção e independência da relação subjacente ou fundamental na qual teve a sua origem; e existe a favor da exequente uma presunção de que a executada é devedora dos valores apostos nas letras, presunção que advêm diretamente do título executivo e que é suficiente para o prosseguimento da ação executiva, sem que a exequente tenha de alegar qualquer outro facto para justificar o seu direito ao valor peticionado.
Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Efectuada audiência final, foi proferida sentença, julgando procedentes os embargos de executado e totalmente extinta a execução de que estes autos constituem apenso, com o levantamento da(s) penhora(s) efectuada(s).
Inconformada, a embargada recorre desta sentença, requerendo a respectiva revogação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A) Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a fundamentação da Sentença peca por falta de rigor, não correspondendo à verdade dos factos, porquanto não se verifica qualquer prescrição.
B) Quanto à causa de pedir na ação executiva, tem-se entendido que a mesma é constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, refletida no próprio título executivo
C)A letra constitui um título cambiário, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete para com outra a pagar-lhe determinada quantia em certa data (artº 1º da LULL).
D)As letras em causa, enquanto títulos cambiários, caracterizam-se pela literalidade, autonomia, abstracção e independência da relação subjacente ou fundamental na qual teve a sua origem, contrariamente ao que pretende demonstrar o Embargante.
E) O Banco Exequente tem meras relações mediatas, não lhe podendo, portanto, opor as excepções fundadas nas relações pessoais com a sacadora/endossante, a menos que alegue, e prove, que passou a ser portador do título com consciência do detrimento da aceitante.
F) resulta do artº. 17º da LULL, atentos os princípios da literalidade e segurança de circulação dos títulos de crédito, parece que a decisão a quo não teve esta importante norma em consideração,
G) Nas relações mediatas - as que se verificam quando a letra está na posse de pessoa estranha à convenção extra-cartular, havendo interesses de terceiros em jogo, que é preciso garantir, prevalece o princípio da autonomia, abstracção e literalidade da relação cambiária, independente por isso mesmo da causa que deu lugar à sua assunção.
H)Os subscritores da letra não podem discutir com terceiros a convenção extra-cartular, a menos que se verifique a situação que se previne no art. 17.º do L.U.L.L. onde se estatui que «as pessoas accionadas por parte de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
I)Os embargos deveriam ter sido votados ao insucesso, pois não é o Banco portador endossado quem tem de provar que usou do mínimo de diligência para se inteirar das condições em que as letras descontadas foram adquiridas,
J)O Tribunal a quo incorreu assim em erro de julgamento e em erro de direito ao julgar procedentes os embargos.
K) Sendo inoponíveis ao portador mediato e de boa-fé as excepções cambiais: falta, nulidade ou ilicitude da relação fundamental, exceptio inadimplenti contractus, etc., porque decorrem de uma convenção extra-cartular, exterior ao negócio cambiário .
L)A Embargante não alegou factos relativos à verificação da «exceptio doli» prevista na parte final do artº 17°, cuja prova era indispensável para que a defesa pudesse surtir efeito e ser eficaz contra o Banco ora recorrente.
M) No caso em apreço, a oponibilidade ao Banco só se verificaria caso tivesse sido invocado, e provado, que sabia, ou não podia ignorar, que a sociedade só se vinculava com a assinatura de dois gerentes, não sendo suficiente para tal demonstração a publicidade conferida pelo registo comercial
N) - Na verdade, a sentença recorrida padece de vicio - nulidade - já que se constata da mesma a ausência total de explicação da razão por que foi tomada a decisão em crise,
O)- Inexistindo fundamentação, ou sequer explicação plausível que pudesse escrutinar o bom juízo,
P) Existe clara violação do artigo 607º do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Q) Estatui o mesmo artigo que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
R) - A justificação de qualquer sentença não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento.
S)- In casu, verificando-se o vazio de fundamentação da sentença, esta é, sem mais, nula.
T)- A Recorrente continua sem ver o seu crédito ressarcido e a divida ainda por liquidar, da qual é ainda devedora, deve-se em exclusivo aos actos censuráveis praticados pelos Recorridos, cuja condenação no pagamento de viu a Recorrente ser declarada, pasme-se, improcedente.
U)- Devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim a decisão do Tribunal a quo ser anulada e substituída por outra que determine a condenação dos Executados no pagamento da divida peticionada.”
A embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.
II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Porém, esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114 a 116.
Nestes termos, as questões a decidir neste recurso são [a al. A) das conclusões recursórias – “a fundamentação da Sentença peca por falta de rigor, não correspondendo à verdade dos factos, porquanto não se verifica qualquer prescrição” - corresponde, certamente, a mero lapso de inserção de escrita por parte da apelante, porquanto na decisão recorrida não foi apreciada, nem julgada procedente “qualquer prescrição”, pelo que não há, em sede deste recurso, que emitir pronúncia sobre tal questão]:
a) existência de nulidade da decisão recorrida por não especificar os fundamentos de facto e de direito que a justificam – al. b) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil;
b) mérito da decisão recorrida.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou como provados os seguintes factos:
1. Pela apresentação nº 35 de 23 de Fevereiro de 2018 foi registada a constituição da sociedade Embargante, então denominada Gra…., Lda., sendo sócios gerentes PP ……… e JJ …………, sendo a forma de obrigar a sociedade, pela intervenção dos dois gerentes e tendo como objecto social, o comércio a retalho e por grosso de bebidas, distribuição, importação e exportação.
2. Em 2 de Janeiro de 2023, a Exequente, ora Embargada, A , intentou a execução comum para pagamento de quantia
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