Acórdão nº 18835/22.1T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-06-2024

Data de Julgamento04 Junho 2024
Número Acordão18835/22.1T8PRT-A.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 18835/22.1T8PRT-A.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunto: Fernando Vilares Ferreira

Adjunto: Rui Moreira


*

Sumário

…………………

…………………

…………………


*


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

O “Condomínio ...” apresentou requerimento de execução para pagamento de quantia certa contra AA, peticionando a cobrança coerciva da quantia global de € 35.803,80, acrescida de juros vincendos correspondente a quotas do condomínio extra pata realização de obras, penalidades e honorários.

O Executado deduziu embargos de executado, invocando a autoridade de caso julgado por considerar legítimo recusar o pagamento das comparticipações, enquanto as obras de reparação dos defeitos das partes comuns (que afetam as frações do executado) não forem realizadas, tal como foi já reconhecido em anterior sentença proferida entre as mesmas partes, no âmbito do processo n.º 2006/07.0TBVNG, do juízo de execução do Porto-J7, sendo que não se verificou alteração das circunstâncias atendidas nesse processo; a exceção de não cumprimento alicerça-se no facto de as frações do executado encontrarem-se inabitáveis; a extinção da obrigação exequenda por compensação de créditos por dispôr de crédito sobre o condomínio, correspondente ao valor locativo das suas frações, no montante mensal de €950,00 para cada uma, pela privação do uso das mesmas, face às infiltrações advenientes das partes comuns, o que perfaz um valor muito superior a € 35.803,80; o erro da liquidação do valor imputável às frações do executado e a falta parcial de título executivo quanto às penalidades e despesas de cobrança, por falta de previsão legal nesse sentido.


*

O Exequente contestou imputando ao Executado a responsabilidade pela não conclusão das obras, nomeadamente por recusa no acesso ao seu terraço; contraditou o direito ao valor locativo do imóvel que se encontra desabitado; imputou ao executado pelo menos parte dos estragos provocados nas suas frações, por falta de manutenção; alegou a falta de impugnação das deliberações que aprovaram as quotas.

*

Os embargos foram julgados parcialmente procedentes e, em conformidade, determinou-se a redução da quantia exequenda ao valor das peticionadas quotas extraordinárias aprovadas, no montante de €19.344,53, acrescido das penalidades, no montante de €6.770,58 e acrescida dos juros de mora peticionados, à taxa legal, sobre o capital em dívida, sendo os embargos improcedentes quanto ao remanescente peticionado.

*

Inconformado com a sentença, o Embargante interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

A–A SUSPENSÃO DOS EMBARGOS POR CAUSA PREJUDICIAL

1. O ora recorrente instaurou em 11 de Junho de 2018, uma acção com processo comum contra o aqui recorrido, em que pedia, entre outros, a condenação do recorrido:

-a realizar as obras que se vierem a apurar ser necessárias para impermeabilizar e isolar as paredes exteriores, fachadas e cobertura comuns do prédio, de forma a que não ocorram quaisquer outras infiltrações causadas por aquelas partes comuns nas fracções do Autor;

- a reparar as fracções do Autor que estejam danificados pelas infiltrações provocadas pelas deficiências das partes comuns;

- a indemnizar o aqui recorrente pelo dano causado com a sua conduta omissiva, tendo ali aduzido os factos pertinentes à causa de pedir (como por extenso consta da cópia da petição junta aos autos com a petição de embargos como documento 5).

2. Na pendência daquela acção, em 29 de Outubro de 2022, veio a recorrida instaurar contra o recorrente acção executiva para pagamento de quotas condominiais, à qual foi deduzida oposição em que invocava (entre outras)

- a excepção de não cumprimento, com fundamento no facto das obras que eram objecto do pedido da primitiva acção não terem sido realizadas (ou cabalmente realizadas);

- a excepção de compensação, com fundamento no crédito que resultava para o ora recorrente da indemnização que reclamava naquela acção decorrente dos danos causados pelo condomínio com a sua conduta omissiva.

3. Em ambas as acções seriam julgados quer a mora na realização das obras (nesta para decidir sobre a excepção de não cumprimento), quer o ressarcimento dos danos causados com aquela mora (nesta para decidir sobre a compensação de créditos).

4. Em face da concorrência daquelas acções, o ora recorrente requereu nestes embargos a suspensão da respectiva instância, em virtude de existir nexo de prejudicialidade entre a primeira e os segundos, com fundamento no disposto no art. 272º, nº 1 do CPC.

5. O Tribunal a quo negou a pretensão com os fundamentos que do respectivo despacho constam, designadamente, que a suspensão pressupunha um sentido restrito de causa prejudicial.

6. Nos termos do art 272º do CPC, justifica-se a suspensão da instância “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.

7. A doutrina distingue entre um sentido de plena compreensão e um sentido restrito de “causa prejudicial”. Num sentido restrito, “uma causa seria prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda” (Prof. Alberto dos Reis). Mas o sentido da estatuição do art. 272º não é, nem literal, nem teleológica, nem historicamente esse. Como já referia o Prof. Alberto dos Reis, “considera-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.

8. A Jurisprudência tem secundado esta doutrina consolidada. O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido pela 2ª secção em 12-01-2017, assim decidiu “Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida irá interferir e influenciar a causa dependente”.

9. “A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência de julgados” (Prof. Alberto dos Reis).

10. É a unidade do direito – princípio estruturante do Estado de Direito – que reclama que o Tribunal “evite ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, para nos exprimirmos com as palavras do art. 580.º, n.º 2 do CPC. Aliás,

11. já este Venerando Tribunal da Relação do Porto, em seu acórdão de 18.12.2018 (proferido no Proc. 6090/15.4T8LOU-A.P1), decidiu que “a razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgados entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão”.

12. A prossecução da unidade do direito, como desiderato material da actividade judicativa está expressamente consagrada no art. 8º do Código Civil: “O julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do Direito”.

13. A decisão recorrida deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que ordene a suspensão destes autos por causa prejudicial até ao trânsito da primitiva acção instaurada.

Subsidiariamente,

B – O APROVEITAMENTO EXTRA-PROCESSUAL DA PROVA

14. Em face do despacho que indeferiu a suspensão da instância por causa prejudicial, e com o objectivo de salvaguardar a “coerência dos julgados”, o A. requereu, nos termos do art. 421º do CPC, o aproveitamento extra-processual da prova produzida naquela causa prejudicial.

15. O Tribunal a quo indeferiu o requerimento, julgando-o extemporâneo, por considerar (implicitamente) que era aplicável ao momento da apresentação do requerimento o regime do art. 423º relativo à “prova por documentos”.

Porém,

16. A “invocação num processo de depoimentos e perícias produzidos noutro processo contra a mesma parte”, é possível, também aqui para garantir a economia e coerência de julgados.

17. A unidade do direito é não só um valor estruturante do próprio Direito (a par da segurança jurídica a que está associada), mas é também um factor determinante do prestígio e confiança na Judicatura. Por isso,

18. sem prejuízo do princípio do contraditório, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade” (como, em consagração do princípio do inquisitório, se dispõe no art. 411º do CPC).

19. O Tribunal a quo, na decisão agora recorrida, colocou-se também aqui contra esses dois desideratos (garantir a unidade do direito e o apuramento da verdade) recorrendo a uma aplicação extensiva do disposto no art. 423º quanto à prova por documentos para considerar o requerimento extemporâneo.

20. A invocação num processo de depoimentos e perícias produzidos noutro processo contra a mesma parte visa garantir, não só a economia processual, como sobretudo a coerência de julgados, – sendo a unidade do direito que a informa um factor determinante da confiança no exercício da função de julgar. Enquanto que a prova por documentos, regulada nos artigos 423.º a 451.º do CPC, visa apenas a prova naquele singular processo, por forma a realizar aquele também singular direito que o motiva.

21. O regime processual da prova por documentos, no que respeita apresentação, exibição, obtenção, regime probatório, ilisão da autenticidade e falsidade está inserido no Capítulo II do Título V, sob a epígrafe “Prova por documentos” - arts. 423º a 451º. O regime da “invocação num processo de depoimentos e perícias produzidos outro processo contra a mesma parte” está regulado no art. 421º inserido no capítulo I sob a epígrafe de “Disposições gerais” do título dedicado à Instrução do Processo.

O que traduz ser essa invocação (e respectiva) valoração um princípio a ter em conta no julgamento-de-facto.

22. A decisão proferida deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que admita ao julgamento da matéria de facto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT