Acórdão nº 187/21.9YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão187/21.9YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa



Resumo do processo na primeira instância


1.–A recorrente/autora, intentou contra a recorrida/ré a presente acção declarativa de condenação que segue a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização de 25 000 euros, acrescida de quantia a liquidar, de juros de mora à taxa legal a contar da citação e da imposição de uma sanção pecuniária compulsória. Invocou, como fundamentos da sua pretensão, a responsabilidade extracontratual da ré, emergente da utilização, não autorizada, durante a inauguração do Hotel Pestana CR7, de uma fotografia que constitui uma obra do autor, seu criador intelectual. Para fundamentar a sua pretensão, a autora invocou ainda os artigos 2.º n.º 1 – h), 9.º n.ºs 1 e 2, 11.º, 12.º, 41.º n.ºs 1 e 2, 67.º, 149.º, 165.º n.º 3 e 211º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), o artigo 829.º A do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 487.º n.º 2 do Código Civil (CC)cf. peça processual junta com a referência citius 88340.

2.–A recorrida/ré, foi citada via postal com prova de depósito do aviso datada de 1.6.2021 e contestou a presente acção em 1.7.2021 – cf. referências citius 88634, 89137 e 89694.

3.–A ré defendeu-se por via de excepção e de impugnação, pugnando pela improcedência da acção. Invocou, entre outros fundamentos de defesa, a prescrição do direito de indemnização do autor por já ter decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498.º do n.º 1 do CC, desde o dia 2 de Outubro de 2016, data da alegada violação do direito de autor, ou pelo menos desde 2017, ano em que o autor tomou conhecimento dessa violação. Requereu a intervenção provocada acessória da chamada, como auxiliar da defesa, alegando tê-la contratado para elaborar e difundir o vídeo de inauguração onde foi usada a fotografia aqui em crise, com observância da diligência devida. Em tais circunstâncias, desconhecendo a ré se a fotografia foi publicada sem autorização do autor, no caso de isso se vir a provar, a ré pode exercer o direito de regresso contra a chamada, nos termos do artigo 321.º do CPC – peça processual junta com a referência citius 89694.

4.–A recorrente/autora, respondeu à excepção de prescrição, defendendo que cabe à ré alegar e provar a data em que a autora tomou conhecimento do facto ilícito, por ser um dos fundamentos da excepção invocada. Adicionalmente, alegou que no dia 13.9.2019 a ré foi citada no processo 338/19.3YHLSB que correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, o que interrompeu a prescrição, nos termos previstos no artigo 323.º º n.º 1 do CC, uma vez que o objecto daquele processo é idêntico ao da presente acção, tendo aquele terminado com uma decisão de absolvição da instância – cf. peça processual junta com a referência citius 90012.

5.–A recorrida/ré, treplicou, alegando que no processo 338/19.3YHLSB, que correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, a autora foi Mo…, sociedade estrangeira sediada nos Estados Unidos e não o autor na presente acção. Defendeu que, naquele processo, o Tribunal julgou que essa sociedade carecia de personalidade judiciária e absolveu a ré da instância. Motivo pelo qual a citação, naquela outra acção, não interrompe a prescrição invocada nos presentes autos uma vez que não foi o ora autor que ali promoveu a interrupção da prescrição, como exige o artigo 323.º do CC – cf. referência citius 90724.

6.–Foi admitida a intervenção acessória provocada da chamada como auxiliar da defesa e ordenada a sua citação – cf. referência citius 452565.

7.–A chamada contestou por via de excepção e de impugnação. Invovou a prescrição e a falta de personalidade judiciária do autor – cf. peça processual junta com a referência citius 92962.

8.–O recorrente/autor respondeu à contestação da chamada defendendo ter sido ele, autor, quem promoveu a interrupção da prescrição no processo 338/19.3YHLSB, uma vez que o autor, M… (na presente acção) foi autorizado, nos Estados Unidos, a desempenhar a sua actividade comercial sob o nome de M… I… (autor no processo 338/19.3YHLSB), sendo a mesma pessoa singular que desempenha essa actividade. Alegou ainda que cabe ré provar o decurso do prazo da prescrição e pediu a condenação da ré como litigante de má fé – cf. peça processual junta com a referência citius 93154.

9.–Realizou-se a audiência prévia – cf. referência citius 473019

10.–Por despacho saneador sentença, de 7.3.2022, que aqui se dá por reproduzido, o Tribunal a quo:
  • Julgou improcedente a excepção de falta de personalidade judiciária do autor;
  • Julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e, absolveu a ré e a chamada do pedido – cf. referência citius 475967.

Âmbito do recurso

11.–Da decisão referida no parágrafo anterior, na parte que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, veio o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, formulando os seguintes pedidos:

a)- Ser o despacho saneador-sentença declarado nulo, por falta de fundamentação, devendo o mesmo ser substituído por outro em que tal vício seja expurgado;
b)-Ser o despacho saneador-sentença revogado, e, em consequência, substituído por outra decisão, com a prolação de despacho a identificar o objeto do litígio e a enumerar os temas da prova, nos termos do disposto no artigo 596.º n.º 1 do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo;
c)- Ser o despacho saneador-sentença revogado, e, em
d)-consequência, substituído por outro que julgue improcedente a exceção perentória de prescrição (...).”

12.–Nas suas alegações, a recorrente invocou, em síntese:
  • A nulidade do saneador sentença por falta de indicação dos factos que serviram de fundamento à decisão, em violação ao disposto no artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC;
  • O erro de direito porque, por um lado, é controvertida a data em que o autor tomou conhecimento do facto ilícito para efeitos de contagem do prazo de prescrição, impendendo sobre a ré o ónus da prova de tal facto; por outro lado, ainda que assim não fosse, o prazo de três anos previsto no artigo 498.º n.º 1 do CC não se aplica porque, integrando os factos alegados pelo autor, simultaneamente, um crime de usurpação, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o prazo de prescrição de cinco anos que resulta das disposições conjuntas dos artigos 498.º n.º 3 do CC, 195.º do CDADC e 118.º n.º 1 – c) do Código Penal (CP); por último, no processo 338/19.3YHLSB e na presente acção, o autor é a mesma pessoa singular devendo ter-se por interrompida a prescrição naquele processo.


13.–A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo, em síntese, que:
  • O Tribunal recorrido dispunha de todos os elementos necessários ao conhecimento da excepção peremptória de prescrição, quer porque o autor reconhece que o dano ocorreu no dia 6.10.2016, quer porque nas alegações orais, reconheceu ter tido conhecimento da utilização da fotografia no ano de 2018;
  • Não houve interrupção da prescrição no processo 338/19.3YHLSB, porque esse processo foi intentado por um terceiro e não pelo autor;
  • O recorrente não alegou, nem poderá provar, que se trata de uma obra protegida por direito de autor e não alegou o preenchimento do elemento subjectivo do crime correspondente à culpa do agente na forma de dolo ou negligência, pelo que não se aplica o prazo de prescrição mais longo, previsto para o crime de usurpação, no artigo 118.º n.º 1 do CP.

14.–A chamada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese, que:
  • Não existe nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida porque esta não tinha de elencar discriminadamente os factos provados;
  • O Tribunal recorrido interpretou correctamente o artigo 595.º n.º 1 - b) do CPC uma vez que a inauguração do hotel Pestana CR7 foi um facto notório e, por isso, é de presumir que o autor tomou conhecimento, nessa data, da alegada violação do seu direito de autor sobre a fotografia em causa;
  • Não houve interrupção do prazo de prescrição nem o autor alegou factos que integrem a prática de um crime de usurpação ao qual se aplique prazo de prescrição superior.

Questões suscitadas pelo recurso

15.–Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:

A.–Nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos provados – artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC

B.–Necessidade de mais provas para apreciação da excepção de prescrição – artigo 595.º n.º 1 – b) do CPC

Factos provados que o Tribunal leva em conta para decidir o recurso
16.– Os actos e termos processuais mencionados nos parágrafos 1 a 10, julgados provados com base nas referências citius aí indicadas, que se encontram no processo electrónico.

Quadro jurídico relevante
17.–Têm relevo para a apreciação do recurso, as seguintes disposições legais:

Código de Processo Civil ou CPC

Artigo 576.º
Exceções dilatórias e perentórias – Noção
1–As exceções são dilatórias ou perentórias.
2–As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3–As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

Artigo 595.º
Despacho saneador
1–O despacho saneador destina-se a:
a)-Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b)-Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
2–O
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