Acórdão nº 1860/19.7T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-2022

Data de Julgamento24 Maio 2022
Case OutcomeRECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Classe processualREVISTA
Número Acordão1860/19.7T8ALM.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. AA intentou contra BB Ribeiro acção declarativa com processo comum, alegando, em síntese, que é proprietária de um imóvel que a ré ocupa sem o seu consentimento e do qual a autora necessita para viver, recusando-se a ré a entregá-lo.

Concluiu pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel e a condenação da ré a devolvê-lo.

2. A ré contestou arguindo várias excepções dilatórias e alegando, em síntese, que a autora foi casada com CC que lhe doou o imóvel em causa reservando para si o usufruto, mas, posteriormente, depois de se divorciar da autora, o doador casou com a ré e intentou uma acção declarativa para declaração da nulidade da doação, que não foi contestada pela autora e na qual veio a ser declarada a nulidade da doação, deixando a autora de ser proprietária do imóvel e tendo entretanto falecido o referido CC que deixou testamento a favor da ré, dispondo sobre a quota disponível que deveria começar pelo bem imóvel a que se reportam os autos e sendo a ré herdeira juntamente com duas filhas do falecido nascidas de anterior casamento, pelo que a autora sabe que deduz pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, omitindo factos relevantes para a decisão.

Concluiu pedindo a procedência das excepções, a procedência da acção e a condenação da autora por litigância de má fé no pagamento à contestante de uma indemnização no valor de 5 000,00 euros.

3. A autora opôs-se às excepções e ao pedido de condenação por litigância de má fé alegando que na acção invocada na contestação, nº 2999/10…, a sentença de decisão de declaração de nulidade da doação foi revogada pelo Tribunal da Relação, tendo os autos prosseguido e devendo considerar-se desertos com o falecimento do autor nessa acção, tendo a autora registada em seu nome a propriedade da casa, registo este que não foi cancelado.

4. Após se diligenciar pela junção aos autos da certidão do registo predial do imóvel e da certidão extraída da acção nº 2999/10.... com decisão final de deserção da instância e nota de trânsito em julgado, bem como da notificação das partes dos documentos e ainda sobre a possibilidade da prolação imediata de decisão da causa com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes todas as exceções dilatórias deduzidas na contestação, logo seguido de sentença que, conhecendo de mérito dos autos, julgou procedente a acção, com a declaração de que a autora é dona e legítima proprietária da nua propriedade do imóvel e a condenação da ré a restituí-lo à autora e julgando improcedente o pedido de condenação da autora por litigância de má fé.

5. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação.

6. A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida e o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.

7. O recurso foi conhecido pelo Tribunal da Relação, tratando-se aí de cinco questões: junção de documentos; nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; direito da autora sobre o imóvel e litigância de má fé.

No dispositivo do acórdão consta:

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e se decide:

(i) julgar procedente a excepção peremptória invocada pela ré apelante e declarar a nulidade da doação celebrada em 6 de Agosto de 2007 entre CC e a autora apelada AA, da nua propriedade do prédio urbano sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., designado por ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...88 e inscrito na matriz sob o artigo ...55, determinando o cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor da autora donatária.

(ii) julgar improcedente a acção e absolver a ré apelante do pedido.

(iii) manter no restante a sentença recorrida, no que respeita ao pedido condenação por litigância de má fé.”

8. Não se conformando com a decisão veio a ser apresentado recurso para o STJ pela A/recorrida na apelação.

Nas conclusões da revista consta o seguinte:

a) A recorrente esteve e está de boa fé não podendo ser prejudicada por acto que não cometeu (por todos artºs 892º e 957º do Código Civil) enquanto beneficiária da doação em causa;

b) Devendo a mesma manter-se válida”


9. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (com início no n.º 26, conforme transcrição):

“26. Entende a Recorrida que a Recorrente interpôs recurso de apelação quando atento o teor das suas alegações, e da alegada violação de normas legais, deveria ter interposto recurso de revista, em conformidade com o Artigo 671.º e Artigo 674.º n.º 1 al. a), ambos do CPC, requerendo-se a sua correcção ad quem,

27. Não deverá ser atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto uma vez que não reveste carácter excepcional, nem respeita a questões sobre o estado das pessoas, como o determina o n.º 1 do Artigo 676º do CPC,

28. Caso seja atribuído efeito meramente devolutivo, deverá a Recorrente ser convidada a prestar caução, nos termos previstos no n.º 2 do Artigo 649º ex vi do Artigo 676.º do CPC.

29. Por sua vez, entende a Recorrida que tendo sido a Recorrente notificada a 8 de Novembro de 2021 do douto acórdão proferido pelo TR.…, de que recorre, e interposto recurso à data de 9 de Dezembro do presente, e atendendo que a decisão recorrida a quo ordenou o cancelamento do registo predial a favor da donatária, a ora Recorrente,

30. Que face ao disposto no n.º 2 alínea f) do Artigo 644º do CPC, norma esta aplicável in casu ex vi dos Artigos 638º n.º 1 e 677º do CPC, o prazo de interposição do recurso seria de 15 dias, e não de 30 dias,

31. Tendo a decisão recorrida, s.m.o., transitado em julgado em 24 de Novembro de 2021, tornando-se irrecorrível.

32. Pelo que o recurso interposto é manifestamente extemporâneo, devendo ser indeferido liminarmente, o que se requer a V.Exas.

Caso não seja esse o entendimento do Tribunal ad quem, e não venha a ser rejeitado o presente recurso:

33. A alegação pela Recorrente de que a decisão proferida pelo TR.…, de que se recorre, violou o princípio da boa fé na aquisição, que protege o adquirente (v. Artigos 892º e 957º do CPC), in casu, a Recorrente na qualidade de donatária, assim como o princípio do trânsito em julgado ocorrido nos autos que correram os seus termos no Tribunal ..., no âmbito do Proc. 2999/10…, deverá ser julgada inteiramente improcedente

PORQUANTO

34. Provou-se a quo que o doador CC havia nascido no dia .../.../1932 e casado com a ora Autora, a ora Recorrente, no dia 24 de Junho de 2002 no regime imperativo de separação de bens”, que a doação à ora Recorrente havia sido celebrada em Agosto de 2007, altura em que estariam casados, dissolvendo-se o casamento entre ambos, por divórcio em Janeiro de 2012,

35. Pelo que face ao previsto no Artigo 1760º n.º 1 alínea b) do C.C., a doação entre casados, por vigorar imperativamente aquele regime de bens, é nula, sendo a nulidade, como bem se decidiu a quo, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e oponível erga omnes, podendo ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, e tendo efeitos retroactivos, como previsto nos Artigos 286º, 287º e 289º do CC,

36. Por sua vez, a decisão final proferida pelo (extinto) ... Juízo cível do Tribunal Judicial ..., no âmbito do Proc. 2999/10…, de deserção da instância, embora transitada em julgado, tem natureza processual, não conhecendo do mérito da causa,

37. Não devendo colher a argumentação esgrimida pela Recorrente por a decisão

recorrida não violar qualquer norma jurídica, não merecendo reparo.

38. Pelo exposto, entende a Recorrida que o Tribunal ad quem não concederá provimento ao recurso, julgando-o inteiramente improcedente, e confirmará a decisão recorrida, nos seus precisos termos, concluindo que a doação celebrada entre CC e a Recorrente é nula e insusceptível de produzir qualquer efeito, e consequentemente, determinará o cancelamento do registo de aquisição a favor da donatária, ora Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser:

a. Admitido o presente recurso como de revista, nos termos previstos no Artigo 671.º e 674º n.º 1 al. a), ambos do CPC, e com efeito meramente devolutivo e caso não seja esse o entendimento de V.Exas. e lhe atribuam efeito suspensivo, deverá a Recorrente ser convidada a prestar caução (Artigo 649 n.º 2 e Artigo 676º, do CPC),

b. Indeferido liminarmente o presente recurso, atento a extemporaneidade da sua interposição, encontrando-se a decisão recorrida...

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