Acórdão nº 186/18.8GFVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-03-2021
Data de Julgamento | 25 Março 2021 |
Case Outcome | REJEITADO O RECURSO INTERLUCUTÓRIO DA ARGUIDA E O RECURSO QUE INTERPÔS DA DECISÃO FINAL NA PARTE RELATIVA À CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA E DE PROFANAÇÃO DO CADÁVER. REJEITADO O RECURSO DO ARGUIDO NA PARTE RELATIVA À CONDENAÇÃO PELO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA. JULGADOS NO MAIS IMPROCEDENTES OS RECURSOS DA DECISÃO FINAL. |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 186/18.8GFVFX.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 186/18.8GFVFX.L1.S1
5ª Secção
Acordam em audiência de julgamento os juízes nesta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. relatório
1. Os recorrentes AA e BB foram julgados pelo tribunal do júri, no Juiz ... do Juízo Central Criminal ........, Comarca ........., tendo sido proferido em 3.3.2019 acórdão que decidiu:
─ «1 - Condenar a arguida AA em autoria material, e em concurso efectivo:
a) - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, b), e) e j) do Código Penal, na pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão.
b) - pela prática de um crime de profanação de cadáver, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 254.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
c) - pela prática um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido, nos termos do artigo 86.°, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006 de 23/02 conjugado com o artigo 3.°, n.º 3 , com o artigo 2.°, n.º 3, alínea r) e artigo 3.°, n.º 2, alínea r) do mesmo diploma legal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
(inexiste ponto 2)
3 - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida, condenar a arguida AA, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
4 - Condenar a arguida AA na pena Acessória de Declaração de indignidade Sucessória, relativamente à herança aberta por óbito de CC.
5 - Absolver o arguido BB da imputação de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, b), c) e j) do Código Penal e de um crime de profanação de cadáver, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 254.º, n.º 1 do Código Penal.
6 - Condenar o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 c) e d) e n.º 2 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 2 anos de prisão.
7 - Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB pelo período de 2 anos.
8 - Absolver o arguido BB da pena acessória de suspensão do exercício da função de funcionário .............
9 - Julgar parcialmente provado e procedente o pedido civil deduzido e em consequência, condenar a arguida/demandada no pagamento a DD da quantia de € 42.000,00 a titulo de danos não patrimoniais sofridos.
10 - Absolver o arguido/demandado BB do pedido de indemnização civil deduzido por DD.
11 - Condenar a arguida em 6 Ucs de taxa de justiça, e nas custas do Processo.
12 - Custas cíveis por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
13 - Após trânsito em julgado da presente decisão determinar o cumprimento do disposto no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02, relativamente à arguida AA, com os propósitos referidos no n.º 2 do artigo 18 do mesmo diploma legal, determinando-se que se oficie ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito.»
2. Inconformados com o decidido em matéria criminal, o Ministério Público e a arguida AA interpuseram recursos para o Tribunal da Relação..........
Com os recursos da decisão final, subiram recursos interlocutórios interpostos pelos mesmos sujeitos processuais.
E suscitaram os recorrentes, na síntese do próprio tribunal superior [1], a apreciação da seguintes questões, de facto e de direito:
─ «2.1. No recurso intercalar da arguida AA, […] contesta a decisão de indeferimento das diligências de prova que por ela foram requeridas, após lhe ter sido comunicado, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, de que poderia ocorrer uma alteração não substancial dos factos da acusação, invocando aquela, ainda, que foi cometida a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade.
2.2. No recurso da decisão final :
– Nulidades do acórdão recorrido: – segundo a arguida AA, por falta de fundamentação no que respeita ao exame crítico da prova e pelo facto de a condenação assentar em factos diversos dos descritos na acusação, representando aqueles uma alteração substancial desta, sem que tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 359.º, do CPP; – segundo o MP, porque há omissão de pronúncia relativamente à perda dos instrumentos do crime, devendo ser proferida a decisão em falta, que declare perdidas a favor do Estado todas as armas e munições apreendidas – das quais exceciona apenas o revolver obsoleto –, bem como o saco preto, edredão e corda, objetos que foram utilizados para acondicionar e transportar o cadáver da vítima, sendo, pois, instrumento do respetivo crime, e restituindo-se tudo o mais apreendido;
– Vícios da decisão, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP;
– Impugnação da matéria de facto provada e não provada, invocando-se que houve violação do princípio in dúbio pro reo, bem como erro na apreciação das provas, pedindo-se o reexame destas;
– Procedendo a impugnação de facto da arguida AA, deverá esta ser absolvida dos crimes pelos quais foi condenada;
– Procedendo a impugnação de facto do MP, deverá o arguido BB ser condenado pelos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, nos mesmos termos em que o foi a arguida AA;
– Entre o crime de detenção de arma proibida e a contraordenação prevista no artigo 97.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23/02, há, segundo o MP, uma relação de concurso efetivo, devendo o arguido BB ser condenado, também, pela segunda infração;
– O referido arguido deverá ser condenado nas penas acessórias de suspensão do exercício da função de ........., nos termos do artigo 67.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e de interdição de detenção, uso e porte de armas, ao abrigo do artigo 90.º, da referida Lei n.º 5/2006, de 23/02 (quanto a esta, veja-se o recurso do MP, do despacho proferido no dia 3/3/2020 - fls. 6543).».
3. Os recursos foram julgados por acórdão de 8.9.2020 – o, ora, Acórdão Recorrido e doravante assim identificado – que decidiu como segue [2]:
─ «a) Julgam-se improcedentes os recursos - interlocutório e da decisão final - interpostos pela arguida AA;
b) Julga-se improcedente o recurso interlocutório e parcialmente procedente o recurso da decisão final, interpostos pelo Ministério Público;
c) Em consequência desta parcial procedência:
– Altera-se a matéria de facto provada e não provada, nos termos determinados supra no ponto 3.2.3 (páginas 173 a 176, deste acórdão), para aí se remetendo;
– Condena-se o arguido BB, como coautor material de um crime de homicídio qualificado e agravado (artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea j), do CP e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/2), na pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão e como coautor material de um crime de profanação de cadáver, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão (artigo 254.º, n.º 1 alínea a), do CP);
– Em cúmulo jurídico das duas aludidas penas e ainda da pena de 2 (dois) anos de prisão correspondente ao crime de detenção de arma proibida em que foi condenado pelo tribunal de primeira instância, condena-se o mesmo arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, ficando sem efeito a suspensão da execução da pena decretada em primeira instância;
d) Determina-se a suspensão do exercício da função pública de ......... em que o arguido BB está investido, enquanto durar o cumprimento da pena de prisão em que acaba de ser condenado (artigo 67.º, n.º 1, do CP);
e) Declaram-se perdidas a favor do Estado todas as armas e munições que estão apreendidas à ordem deste processo, bem como o saco preto, o edredão e a corda de sisal (artigos 109.º, n.º 1, do CP e 8.º, da Lei n.º 50/2019, de 24/7);
f) Confirma-se, quanto ao mais, a decisão recorrida;
g) Pelo decaimento em ambos os recursos que interpôs, condena-se a recorrente AA nas respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC para o recurso interlocutório e em 4 (quatro) UC para o recurso da decisão final;
h) O arguido BB é condenado nas custas processuais a que deu causa em primeira instância, fixando-se a respectiva taxa de justiça em seis (6) UC.»
4. Não se conformando com o Acórdão Recorrido vêm, ora, os arguidos AA e BB recorrer dele para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as conclusões e os pedidos que seguem:
─ Arguida AA:
─ «Conclusões:
1.º
Vem o presente recurso interposto de todo o acórdão do Tribunal da Relação de ........., que, manteve o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal do Júri da Comarca de .........- ........., condenou a arguida, ora recorrente (e que revogou o acordo absolutório relativamente ao co-arguido BB), em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.
I. QUESTÃO PRÉVIA
2.º
A presente investigação e sequente julgamento são o infeliz exemplo de como não se deve conduzir a aplicação da Justiça num Estado Democrático de Direito..
A presente investigação, julgamento, recursos, e demais incidentes supervenientes, são, salvo melhor opinião em contrário, um alerta muito sério para todos aqueles que fazem parte do sistema de justiça em Portugal.
Questões endógenas e exógenas aos factos em apreço contribuíram de forma decisiva para a manutenção da dúvida inicial no processo e condicionaram a desejada certeza possível no seu final.
Notoriamente existe a necessidade de uma análise séria e multidisciplinar, observando a perspectiva holística da aplicação da Justiça, o único método, processo e forma de se realizar a mesma.
Um sistema de Justiça cujos intervenientes não reconhecem sequer a possibilidade de cometerem erros – arguidos, O.P.C., Advogados, Magistrados do Ministério Público, Juízes, Tribunais, Tribunais de Recurso – não é garante de decisões válidas, imparciais e justas.
"A certeza está em nós, a verdade está nos factos" - Francesco Carrara, jurisconsulto e professor italiano, representante da escola clássica do Direito Penal distinto lente que...
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