Acórdão nº 1841/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10-11-2004

Data de Julgamento10 Novembro 2004
Número Acordão01 Abril 1841
Ano2004
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de agravo interposto na acção com processo declarativo e forma sumária nº1845/03.5TBBCL, do 3º Juízo Cível da Comarca de Barcelos.
Autora/Agravante – "A".
Réu/Agravado – "B".

Pedido
a) Que se condene o Réu a reconhecer que a Autora é, em comunhão com ele, legítima proprietária e possuidora do prédio descrito no artº 1º da P.I., incluindo do terreno onde está implantada a casa de habitação.
b) Condenar o Réu a restituir ao património comum do casal (em comunhão com a Autora) o terreno onde está implantada a casa de habitação do prédio descrito no artº 1º, no estado em que o mesmo se encontrava antes de ser por ele exclusivamente ocupado e reivindicado.
c) Condenar o Réu a abster-se da prática de quaisquer actos lesivos dos referidos direitos de propriedade e posse da Autora (em comunhão com o Réu) sobre o prédio descrito no artº 1º, incluindo do respectivo terreno onde está implantada a casa de habitação.
Pedido Reconvencional
Que seja declarado que a escritura pública de 15/1/82, sobre o prédio “Leira ..., de lavradio, no lugar de ..., freguesia de ..., inscrita na matriz rústica sob o artº ..., com o valor matricial de 320$00, a confrontar de Norte e Poente com caminho, do Sul e Nascente com João F..., não descrita na Conservatória do Registo Predial deste concelho” é bem próprio do Réu, porque adquirido e pago pelo Réu antes da celebração do casamento, ordenando-se a rectificação em conformidade com essa declaração.
Tese da Autora
Em 15/1/82, na vigência do respectivo casamento, Autora e Réu adquiriram por compra um prédio urbano, situado no lugar de V..., da freguesia de P..., concelho de Barcelos; a partir daí, vêm estando ininterruptamente na posse do citado prédio.
Autora e Réu divorciaram-se em 1998.
A partir do momento em que instaurou inventário divisório contra a Autora, o Réu, na qualidade de cabeça-de-casal, passou a arrogar-se como exclusivo proprietário do terreno em questão, impedindo a Autora de aceder ao dito prédio.
A Autora deduziu oposição ao inventário, reclamando a falta, na referida relação de bens, do prédio em referência; tal reclamação foi indeferida, pretendendo agora a Autora ver reconhecido o respectivo direito de propriedade, em comum com o Réu.
Tese do Réu
O Réu deverá ser absolvido do pedido, já que, na comunhão conjugal, a coisa comum não pode ser reivindicada do outro membro da comunhão.
Foi decidido em inventário divisório que o terreno onde foi construída a casa de habitação do dissolvido casal pertencia ao Réu cabeça-de-casal; desta forma, verifica-se a excepção de caso julgado para a pretensão ora deduzida.
Todavia, o prédio invocado no petitório (que integrava a herança do pai do Réu) foi adquirido pelo mesmo Réu, na sequência de acordo verbal entre ele Réu e seus irmãos; a escritura pública foi celebrada já na vigência do casamento com a Autora, mas o bem não integra a comunhão, pois que foi adquirido com dinheiro e bens próprios do Réu, que aí construiu um coberto, quando ainda solteiro.
Despacho Saneador
Na decisão proferida e ora impugnada, a Mmª Juiz “a quo”, com fundamento em a decisão proferida no processo de inventário condicionar definitivamente a presente acção, e considerando verificada a excepção de caso julgado, absolveu o Réu da instância.

Conclusões do Recurso de Agravo da Autora:
A) Nos termos do art. 264° nºs 1 e 2 e 661° nº 1 do C.P.C., vigora, no nosso sistema processual civil, o princípio do dispositivo, competindo assim às partes alegar os factos que integram a respectiva causa de pedir. Na verdade, o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, não podendo condenar em objecto diverso do que se pedir. Deste modo, o poder de pronúncia/decisão do juiz (e a respectiva sentença) está obviamente limitado àquilo que foi alegado e pedido pelas partes. Complementarmente, nos termos do art. 673° do C.P.C., a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, pelo que a extensão do caso julgado é delimitada não só pelo próprio pelo próprio teor da decisão, mas também por aquilo que foi alegado e pedido pelas partes. Ou seja, o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença. Esta deve estatuir sobre todo o objecto da acção e apenas sobre ele - e é essa estatuição que constitui a decisão, a que cabe a força e a autoridade de caso julgado;
B) O objecto da acção identifica-se através do respectivo pedido e da causa de pedir. Existirá a excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção já foi, total ou parcialmente, definido por uma acção anterior - quando o autor pretenda ver proferida noutra acção - identificado esse direito não só através do seu conteúdo objecto, mas também através da sua causa ou fonte;
C) De facto, nos termos do art. 498° nº 1 do C.P.C., repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir. Há identidade de pedidos quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causas de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico concreto, sendo certo que nas acções reais a causa de pedir é o título invocado para aquisição da propriedade ou do direito real que o autor quer ver reconhecido e não essa mesma propriedade ou esse mesmo direito real;
D) Ora, na decisão proferida no âmbito do processo de Inventário podemos identificar o seguinte objecto:
. pedido: a alteração/rectificação da relação de bens comuns do casal apresentada pelo respectivo Cabeça-de-Casal no sentido de lhe serem acrescentados/aditados 2 prédios, entre eles o terreno do prédio referido no art. 1° da p.i.;
. causa de pedir: os prédios em questão terem sido adquiridos por contrato (escritura) de compra e venda (aquisição derivada) na constância do casamento, como comprovariam as respectivas escrituras que a Recorrente pensava ter junto aos autos;
E) Por sua vez, a presente acção de reivindicação tem o seguinte objecto:
. pedido: a condenação do Recorrido: 1) a reconhecer que a Recorrente é, em comunhão com ele, legítima proprietária e possuidora do prédio descrito no anterior art. 1° da p.i.; 2) a restituir ao património comum do casal (em comunhão com a Recorrente) o terreno onde está implantada a casa de habitação do prédio descrito no anterior art. 1° da p.i., no estado em que o mesmo se encontrava antes de ser por ele exclusivamente ocupado e reivindicado; 3) a abster-se da prática de quaisquer actos lesivos dos referidos direitos de propriedade e posse da primeira (em comunhão com o Recorrido) sobre o referido prédio, incluindo do respectivo terreno onde está implantada a casa de habitação;
. causa de pedir: o prédio em questão ter sido adquirido pelo casal: 1) pela usucapião (aquisição originária); 2) por contrato de compra e venda na constância do casamento (aquisição derivada); 3) presunção de propriedade derivada do registo predial;
F) Assim, à luz dos referidos preceitos legais e comparando as referidas acções, podemos concluir que não existe identidade de pedidos, uma vez que:
. no primeiro caso, o Recorrido, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou uma relação de bens. Por sua vez, a Recorrente reclamou da mesma, pedindo o aditamento do terreno do prédio aqui em questão, em virtude de este ter sido adquirido por compra na constância de casamento, constituindo um bem comum do casal que devia ser objecto de partilha. O objectivo da Recorrente era, não condenar o Recorrido a reconhecer o seu direito de propriedade (em comunhão) e a restitui-lo no estado em que se encontrava, mas antes sujeitar esse terreno à partilha e consequente extinção da comunhão sobre o mesmo;
. nesta segunda acção, a pretensão da Recorrente é muito diferente. Ela já não pede a simples rectificação/aditamento da relação de bens apresentada pelo Recorrido, mas sim que este seja condenado não só a reconhecer que aquela é, em comunhão com ele, dona e legítima proprietária do prédio em questão, mas também a restituí-lo no estado em que se encontrava antes de ser por ele exclusivamente ocupado e reivindicado. Para isso a Recorrente alega que, em comunhão com o Recorrido, por si, anteproprietários e antepossuidores estiveram e estão na posse pública, pacífica, contínua, titulada e de boa fé do prédio aqui em causa. Com efeito, a presente acção visa reivindicar a propriedade do prédio aqui em questão, de forma a proteger o seu legítimo direito dos actos ofensivos praticados pelo Recorrido e melhor descritos na p.i. e garantir/proteger a manutenção/restituição da posse sobre o mesmo;
G) Por outro lado, não nos podemos esquecer que o poder de pronúncia do Tribunal no âmbito do processo de Inventário estava limitado não só a apreciar os factos aí alegados pela Recorrente, como ao próprio pedido por si apresentado - rectificação/aditamento da relação de bens - pelo que a respectiva decisão não pode ultrapassar este âmbito, como pretende o Tribunal a quo, sob pena de violar o princípio do dispositivo consagrado nos arts. 264° nºs 1 e 2 e 661° nº 1 do C.P.C. e limites do caso julgado previsto no art. 673° do C.P.C.;
H) Por sua vez, comparando as referidas acções, podemos também concluir que não existe identidade de causas de pedir. De facto, no processo de inventário, o título invocado pela Recorrente foi apenas a compra do prédio em questão durante a constância do casamento (escritura de compra e venda), já na acção de reivindicação foram invocados diversos títulos para justificar a aquisição da propriedade pela Recorrente, designadamente, a usucapião, a compra na constância do casamento e a presunção de propriedade proveniente do registo predial. Deste modo, à luz dos ensinamentos supra referidos, afigura-se-nos inquestionável que, ao contrário do que se decidiu na sentença...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT