Acórdão nº 1831/2006-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-02-2006

Data de Julgamento17 Fevereiro 2006
Número Acordão1831/2006-7
Ano2006
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
DECISÃO SUMÁRIA
Por a questão a decidir ser simples, nos termos do art.º 705º do Cód. Proc. Civil, « ex vi » art.º 749º do mesmo código, decide-se a mesma sumariamente:

I. Relatório:
1. I. […] S.A., com sede […] Loures, e G.[…], S.A., com sede […] em Sacavém, intentaram contra E.[…] procedimento cautelar de arresto, na qual pedem que seja decretado o arresto no seguinte bem imóvel:
1/3 da fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.° andar esquerdo do prédio urbano sito […] Lisboa […]*

2. Produzida a prova requerida e julgada a matéria de facto, foi proferido despacho que decretou o arresto de 1/3 da fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.° andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito […] Lisboa […]*

3. Inconformado agravou o requerido. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui:
(...)
*

4. Nas suas contra-alegações, as requerentes agravadas, em síntese nossa, concluem:
(...)
*
5. O Tribunal manteve o despacho recorrido.
*
6. As questões essenciais a decidir:

Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações (1) __ e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas (2) __, do requerido agravante supra descritas em I. 3. são as questões essenciais a decidir são: 1) se o requerido é ou não parte legítima; 2) se os pontos 24. e 27. da matéria de facto provada supra referidos na conclusão 11.ª das alegações e infra descritos em II. A) podem ou não ser dados como não provados; 3) se se verificam ou não os requisitos para que o arresto possa ser decretado; 4) e se sim, se a existência de um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real sobre o direito ao 1/3 do imóvel arrestado impede que o arresto possa ser decretado.

Tendo em conta a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do requerido deduzida, e por questões de ordem lógica, vai-se conhecer das questões pela ordem indicada.

Cumpre decidir.
*
II. Fundamentação:

1 A legitimidade:
A legitimidade processual (3) é um pressuposto processual (4) positivo (5) cuja existência é essencial para que o juiz se possa pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção, visto que, sem ela, correr-se-ia o risco de a decisão de mérito da acção surtir qualquer efeito útil, por não vincular os verdadeiros titulares dos interesses (ou das situações integradas na relação jurídica afirmada ou negada em juízo), por estes não serem partes no processo.

A legitimidade processual será assim uma certa posição da parte no processo e no objecto deste (a pretensão ou pedido (6)), posição que justifica que a parte possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o. Posição esta que se afere pela titularidade dos interesses em demandar e em contradizer (art.º 26º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil (7)) __ interesse este que tem de ser directo em demandar ou em contradizer. Não basta que seja um interesse indirecto ou reflexo (8) __ e, quando existirem sérias dificuldades na aplicação prática deste critério, pela titularidade dos sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, por serem estes os titulares do interesse relevante (critério supletivo - art.º 26º, n.º 3 2.ª parte). Esta aferição, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição) que integram a relação jurídica, acontece sempre que o pedido afirme ou negue a existência de uma relação jurídica (9). Outro modo de determinação da legitimidade (legitimidade indirecta) é através da análise casuística das normas que excepcionalmente atribuem legitimidade a quem não é titular da relação material (art.º 26º, n.º 3 1.ª parte) (10).

A legitimidade processual nos procedimentos cautelares, e por conseguinte também no arresto, é, tal como sucede nas acções de que dependem, uma posição de requerente e de requerido em relação ao objecto do procedimento, qualidade que justifica que possa aquele requerente, ou aquele requerido ocupar-se em juízo desse objecto do processo (11).

Tem legitimidade passiva para o arresto aquele que, na relação jurídica configurada pelo requerente, seja por ele configurado como seu devedor e que for titular de bens sobre os quais o requerente credor tem justificado receio de perda dessa garantia patrimonial (art.º 406º, n.º 1) (12). O que é questão diferente da questão se ele é ou não seu devedor, ou por outras palavras, se o requerente tem ou não um crédito sobre o requerido e se há ou não justificado receio de perda de garantia patrimonial. Estas já são questões que pertencem ao mérito da providência.

Na relação jurídica material configurada pelas requerentes o requerido é configurado como seu devedor e nela as requerentes alegam ter justo receio da perda da garantia patrimonial, como, em extrema síntese, se vê do que abaixo se expõe:

« Não obstante as requerentes terem entregado à ré dois cheques nos montantes de 39.368.879$00 (€ 196.371,14) e 7.794.391$00 (€ 38.878,26) para pagamento à Alfândega de Lisboa dos direitos e demais imposições aduaneiras devidas pelas declarações apresentadas em Junho de 1993 pela da sociedade E. […], Ld.ª, esta não pagou à Alfândega de Lisboa tais direitos e demais imposições aduaneiras, e a Alfândega de Lisboa acabou por accionar a caução global à Companhia de Seguros O Trabalho. O que é esta fez, tendo mais tarde exercido o direito de regresso contra as requerentes, nos termos do art.º 2º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 289/88, de 24-08, intentando acções judiciais contra as requerentes. Donde e para já a G.[…] viu-se obrigada a pagar àquela seguradora a quantia de € 30.547,72 e a requerente I.[…] vê-se na iminência de ter de pagar também àquela seguradora a quantia de € 150.000,00, em virtude das condenações judiciais contra ela proferidas. Prejuízos estes que foram causados pela sociedade E.[…] Ld.ª, por não ter cumprido as suas obrigações contratuais para com as requerentes, e legais para com a Alfândega de Lisboa, beneficiando das quantias que as requerente lhe entregaram para extinguir a sua dívida perante a UBP. O requerido era sócio e único gerente da E. […] Ld.ª, em virtude de ele próprio ter a qualidade de despachante oficial, nos termos dos art.ºs 1º, n.º 3 e 3º do Regulamento das Sociedades de Despachantes Oficiais e seus Empregados, aprovado pelo Dec. Lei n.º 513-F1/79, de 27-12. O requerido e a sociedade E.[…] Ld.ª __ esta foi dissolvida e liquidada e, a acção principal de que o presente arresto depende, continuou a correr, sendo a sociedade substituída pelos sócios __ são solidariamente responsáveis perante as requerentes, nos termos do art.º 100º do Código Comercial ex vi art.º 11º do dito Regulamento das Sociedades de Despachantes Oficiais e seus Empregados, porque nos termos do art.º 5º, n.º 1 deste Regulamento, a responsabilidade fiscal-aduaneira pelos actos praticados no exercício das suas funções é individualmente imputada a cada despachante, ficando as sociedades subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações emergentes da actividade dos sócios. Tal como sucedeu com a dissolução e liquidação da sociedade E.[…] Ld.ª que foi feita após a instauração da acção e como forma de esvaziar o conteúdo útil da futura decisão judicial condenatória, e na ausência de património para solver o crédito das requerentes ali autoras, as requerentes temem que o requerido que ali figura como réu e em substituição da citada sociedade, se desfaça do pouco património imobiliário que ainda possui e que é a única verdadeiramente significativa garantia de que aquelas dispõem para verem ressarcidas os seus créditos. Em Julho de 2004 o requerido alienou a fracção autónoma designada pela letra “N” correspondente ao 3º andar esquerdo frente do prédio sito […] Carcavelos […] e o requerido só tem como único bem 1/3 da fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.° andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito […] Lisboa […]

Do que vem dito, verifica-se que as requerentes configuram o requerido como seu devedor, solidariamente com a dissolvida e liquidada sociedade E.[…] Ld.ª __ não importa, para a questão de saber se o requerido deve ou não figurar como parte no procedimento se as requerentes têm ou não razão jurídica para sustentarem tal afirmação. Isso é questão que tem a ver com o mérito da providência solicitada, e que não cabe neste momento apreciar __, e alegam o justificado receio de perder a garantia patrimonial sobre ó único bem de valor significativo que o requerido ainda tem para se verem solvidas do seu crédito. Verifica-se portanto a coincidência entre o sujeito passivo desta relação jurídica material configurada pela requerentes com o sujeito passivo da relação jurídica processual deste procedimento. Daqui e pelo exposto a legitimidade passiva do requerido para o presente arresto.

A excepção dilatória da ilegitimidade [art.ºs 493º, n.ºs 1 e 2; 494º n.º 1 al. e); 288º, n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil] é, como já ensinava Castro Mendes (13), um vício raríssimo de quase académica configuração. Ela só poderá encontrar-se, praticamente, em casos como estes: « A » move uma acção contra « B » e pede a condenação de « C », ou pede a condenação de « B » a pagar a « D ». A critica a esta raridade __ diz o prof. Castro Mendes __ (...) « é uma critica exacta mas
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