Acórdão nº 1817/16.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27-09-2018
Data de Julgamento | 27 Setembro 2018 |
Número Acordão | 1817/16.0T8VRL.G1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
AA & Cª, Lda., instaurou, no Juízo Central Cível de Vila Real - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra F. C. e mulher Maria, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, e Jorge e mulher M. L., também casados sob o regime da comunhão de adquiridos, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia global de 92.776,44 € (37.409,84 € - segunda prestação do preço inicial + 48 prestações mensais em divida, de 997,60 € cada uma - 47.884,80 € + 7.481,80 € de juros vencidos), acrescida de juros à taxa legal de 4% sobre 85.294,64 € (37.409,84 € + 47.884,80 €), desde a citação até efetivo pagamento e ainda as prestações do indicado montante de 997,60 € que se vencerem até final do contrato e que não sejam pagas pelos Réus, conforme liquidação a efetuar em liquidação de sentença, tudo com as demais consequências legais.
Para o efeito e em síntese, alegou a autora que é proprietária de um estabelecimento comercial, cuja exploração, através de escritura pública outorgada no dia 5 de junho de 1998, cedeu aos réus maridos.
Como nunca houve denúncia de qualquer das partes contratantes, a cessão de exploração foi sendo automaticamente renovada, terminando em 31 de dezembro de 2017 o prazo de renovação em curso.
Foi fixado um preço para a cessão da exploração, no valor de 200.000$00, correspondentes a € 997,60, a pagar em prestações mensais, que os réus começaram por pagar, mas que já não pagam há mais de quatro anos.
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Regularmente citados, contestaram os réus, pugnando pela total improcedência da ação (cfr. fls. 25 a 29).Em abono da sua defesa, alegaram, em resumo, que a cessão de exploração celebrada nunca foi concretizada de facto; que a autora manteve sempre a exploração do estabelecimento; que os réus maridos são funcionários da autora e que apenas geriam a atividade comercial da autora, assegurando mensalmente um rendimento de mil euros à viúva do falecido senhor AM, o que fizeram até que a mesma faleceu.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 162 a 164).*
Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 176 a 178 e 189 a 195). *
Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença (cfr. fls. 196 e 205), nos termos da qual decidiu: a) julgar a ação procedente e, consequentemente, condenou os Réus, solidariamente, a pagarem à Autora a quantia global de € 85.294,64 € (oitenta e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) - (37.409,84 € - segunda prestação do preço inicial + 48 prestações mensais em divida, de 997,60 € cada uma - 47.884,80 €), bem como as prestações do montante de 997,60 € (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), que se vencerem até final do contrato e que não sejam pagas pelos Réus.
b) condenou, ainda, os réus no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sendo os juros que incidem sobre o valor da prestação de € 37.409,84, vencida em 31 de dezembro de 2002, apenas devidos os que se venceram nos cinco anos anteriores à data da propositura da ação (31-10-2016), e os que incidem sobre as mensalidades vencidas desde novembro de 2012 até outubro de 2016, a contar da citação, conforme foi peticionado.
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Inconformados, os RR. interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 207 a 215) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):«1º. Assente que a autora era proprietária de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua, cabia apurar se os réus exploravam esse estabelecimento em nome próprio, decorrente de um contrato de cessão de exploração celebrado com a autora (tese da autora), ou se os réus se limitaram a gerir toda a atividade comercial da demandante, mediante certas condições (tese dos réus).
2º. A leitura da factualidade provada revela duas realidades incompatíveis: (i) Por um lado, aponta para a celebração de um contrato de cessão de exploração entre a autora e os réus (tese da autora), que diverge em parte das condições contratuais fixadas, e, (ii) por outro, dá como assente que os réus, desde a data inicial fixada para a cessão de exploração, passaram a gerir toda a actividade comercial da autora (tese dos réus).
Certo é que,
3º. A fundamentação da decisão aponta deliberadamente para a tese da autora, pese embora inexista matéria factual dada como provada que sustente a condenação para lá das condições contratuais fixadas na cessão de exploração.
E, consequentemente,
4º. Foram os réus condenados, na decorrência do incumprimento de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, condenou os réus a pagarem à autora a quantia global de € 85.294,64 € (oitenta e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), bem como as prestações do montante de 997,60 € (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), que se vencerem até final do contrato;
I. O contrato de cessão de exploração
5º. O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial foi reduzido a escritura pública em 5 de junho de 1988, foi celebrado por um período inicial de 55 meses, com inicio em 1 de junho de 988 e termino no dia 31 de dezembro e 2002, admitindo a sua renovação por períodos sucessivos de três anos;
6º. O preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido à data da escritura 300.000$00 (€ 1.469,39), sendo os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) a pagar da seguinte forma:(i) 3.000.000$00 (€ 14.963,94) em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40) até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998; (ii) 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato.
7º. No caso de se verificar a renovação automática e salvo acordo noutro sentido dos contraentes, o preço seria de montante proporcional ao fixado para o período inicial de 55 meses a pagar em idênticas condições também no prazo de renovação;
A. Factos que os recorrentes consideram incorretamente julgados (pontos 2, 3, 4 e 17 dos factos provados)
II. A concretização da cessão de exploração.
8º. A factualidade vertida nos pontos 2, 3, 4 e 17 dos factos provados consubstancia em parte a literalidade da escritura de cessão de exploração anteriormente enunciada (quando à declaração de cedência, prazo inicial e de renovação) e veladamente a entrega do estabelecimento aos réus nessa condição (cessão de exploração), ou seja, a tese da autora.
B. Razão de fundo da discordância.
9º. A presente ação foi intentada 19 (dezanove) anos após a celebração da escritura ajuizada e posteriormente à morte da gerente da sociedade M. J., e durante este período temporal os sócios da identificada sociedade, côncios que se afirmam da celebração de uma cessão de exploração concretizada na entrega aos réus-maridos do estabelecimento comercial, nada fizeram para verificar ao regular cumprimento das obrigações contratuais e fiscais da sociedade (liquidação de IVA sobres as prestações da cessão);
10º. O que permite concluir que a cessão de exploração nunca foi concretizada (versão dos réus) verificado que, conforme provado sob o ponto 16 da matéria de facto provada, “A partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros.”
11º. Ou seja, conforme o afirmado pelos réus-maridos, eles limitaram-se a gerir a autora (na exploração do estabelecimento comercial) cumprindo a vontade do desditoso AM, rosto visível da autora, que sempre expressou o desejo que por sua morte os réus-maridos assegurassem uma pensão mensal à sua esposa, adequada a uma vida condigna da mesma, mediante a gestão comercial do estabelecimento comercial;
C. Concretos meios de prova que impunham decisão diversa.
12º. A prova documental reveladora de que era a autora quem explorava o estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, em mérito nos presentes autos, resulta abundantemente dos documentos juntos sob os números 1, 2, 3, 4 e 5 (declarações de IRC da autora); doc.s 6, 7, 8, 9, 10 e 11 (declarações de IVA de transmissão de bens referente aos anos de 2011 a 2015); aquisição de produtos para o giro comercial (documentos 12, 13 e 14); acordos com a Segurança Social de 02.09.2014 (pagamento em prestações de dívidas de contribuições não satisfeitas com referência ás remunerações dos demandados maridos) (doc. 15); pagamento das contribuições referentes às remunerações, bem como às remunerações mensais que lhe devidas aos réus maridos (documentos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27); - documentos numerados e apresentados em sede de contestação
13º. A prova testemunhal relevada na fundamentação da sentença decorrente dos depoimentos de D. S., Rui, filho do falecido Sr. AM e M. O., aponta num sentido absolutamente claro: o valor das prestações que os réus-maridos afirmam ter que assegurar à viúva do senhor AM é precisamente a importância de 200.000$00 (€ 1.000,00);
Assim,
14º. Se na escritura pública ajuizada não consta em parte alguma que o preço da cessão de exploração é de 200 contos mensais, nem o tribunal entendeu alterar qualquer disposição contratual constante desse contrato, antes pelo contrário deu como provado no essencial que o preço devido era o constante da escritura, só é admissível concluir que o prestação de 200 contos (€ 1.000,00) era aquela que os réus-maridos tinham que assegurar à viúva por gerirem a actividade comercial da autora, conforme resulta assente sob o ponto 16 da matéria de facto dada como provada...
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