Acórdão nº 181/22.2T9SCD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-05-2023

Data de Julgamento10 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão181/22.2T9SCD.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra


I.

Relatório



A “Infraestruturas de Portugal, SA” veiointerpor recurso da decisão proferida pela Exma. Juiz (estagiária) do Juízo de Competência Genérica de ... – J1, comarca de Viseu, no processo de recurso de contraordenação n.º 181/22.2T9SCD, que decidiu (transcrição):

Julgar improcedente o presente recurso de impugnação judicial interposto pelo recorrente e, em conformidade, decide-se manter a decisão administrativa recorrida, nos seus precisos termos.


*


1.1. Conclusões do recurso(transcrição integral):

I- No sistema jurídico-penal português é proibida a responsabilidade objetiva (cfr:artigo8.ºdoRGCO).

II- Quer no auto de notícia, quer durante o procedimento, quer depois da decisão final, quer ainda na sentença, não se definiu qual a área pertença da Recorrente sujeita ao cumprimento do disposto no n.º2doartigo15.ºdaDecreto-Lein.º 124/2006de28dejunho (50 metros) e a área sujeita ao cumprimento do disposto na alíneaa)do n.º1,domesmoartigo.

III A acusação, na qual se inclui o auto de notícia, o despacho de acusação e a própria instrução, não se mostram suficientemente concretizadas, e, consequentemente, não fornecem todos os elementos necessários ao cabal exercício do direito de defesa da Recorrente, pelo que o procedimento, ao contrário do decidido pelo tribunal entre a página 2 a 6 da sentença, enferma do vício de nulidade, por violação do disposto no artigo50.ºdoRGCO.

IV - Caso seja entendimento deste tribunal sufragar a versão da autoridade administrativa e depois confirmada pelo tribunal, de que a norma do disposto no artigo15.º,n.º2 consome os atos previstos na alíneaa),don.º1,domesmoartigo15.ºdoDecreto-Lein.º124/2006de28dejunho, em vigor em agosto de 2018, faz interpretação inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e tipicidade previstos no artigo 29.ºdaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa.

V No procedimento administrativa omite-se por completo qualquer referência à culpa da Recorrente ou melhor dá-se como assente a sua culpa na modalidade de negligência, sem mais.

VI- Por ser assim, não resta outra alternativa, ao contrário do decidido pelo tribunal entre a página 2 a 6 da sentença, senão a de declarar nula a decisão administrativa por esta incumprir a alíneab)don.º1doartigo58.ºdoRGCO.

VII- É manifesto que a rede existia, que os marcos PE estavam para além da rede, que a mesma foi reposta de modo a coincidir com aqueles marcos, que a Recorrente desde o início do processo questionou a existência de terreno para além da rede, pelo que é evidente a sua falta de consciência da ilicitude quanto à gestão do combustível do seu terreno situado para além da rede, sem que o erro lhe seja censurável (cfr: n.º1doartigo9.ºdoRGCO).

VIII- É indiscutível que estamos perante factos que a constar na sentença conduziriam à revogação da decisão administrativa por falta de consciência da ilicitude da Recorrente quanto à violação do disposto no n.º2,doartigo15.ºdoDecreto-Lein.º 124/2006de28dejunho, em vigor em agosto de 2018, o que aqui e agora se requer seja reposto, através da revogação da sentença e decisão administrativa.

IX- Quer o PMDFCI de ... quer a Carta de Ocupação do Solo foram desconsiderados pelo tribunal por entender que tal prova seria relevante se fosse aplicado ao caso em apreço não o Decreto-Lein.º124/2006de28dejunho, na versão em vigor em 2018, mas o Decreto-Lein.º82/2021de13desetembro.

X- Ora, a Recorrente não consegue entender o fundamento subjacente à falta de relevância dos mesmos, já que inexiste naquele ano 2018 norma que os desvalorize, pelo que tal decisão é nula por falta de fundamento legal.

XI- As situações de indefinição dos limites do terreno do Estado são muito frequentes e são explicáveis por muitas razões, incluindo a remoção de marcos PE por parte dos particulares, não se podendo considerar como grave a demora da Recorrente no apuramento dos limites do terreno do Estado.

XII- Não pode ser exigível à Recorrente que tenha um cadastro atualizado ao m2 atento as contingências próprias da demarcação (erros na inserção das plantas parcelares + correções de DUP + erros na própria implantação da rede), pelo que estamos perante erro desculpável.

XIII- A Recorrente reconhece a autoridade da GNR e dos tribunais, tendo-se apresentado em tribunal com a questão resolvida, apesar de tardia, (delimitação + desmatação total), pelo que merece ser recompensada com a aplicação da sanção da admoestação, sem prejuízo das nulidades entretanto invocadas.

…,


*

1.2. Resposta do Ministério Público: conclui pela improcedência do recurso.

1.3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se pelo não provimento do recurso, louvando-se na resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância.


**

II.

Decisão recorrida

(transcrição da parte relevante para a decisão do recurso):


«(…)A Guarda Nacional Republicana (doravante designada, apenas, por GNR) aplicou à recorrente Infraestruturas de Portugal, S.A., melhor identificada nos autos, uma coima de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), acrescida de custas processuais que se fixaram em €306,00 (trezentos e seis euros) pela falta de execução da gestão de combustível da faixa de 50 metros de proteção a edifícios, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 124/2006.

Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente interpôs o presente recurso de impugnação judicial, ao abrigo do artigo 59.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que consagra o Regime Geral das Contraordenações e Coimas (doravante designado RGCO), alegando, em síntese:

a.A decisão administrativa enferma de nulidade por insuficiência da matéria de facto constante no auto de notícia, obstando assim, à recorrente, o exercício em pleno do seu direito de defesa;

b.A decisão administrativa enferma de nulidade por falta de indicação do elemento subjetivo da conduta da recorrente no auto de notícia e na decisão final;

c.A decisão administrativa é nula por não ter sido produzida prova de que o local em questão se insere em espaço florestal, nem a vigência de qualquer PMDFCI;

d.A decisão administrativa não ponderou a aplicação da sanção de admoestação.

Conclui, pedindo o arquivamento do processo ou, sem prescindir, pela aplicação da sanção de admoestação. (…)

Questão prévia: da nulidade da decisão administrativa

Vem o recorrente alegar a nulidade da decisão administrativa, porquanto a mesma não cumpre os requisitos do artigo 58º, do RGCC, designadamente pela matéria de facto constante no auto de notícia ser insuficiente, obstando assim, à recorrente, o exercício em pleno do seu direito de defesa, designadamente por falta de indicação do elemento subjetivo da conduta da recorrente no auto de notícia e na decisão final.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), a decisão que aplica a coima deve conter:

Por sua vez, o artigo 379º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, aplicável ao processo de contraordenação por via do artigo 41º do RGCO, dispõe que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do art.º 374º, ou seja, “afundamentação,que constadaenumeraçãodosfactosprovadosenãoprovados,bemcomodeumaexposiçãotantoquantopossívelcompleta,aindaqueconcisa,dosmotivos,defactoededireito,quefundamentamadecisão,comindicaçãoeexamecríticodasprovasqueserviramparaformaraconvicçãodotribunal”.

Tais exigências, porém, têm que ser compatibilizadas com a complexidade do processo em causa, sendo entendimento jurisprudencial dominante que a decisão condenatória não carece do mesmo nível de rigor e exigência de uma sentença penal, desde logo por não implicar a aplicação de penas privativas de liberdade. (…)

Ora, no caso em apreço, resulta da leitura da decisão recorrida que a mesma não padece de qualquer nulidade, porquanto se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações.

Constam da decisão da entidade administrativa os seguintes elementos objetivos:

1.Nodia20deagostode2018,pelas10:50,naRua ......,freguesia ...,concelhode...,arecorrenteInfraestruturasdePortugal,S.A.,nãoexecutouagestãodecombustívelnafaixados50metrosdeproteçãoaedifíciosdeacordocomoscritériosdefinidospeloANEXOaoDL124/2006,de28JUN.

2.Naparcelaeminfração,constatou-sequeascopasdasmimosas/acácias,nãoestavamafastadasumasdasoutraspelomenos4metros,porquantofoiverificado,queascopasdasreferidasárvorestocavamumasnasoutras.

3.Aparceladapropriedadedarecorrenteéabrangidapeloraiode50metros,contadosapartirdaalvenariaexteriordaedificação,aqualtemrelevânciaurbanística.

4.Foielaboradoorelatóriodediligênciaexterna1,datadode13dejaneirode2022,ondeoinstrutorquesedeslocouaolocaleminfraçãopodeconfirmaraexistênciademarcos,quedelimitamapropriedadedarecorrente.Foiaindapossívelapuraradistânciaentreomarcodelimitadordapropriedadedarecorrenteeaalvenariaexteriordahabitação,perfazendoumtotalde24,60mts.

5.Arecorrentenofinaldejunhode2018consignouostrabalhosdegestãodecombustívelnodistritodeViseu.Noentanto,apenasrealizouostrabalhosdegestãodecombustívelemsetembrode2018esomentenumafaixade3metrosparalelaaoItinerárioComplementar12,noâmbitodaal.a)do1doart.15ºdoDecreto-Lei124/06.

6.Aconsignaçãoreferidanopontoanterior,nãocontemplavaagestãodecombustívelnolocaldosfactoseminfração.

7.AtéaomomentodarealizaçãodoRelatóriodeDiligênciaExterna1,realizadoem13/01/2022,arecorrentenãoefetuouagestãodoscombustíveisnolocaldainfração,p...

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