Acórdão nº 1802/20.7S3LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 25-01-2023

Data de Julgamento25 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão1802/20.7S3LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
O Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 1 – apresentou-se, em 26.11.2021, a recorrer perante este Tribunal da Relação da sentença por aquele proferida em 27.10.2021 e mediante a qual foi absolvida a arguida AC, com os sinais nos autos, da prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Cód. Penal.
Para tanto formulou as seguintes conclusões recursais:
“1ª Nos presentes autos, a arguida AC foi submetida a julgamento e absolvida da acusação contra ela formulada pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Cód. Penal.
2ª Esta sentença absolutória não pode, a nosso ver, colher aplauso, dado que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova documental e testemunhal, impunha que se desse como provada toda a matéria de facto descrita na acusação relacionada com tal crime, com a consequente condenação do arguido.
3ª As razões da discordância relativamente à sentença recorrida prendem-se com a verificação de erro notório da apreciação da prova e contradição insanável entre factos provados, não provados e fundamentação da matéria de facto (artigo 410.º, n.º 2, alíneas c) e b) respectivamente, do Cód. de Processo Penal), bem como com a discordância relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto provada.
4ª Na douta sentença recorrida, a Mmª Juiz considerou provado sob o ponto 9., o seguinte facto: “O creme de rosto foi apreendido.”
5ª Em sede de matéria de facto não provada, a Mmª Juiz considerou, por sua vez: “Em virtude da actuação da arguida, o creme ficou impossibilitado de ser posto, novamente, à venda.”
6ª Na fundamentação da matéria de facto, fez ainda constar a Mmª Juiz: “Conjugou-se a prova testemunhal com o teor do auto de notícia de fls. 3 a 6, auto de apreensão de fls. 7, auto de exame e avaliação de fls. 8 (…)”.
7ª Desde logo, exige a normalidade da vida e o saber da experiência que se conclua que o creme apreendido nos autos se encontra impossibilitado de ser posto novamente à venda. De facto, um objecto apreendido não pode ser posto à venda, já que, não pode ser devolvido sem todas as cautelas legais (artigos 178º, 185º, 186º do Cód. de Processo Penal, 109º do Cód. Penal).
8ª Assim sendo, resulta evidente que o tribunal a quo deu como não provado algo que se revela evidente ter acontecido, fazendo-o de uma forma ilógica, arbitrária e notoriamente violadora das regras da experiência comum.
9ª Acresce que, mesmo que assim não se entenda, a Mmª Juiz fundamenta a decisão no sentido de entender provado que o creme foi apreendido no auto de apreensão e de exame e avaliação, ao mesmo tempo que dá como não provado que aquele creme ficou impossibilitado de ser posto à venda.
10ª Deste modo, a douta sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º 1, alínea c) do Cód. de Processo Penal, assim como em contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, n.º 1, alínea b) do Cód. de Processo Penal. Tais vícios poderão ser ultrapassados com recurso ao próprio texto da decisão recorrida e às regras da experiência, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (artigos 426.º, n.º 1 e 431.º, al. b) do Cód. de Processo Penal).
11ª Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que a Mmª Juiz julgou incorrectamente a prova produzida ao incluir na matéria de facto não provada o facto de o creme ter ficado impossibilitado de ser posto à venda.
12ª Na verdade, com relevância para a decisão a proferir sobre este ponto da matéria de facto dado como não provado, impondo que o mesmo fosse dado como provado, podemos enumerar a seguinte prova produzida em audiência de julgamento e coligida nos autos: [] no dia 18/10/21, na audiência de julgamento, o depoimento da testemunha policial CC, num total de 5.44 minutos, quando perguntada, refere:
1.40 “O creme estava na posse da D. AC, quando cheguei D. AC mostrou o creme que tinha consigo, estava dentro do saco. Eu própria lhe perguntei se pretendia efectuar o pagamento uma vez que tinha danificado a caixa e a senhora na altura disse que não tinha dinheiro para efectuar o pagamento porque tinha um problema de saúde.”
3.40 “Foi a funcionária que verificou o valor então do creme que é o que consta nos autos, não me recordo do valor, e, entregou-nos um talão com o valor do creme”.
3.51 “No entanto, o mesmo foi apreendido.”
3.52 Mmª Juiz “Relativamente ao creme acabou por apreender porque na altura em que chega ainda está na posse da arguida?
4.00 Agente CC “A caixa em si não estava porque tinha sido deixada no expositor, mas o creme sim ainda estava na posse da arguida”
4.59 Mmª Juiz “Depois está aí o auto de apreensão, não é assim?” 5.02 Agente CC “Sim, o auto de apreensão está aqui.”
[em seguida, na audiência de julgamento, o depoimento da testemunha MLS, num total de 9.54 minutos, quando questionada, respondeu:
1.40 “Abordei a senhora e disse que a senhora tinha que pagar a embalagem que estava danificada e a senhora na altura disse que não tinha dinheiro para pagar, mas que tinha que ir a casa para pagar. Eu disse que não seria possível e que teria de chamar a autoridade e foi o que eu fiz.”
4.45 MP “O creme era o quê, bisnaga, boião?” “Era boião.”
4.47 MP “Esse boião depois foi encontrado onde?” “No saco da senhora.”
4.59 MP “Foi entregue à polícia?” “Foi a polícia, eu não mexi no saco da senhora.”
8.17 Mmª Juiz “Quando diz pagar a embalagem danificada é o valor correspondente ao produto?”
8.21 Mmª Juiz “Não há possibilidade de pagar só a embalagem, é o produto?” “Não, não.”
8.40 Mmª Juiz “… a senhora tenta pôr o produto numa prateleira?” “Sim, sim. Voltou para trás e larga o produto, o vidro, na prateleira, foi aí que deduzi que seria um roubo e então tem de pagar a embalagem que está danificada.”
13ª Contrariamente ao que refere a Mmª Juiz na douta sentença, resulta evidente do depoimento destas testemunhas que o creme foi apreendido pela PSP na posse da arguida, fora da sua caixa, de onde tinha sido retirado pela arguida, recusando-se aquela a pagar o valor do mesmo.
14ª Resultou ainda do depoimento da agente policial conjugado com o auto de apreensão constante a fls. 7 dos autos e com a guia de entrega de fls. 66 e toda a prova documental dos autos que o boião de creme apreendido ainda se encontra apreendido nos autos!
15ª Efectivamente, as testemunhas não mencionaram expressamente que o creme ficou impossibilitado de ser colocado à venda, mas a testemunha afirmou directamente quando questionada pela Mmª Juiz, que não havia qualquer possibilidade de pagar só a embalagem, teria de pagar o preço do produto.
16ª Acresce que, decorre da normalidade da vida que, ao ser apreendido pela polícia e mantendo-se apreendido até à presente data, aquele creme ficou impossibilitado de ser colocado à venda, pelo que aquele facto deveria ter sido dado como provado.
17ª Não obstante, cumpre salientar que a douta sentença, ao dar como provados os factos descritos sob os pontos 1 a 15, não merece qualquer censura.
18ª De facto, conforme resulta da matéria de facto dada como provada na douta sentença, o facto de a arguida subtrair um creme de rosto marca Clarins, no valor de 87,50 euros do interior da perfumaria D do Centro Comercial C integra a prática de um crime de furto.
19ª Ora, resultando da matéria de facto provada que a arguida retirou do expositor onde se encontrava um creme de rosto, retirando aquele da embalagem e colocando-o no saco que transportava, fazendo menção de abandonar a loja no que foi impedida pela funcionária da loja, dúvidas não subsistem que apenas a acção desta funcionária impediu a consumação dos intentos da arguida.
20ª Acresce ainda que, considerando que a prova da intenção do agente decorre da prova dos elementos objectivos do crime, constata-se que a arguida sabia que creme não lhe pertencia e, ainda assim, quis fazê-lo seu, o que apenas não conseguiu por motivos alheios à sua vontade.
21ª Assim sendo, encontrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto na forma tentada, não restam dúvidas que a arguida deveria ser condenada pela prática dos mesmos.
22ª Contudo, a Mmª Juiz veio afirmar que se encontram verificados os pressupostos do artigo 207º, n.º 2 do Cód. Penal, sendo certo que, não se pode aceitar que esteja preenchida a condição da recuperação imediata de tal objecto prevista naquela norma legal (neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 22-02-2017, proferido no processo n.º 118/15.5PEGDM.P1 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-01-2021, proferido no processo n.º 2269/19.8PYLSB.L1-3, disponíveis em dgsi.pt)
23ª Efectivamente, o bem subtraído teria de estar em perfeitas condições para que pudesse ser de novo e imediatamente posto à venda, o que, manifestamente, não sucede na situação dos autos, designadamente porque o mesmo ainda se encontra apreendido (cfr. fls. 7 e 66 dos autos).
24ª Pelo exposto, atendendo a todos os elementos supra expostos, não restam dúvidas de que a conduta da arguida integrou os elementos objectivos e subjectivos do crime por que veio acusada, pelo que, a Mmª Juiz deveria tê-la condenado em conformidade.
25ª No que respeita à opção pela aplicação de uma pena de prisão, segundo determina o artigo 70º do Cód. Penal o tribunal apenas dará preferência à pena não privativa da liberdade quando aquela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
26ª As finalidades da punição são, como se diz no artigo 40º, nº 1, do Cód. Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
27ª No caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são elevadas, considerando o sentimento de insegurança e o abalo na
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT