Acórdão nº 18/16.1PESTB-C.S1. de Supremo Tribunal de Justiça, 20-12-2017

Judgment Date20 December 2017
Case OutcomeNEGADO PROVIDÊNCIA
Procedure TypeHABEAS CORPUS
Acordao Number18/16.1PESTB-C.S1.
CourtSupremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO.


AA, sujeito à medida de prisão preventiva e estimando que o prazo consignado na lei para injunção de uma acusação pelo crime por que se encontra indiciado (artigo 21º do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro) se encontra exaurido – artigo 215º, nº do Código Processo Penal – requer, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 222º do Cód. de Processo Penal, petição de habeas corpus, alegando as sequentes razões (sic):

i. O arguido AA foi detido no dia 9 de Junho de 2017.

ii. Entre essa data e o dia de hoje – 11 de Dezembro de 2017 – já passaram mais de 6 meses.

iii. Até ao momento, nem o arguido, nem o seu mandatário, foram notificados do Despacho de Acusação, presumindo-se, pois, que aquele não terá sido proferido.

iv. Dispõe o n.º 2 do art. 215º do Cód. do Processo Penal que, para o tipo de crimes em causa – tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro –, a prisão preventiva extingue-se passados que sejam 6 meses sem que tenha sido proferido Despacho de Acusação.

v. A prisão preventiva do arguido tornou-se, com efeito, desde o dia 9 de Dezembro, ilegal, porque ultrapassou o prazo de duração máximo previsto na lei.

São estes, ressalvada alguma correcção emergente da informação a que alude a última parte do n.º 1 do art. 223º do Cód. de Processo Penal e o Doutíssimo Suprimento de Vossas Excelências, os factos que permitem apontar ilegalidade à prisão do arguido”, pelo que “deverá ser considerada, nos termos da al. c) do nº 2 do art. 222º do Cód. Processo Penal, a ilegalidade da prisão preventiva do arguido AA e ordenada a sua imediata libertação.”

O Senhor Juiz deu cumprimento, de forma esquálida, ao preceituado no artigo 223º, nº 1 do Código Processo Penal, assumindo que (sic): “Veio o arguido AA interpor providência de habeas corpus, nos termos previstos no art.º 222º e e seguintes do Código de Processo Penal, por entender ser a sua prisão ilegal em virtude de ter sido detido a 9 de junho de 2017 e terem, assim, decorrido mais de 6 meses, sendo que o artigo 215º do Código de Processo Penal estipula, para o crime imputado ao arguido, um período máximo de prisão preventiva de 6 meses.

Entende este tribunal não assistir razão ao requerente porquanto:

a. Ter sido, no passado dia 6 de dezembro, deduzida acusação contra o arguido pelo crime pelo qual se encontrava indiciado (conferir folhas 2051-verso);

b. Ter o tribunal, no dia seguinte - dia 7 - procedido à revisão do estatuto coativo do arguido (conferir folhas 2065);

c. Encontrar-se o arguido, em qualquer caso, sujeito ao regime de prisão preventiva desde o dia 12 de junho - e não 9, data da detenção.

I.a) – Questão a solver no presente recurso.

A ilegalidade, por excesso de duração da medida a que se encontra sujeito – prisão preventiva – deriva, para o requerente do facto de ter sido detido em 9 de Junho de 2017 e até ao momento em que foi deduzida a providência – 11 de Dezembro de 2017 – ainda não tinha sido deduzida acusação, sendo que nos termos do artigo 215º, nº 2 do Código Processo Penal, aplicável por força da indiciação a que se encontra adstrito – crime de tráfico de estupefacientes previsto punido no artigo 21º do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.a). – Elementos pertinentes para a decisão.

- O arguido foi detido (em flagrante delito), no dia 10 de Junho de 2017;

- O arguido foi ouvido em primeiro interrogatório, pelo Juiz de instrução, em 12 de Junho de 2017;

- Após o interrogatório foi imposta ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva;

- No dia 7 de Dezembro de 2017, foi deduzida acusação contra o arguido, entre outros, em que lhe foi imputada a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto Lei nº 53/99, de 22 de Janeiro e ainda um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, em conjugação com o estabelecido no artigo 3º, nºs 2, alínea h) e 7, alínea a), do mesmo diploma legal.

- No dia 7 de Dezembro de 2017, foi reapreciada a validade/necessidade jusprocessual de manutenção da medida de coacção a que o arguido, AA, se encontrava sujeito desde 12 de Dezembro de 2017 – cfr. fls.

II.b). – Razões/Motivação de Direito.

II.b).1. – Pressupostos da providência de Habeas Corpus.
Aquele que se encontre privado de liberdade – existência de uma situação de prisão – por razão, ou motivo, que se não quadre com o quadro legal estabelecido no ordenamento jurídico vigente – v.g. por abuso de poder da entidade indutora da situação de prisão ou excesso de duração da medida de prisão preventiva – pode pedir a apreciação da situação em que se encontra ao Supremo Tribunal de Justiça.

O instituto de habeas corpus configura-se, a um tempo, como um direito fundamental e uma garantia. O instituto mostra-se a um tempo um direito, na medida em que a lei, maxime a Constituição, o confirma como um valor e um estado subjectivo activo incrustado na substancialidade individual do cidadão e que radica, directa e imediatamente, na esfera jurídica de qualquer cidadão no gozo pleno dos seus direitos cívicos, e ao mesmo tempo uma garantia na medida em que permite a qualquer cidadão reagir contra uma situação que repute abusiva e violadora de um direito – a liberdade física – inscrito como inderrogável no amplexo de direitos fundamentais do individuo. [[1]]

Consagrado e inerido no capítulo destacado para o estabelecimento dos direitos fundamentais, o instituto de habeas corpus surge, assim, como uma factor de garantia de qualquer cidadão contra os abusos que possam ser cometidos por entidades congraçadas na aplicação de medidas coactivas em nome da lei e do Estado. Invadeável para o seu surgimento é que i) ocorra uma situação abuso de poder, revertível em, ou pela, adopção de medidas de privação de liberdade que não devam ser plicadas a determinados factos ou se revele ter ultrapassado os limites temporais que a lei comina; ii) que a prisão se mostre mantida contra a normação que rege para a sua aplicação (nos casos e situações previstas na lei); iii) e, finalmente, que a situação de prisão seja actual e efectiva.

Legitimamente e por direito o pedido pode ser impulsionado por qualquer cidadão (“no gozo dos seus direitos políticos”) e deve ser apresentado à autoridade à ordem da qual o cidadão se encontra preso.

Como fundamento desta pretensão, de carácter excepcional, [[2]] o peticionante pode convocar uma das sequentes situações: a) incompetência da entidade que ordenou ou efectuou a prisão; b) ter a prisão uma razão, ou substrato jurídico-factual, arredada do quadro legal estabelecido; e c) ser a prisão mantida para além do prazos que a lei determina e fixa ou que a decisão judicial haja determinado.

O requerente encontra-se preso preventivamente, actual e efectivamente, à ordem do tribunal competente pelo que a sua legitimidade para requerer a providência de habeas corpus se mostra confirmada.

Assegurada a legitimidade importa averiguar se os condicionalismos estabelecidos na lei como passíveis de se poderem constituir como violadores do direito de liberdade física se mostram preenchidos.

Como se assinalou no acórdão supra citado – de 1 de Fevereiro de 2007, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira – o procedimento (providência) de habeas corpus não assume carácter ou natureza residual, antes se perfila como um procedimento autónomo e com identidade própria que pode coexistir com o recurso. A providência de habeas corpus não se destina a reagir contra uma decisão reputada injusta de aplicação de uma medida de privação de liberdade, rectius prisão preventiva, antes se destina a pôr cobro a uma situação de ilegalidade e abuso de poder por parte das autoridades. A providência de habeas corpus não se destina a corrigir ou reavaliar as decisões judiciais que dentro da legalidade apliquem a medida coactiva de prisão preventiva. Ela surge no universo do direito como meio de ilaquear um estado patológico decorrente de uma actuação contrária à lei e ao arrepio dos adequados e correctos modos de apreciação e avaliação de uma situação factual (em que uma medida de coacção como a prisão preventiva não pode ser aplicada).

Por outro lado, a providência de habeas corpus, por alegada prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, perante situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, seja por incompetência da entidade que ordenou a prisão, seja por a lei não permitir a privação da liberdade com o fundamento invocado ou sem ter sido invocado fundamento algum, seja ainda por se mostrarem excedidos os prazos legais da sua duração.

São tais razões - e só elas – que justificam a celeridade e premência na apreciação extraordinária da situação de privação de liberdade com vista a aquilatar se houve abuso de poder ou violação grosseira da lei, na privação da liberdade, que imponha de imediato a reposição da legalidade.

A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (v.v.g. Ac. deste Supremo de 20-12-2006, proc. n.º 4705/06 - 3.ª)

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (v. Acórdão deste Supremo de 29-05-02, proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que, mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou...

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