Acórdão nº 1798/22.0T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 26-04-2023
Data de Julgamento | 26 Abril 2023 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1798/22.0T8STB.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.
Os Requerentes, ora recorrentes, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, vêm interpor recurso de revista, no presente procedimento cautelar (ancorado no direito de acção popular) de restituição provisória da posse, que haviam instaurado no Juízo Local Cível de ...-Juiz ... contra a Requerida, "Seven Properties - Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A.".
A 1ª Instância julgou a ação cautelar improcedente, por não provada, em consequência do que indeferiu "o pedido de tomada de providência cautelar, dele absolvendo a requerida" - do pedido de restituição provisória da posse da parcela de terreno que ladeia as margens da Ribeira ..., terraplanada à mesma cota, com área de cerca de 8.000m2, delimitada a Norte, Sul e Poente pela EN ..., e a Nascente pelo ... e pela arriba em que termina o logradouro do ... e que constitui o Parque ... [com o fundamento aduzido na sentença de que "Com isto, a autoridade de caso julgado firmada não é susceptível de fazer claudicar, sem mais, a necessidade de verificação dos pressupostos de procedência da tutela cautelar pedida a este Tribunal, antes se impondo a necessidade de verificação de todos os requisitos de que depende a decisão pedida"; e ainda que "o Estado beneficia também de uma presunção de dominialidade sobre as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés e, quanto a esta matéria em especial, só é consentido aos particulares o exercício da demonstração do direito de propriedade, dentro de apertados requisitos de antiguidade e prova''; e que, portanto, "não podemos considerar preenchidos os requisitos de que depende a procedência da tutela cautelar suscitada ao Tribunal, o que, por inerência, afecta negativamente o pedido de inversão do contencioso formulado pelos Requerentes, que fica precludido em face da improcedência dos pedidos formulados''].
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação:
“Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
E não são devidas custas nas duas instâncias.
Registe e notifique.”
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Continuando inconformados, agora com o decidido pela Relação, os autores interpõem recurso de Revista para este STJ e, formulam as seguintes conclusões:
“1. A Revista é interposta ao abrigo das disposições conjugadas do art. 370.º n.º 2, parte final, e do art. 629.º n.º 2 alíneas a) e d), ambos do Código de Processo Civil.
2. O Acórdão Recorrido ofendeu não apenas o caso julgado resultante da sentença de homologação da desistência do pedido proferida no Proc. n.º 190/05.6... (cuja certidão foi anexada com a petição inicial), como em múltiplas questões fundamentais de direito entrou em contradição com jurisprudência de outros Tribunais Superiores.
3. Quanto à contradição de julgados, serão invocados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, pois o art. 629.º n.º 2 al. d) do Código de Processo Civil deve ser interpretado como permitindo, por maioria de razão, a invocação de conflito jurisprudencial com arestos do Supremo.
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A) Ofensa de regras de Direito na apreciação da matéria de facto – Admissão de factos conclusivos, que integram questões jurídicas essenciais a decidir no pleito - Acórdão-fundamento invocado quanto a esta questão: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2021 (Proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1, Relator: Pedro de Lima Gonçalves), publicado em www.dgsi.pt.
4. O ponto 45, ao declarar que “O prédio aludido em 4) é objecto de propriedade particular desde 26 de Maio de 1852”, contém um conceito de Direito que integra uma questão jurídica essencial a decidir no pleito, e por isso deve ser eliminado.
5. Na verdade, a lei processual não permite a inserção na matéria de facto de conceitos de Direito, e muito menos o permite quando são a questão jurídica fundamental a decidir no pleito.
6. Esse é o entendimento expresso no Acórdão-fundamento invocado quanto a esta questão ao declarar que “a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação.”
7. O Acórdão-fundamento admite, porém, a enunciação de situações jurídicas consolidadas, mas “desde que sejam usadas sem representar uma aplicação do direito à hipótese controvertida”, e ainda de “termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (…) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica”.
8. Sucede que a questão jurídica da parcela de terreno em causa nos autos ser objecto de propriedade particular desde data anterior a 31 de Dezembro de 1864 integra o objecto do processo, pois foi invocada pela Requerida na sua contestação, como forma de beneficiar do instituto jurídico consagrado no art. 15.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro.
9. Deste modo, o ponto 45, ao enunciar um facto conclusivo, que constitui objecto da discussão jurídica essencial dos autos e exige uma tarefa de interpretação do título aquisitivo apresentado e de integração do Direito, deve ser assim eliminado.
10. O ponto 4, ao declarar provado que a parcela de terreno em disputa está integrada (faz parte) de um prédio misto propriedade da Requerida, ou seja, que a referida parcela é propriedade da Requerida, voltou a enunciar um conceito de Direito que integra questão jurídica essencial a decidir no pleito, e por isso também deve ser eliminado.
11.A integração daquela parcela de terreno no prédio misto da Requerida é o objecto do litígio, sobre o qual “recaiu o esforço de (diversa) interpretação jurídica efectuado quer na 1.ª instância, quer no Acórdão da Relação”, como se escreve no Acórdão-fundamento invocado, pelo que não pode ser utilizada na enunciação dos factos, por conter em si a solução jurídica do pleito.
12.O Acórdão-fundamento também decidiu que a presunção da titularidade do direito de propriedade constante do art. 7.º do Código do Registo Predial “não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo, pois o registo predial não é constitutivo e não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio. Por esta razão, a descrição predial de um prédio – assim como as descrições matricial ou notarial – pesem embora constituam elementos enunciativos importantes de identificação, não servem, exclusivamente, para a exacta determinação física ou da real situação do prédio, enquanto unidade fundiária contínua.”
13.Também aqui o Acórdão Recorrido entrou em contradição com o julgado no Acórdão-fundamento, ao declarar que o referido ponto 4 se deveria “manter tal qual está”, por “não sendo de excluir o segmento de que o Parque ... se encontra integrado no prédio misto denominado ..., pois que a fundamentação da douta sentença disso da boa conta ao explicitar os elementos registrais e descritivos para ter chegado a tal conclusão.”
14.Finalmente, a questão jurídica da integração da parcela em causa no prédio misto propriedade da Requerida está resolvida, e em sentido oposto ao que ficou inscrito no referido ponto 4, em virtude da sentença de homologação da desistência do pedido proferida no Proc. n.º 190/05.6...
15.Logo, o ponto 4 contém não apenas uma conclusão jurídica, como resolve-a em sentido contraditório à autoridade de caso julgado e que constitui pressuposto indiscutível da causa de pedir formulada pelos Recorrentes.
16.Admite-se que este ponto seja reduzido à redacção proposta pelos Recorrentes no seu recurso de Apelação, que tem, pelo menos, a vantagem da objectividade: “4. Na ....ª Conservatória do Registo Predial ... encontra-se descrito, sob o n.º 188/20..., o prédio misto denominado “...”, sito na então freguesia ..., hoje União das Freguesias de ..., concelho e distrito ..., com a área total de 588,375 hectares, cuja aquisição da propriedade se encontra inscrita a favor da Requerida.”
17.O ponto 32, ao declarar provado que “o Município de ... propôs à Requerida a aquisição (…)”, com fundamento em ofício assinado, apenas, pela Presidente da Câmara Municipal de ..., contendo uma proposta de aquisição por via do direito privado de parcela de terreno do Parque ..., efectua mais outra conclusão jurídica, em matéria discutida entre as partes.
18.Na verdade, os Recorrentes invocaram que tal documento não demonstrava que a proposta de aquisição tivesse sido deliberada pelos órgãos colegiais do Município de ... com competência nessa matéria, nomeadamente a assembleia municipal ou a câmara municipal, face às disposições conjugadas do art. 5.º n.º 2 e do art. 33.º n.º 1 als. g) e vv) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais).
19.No entanto, o Acórdão Recorrido entendeu manter essa redacção, argumentando com os poderes de representação judicial da Presidente, previstos no art. 35.º n.º 1 al. a) da referida Lei n.º 75/2013.
20.E assim inseriu no elenco de factos provados outra conclusão jurídica, respeitante à vinculação do Município e à divisão de competências entre os respectivos órgãos, entrando, mais uma vez, em contradição com o julgado no Acórdão-fundamento.
21.Deve pois, ser eliminada deste ponto 32 a parte em que declara que “o Município de ... propôs à Requerida”, substituindo-a por aquela que foi proposta pelos Recorrentes, que tem as vantagens da objectividade e da fidelidade ao teor do documento: “32. Por ofício datado 27 de Julho de 2020, a Presidente da Câmara Municipal de ... propôs à Requerida a aquisição (…)”, seguindo-se o restante teor do ofício.
22.O ponto 35, ao declarar provado que “o Município de ... proferiu, contra a Requerida, “na qualidade de proprietária do parque ..., afecto ao ...”, voltou a efectuar uma conclusão jurídica, em matéria igualmente discutida nos autos.
23.Com...
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